O público e o privado

Fórum de discussão de assuntos relevantes para o ateísmo, agnosticismo, humanismo e ceticismo. Defesa da razão e do Método Científico. Combate ao fanatismo e ao fundamentalismo religioso.
Avatar do usuário
Jack Torrance
Mensagens: 4488
Registrado em: 30 Out 2005, 16:56
Gênero: Masculino
Localização: São José do Rio Preto/SP
Contato:

O público e o privado

Mensagem por Jack Torrance »

O público e o privado

por Luiz Gonzaga Belluzzo

O individualismo do cidadão remediado é tão visceral, tão patológico e tão tragicamente cômico que é também essencial para uma sociedade baseada na “lei do mais forte”

O desabamento da estação Pinheiros da Linha 4 do Metrô foi um painel de desgraças: narra os percalços da vida contemporânea no Brasil brasileiro. O desastre vai além das intermináveis discussões sobre a qualidade das avaliações geológicas ou desencontros sobre a propriedade (ou impropriedade) das técnicas de escavação de túneis. O povo de São Paulo de Piratininga presenciou uma tragédia humana, urbanística, social e midiática.

Primeiro o óbvio: nas últimas décadas, consolidou-se, entre as camadas dominantes e bem-pensantes, a convicção de que a vida coletiva e os riscos dos cidadãos podem ser resguardados ou administrados pelos critérios do lucro privado. Saiba o leitor que não embarco na maré acusatória fomentada pela mídia do espetáculo macabro. Nem mesmo pretendo descartar a possibilidade de relações virtuosas entre o Estado e o Mercado. Muito ao contrário: julgo que o período glorioso da vida social e do progresso econômico deve seu desempenho às articulações que, na segunda metade do século XX, enlaçaram o público e o privado.

Cuido aqui de um processo de deformação do imaginário social estimulado pelos mesmos que se valem da tragédia para endurecer o indicador ou produzir factóides e inventar personagens. Há quem diga que o lucro é a conquista suprema da raça humana e tudo o que existe ou está para existir deve se submeter às normas do ganho monetário. Alguns brasileiros, da classe média para cima, vêm tentando transformar esse axioma em orientação para a vida prática. Não é de hoje que tentam safar a onça entregando a sua saúde e a de seus filhos à iniciativa dos privados. Não apenas a saúde, mas também a educação, a segurança, a aposentadoria etc.

É claro que o repúdio dessa gente à saúde pública, à escola pública, à segurança pública é um gesto de diferenciação, de distinção em relação aos de baixo, uma espécie de grife que os identifica como consumidores de bom gosto em oposição à rafaméia vestida em andrajos. A grande vantagem dessa atitude é que, de quebra, fica justificado o descumprimento das obrigações coletivas – desde o estacionamento em lugar proibido até a esperteza de furar filas e trafegar pelo acostamento –, ensejando uma espécie de anarquismo de remediados. Há fortes evidências, neste momento, de que, salvo para os de cima – descontados os desabamentos de túneis –, a experiência foi desastrosa.

Quando entro em tais considerações, os amigos me censuram: “Mas você é da classe média”. Respondo: “Com muita honra”. Mas emendo de primeira: “Não sei por quanto tempo”. A verdade é que, de uns tempos a esta parte, a chamada classe média precipita-se ladeira abaixo. É claro que alguns ainda conseguem se agarrar à nave espacial dos mais ricos, que decola célere em direção à economia moderna e globalizada. Mas esses são cidadãos do mundo e só fazem cálculos em dólares porque não acreditam, de fato, que o real seja uma moeda forte.

A coisa degringolou. Os que continuam acreditando nesta balela contam os tostões para pagar dívidas, têm pesadelos com o desemprego ou fecham os seus negócios porque o faturamento mergulha em parafuso. A situação mais dramática é a dos desempregados que, sonhando em ser patrões de si mesmos, não encontram um Estado capaz de construir um ambiente de negócios propício ao bom desempenho dos novos empreendimentos.

Mas os mitos em que aprendeu a acreditar impedem o cidadão remediado de avaliar as verdadeiras razões de suas decepções. Para ele, o indivíduo é o único responsável por suas desditas. Se quebrou a cara, é porque não teve competência para fazer melhor, não soube vencer os competidores nem ultrapassar as suas circunstâncias. O seu individualismo é tão visceral, tão patológico e tão tragicamente cômico que é também essencial para a reprodução de uma sociedade que funda a sua justificação moral na “sobrevivência do mais forte”.

Sobrevivem realmente os mais fortes, mas os mais fortes são mais fortes há muito tempo e o resultado da luta competitiva só pode ser a dizimação dos incautos que se julgavam aptos a concorrer. É verdade que alguns conseguem se agarrar à espaçonave que arranca em alta velocidade. Mas a maioria é tragada pelos buracos da vida.
Os planos de saúde, a escola privada, esses pesadelos não foram ainda suficientes para ensinar às vitimas do individualismo as lições da vida. Faltam ainda os ensinamentos da previdência privada. Mas eles não tardarão. Assim, desde as crianças até os velhos, passando pelos de idade adulta, todos poderão provar das delícias do privatismo.

http://www.cartacapital.com.br/edicoes/ ... -o-privado
“No BOPE tem guerreiros que matam guerrilheiros, a faca entre os dentes esfolam eles inteiros, matam, esfolam, sempre com o seu fuzil, no BOPE tem guerreiros que acreditam no Brasil.”

“Homem de preto qual é sua missão? Entrar pelas favelas e deixar corpo no chão! Homem de preto o que é que você faz? Eu faço coisas que assustam o Satanás!”

Soldados do BOPE sobre BOPE

Apocaliptica

Re.: O público e o privado

Mensagem por Apocaliptica »

É claro que o repúdio dessa gente à saúde pública, à escola pública, à segurança pública é um gesto de diferenciação, de distinção em relação aos de baixo, uma espécie de grife que os identifica como consumidores de bom gosto em oposição à rafaméia vestida em andrajos. A grande vantagem dessa atitude é que, de quebra, fica justificado o descumprimento das obrigações coletivas – desde o estacionamento em lugar proibido até a esperteza de furar filas e trafegar pelo acostamento –, ensejando uma espécie de anarquismo de remediados. Há fortes evidências, neste momento, de que, salvo para os de cima – descontados os desabamentos de túneis –, a experiência foi desastrosa.


Mentira e preconceito socialista. Inversão de valores com tendenciosidade.

Enquanto um serviço público for bem gerido e de qualidade, opto por ele que não sou burra, pois pago impostos e tenho direito a usá-los.
Mas colocar minha educação, minha saúde e minha paciência à prova me fazem ser cúmplice da anarquia da vergonhosa engenhoca pública. E não vejo motivos para ser refém disso.
Se o Estado fosse competente, o Privado não teria tanto espaço. Mas não é. Então, que sobreviva não o mais forte, mas o mais competente.

E quem acha ruim que reclame para aqueles em quem votou.

Avatar do usuário
betossantana
Mensagens: 3895
Registrado em: 24 Set 2006, 23:50
Contato:

Re.: O público e o privado

Mensagem por betossantana »

Público & Privado, isso é tão Hannah Arendt.

Concordo com a Apoc em termos.
É um problema espiritual, chupe pau!

Avatar do usuário
Johnny
Mensagens: 14128
Registrado em: 10 Mar 2006, 16:06
Gênero: Masculino

Re.: O público e o privado

Mensagem por Johnny »

Do jeito que está vai chegar uma hora em que não teremos mais serviços públicos diretos e estaremos pagando os impostos para têlos e mais os impostos dos serviços prestados. Assim até eu quero ser privado.
"Tentar provar a existencia de deus com a biblia, é a mesma coisa q tentar provar a existencia de orcs usando o livro senhor dos aneis."

Imagem

Trancado