Acauan escreveu:Olá Fred,
Se reler o texto notará a menção aos massacres de Deir Yassin, Sabra e Chatila. Não há comprovação definitiva que tais atos foram perpretados pelo Estado de Israel, mas não há como negar, no mínimo, a cumplicidade israelense naqueles atentados.
Isto é ainda mais sério do que matar civis indefesos, já que um Estado que deve sua criação principalmente ao impacto de matanças do tipo deveria ser o último a se envolver com crime desta natureza.
Só este comentário breve, que classifica explicitamente Eretz Israel como "uma terra muito distante da inocência", é suficiente para negar que o texto escusa completamente Israel do conflito.
Bom, a leitura global do texto me soou apologética, mas considerando seu histórico, eu já imaginava que isso provavelmente fora apenas um desentendimento de comunicação do que uma leitura simplista ou ideológica da questão palestina.
Feito esse comentário, me parece que eu não dei à ressalva a mesma importância que você deu, mas que nunca foi sua intenção – nem seu resultado literal – escusar na plenitude o que há de errado a respeito de Israel.
Assim retiro minha ressalva quanto a esse particular.
Acauan escreveu:Há duas questões aqui.
A primeira é que já havia desde antes da guerra um forte movimento sionista pleiteando a criação de um Estado judeu na Palestina.
Outra é que o conflito só tomou características de choque entre duas grandes religiões nas últimas duas décadas.
Há vinte anos ninguém falava em "mundo muçulmano" e sim em "mundo árabe". Assim como ninguém falava então em conflito entre israelenses e palestinos e muito menos entre judeus e muçulmanos e sim entre israelenses e árabes ou entre judeus e árabes.
A identificação dos palestinos como um povo distinto dos demais árabes e a visão do conflito como confronto religioso é muito recente do ponto de vista histórico.
Analisada a questão sobre a realidade geopolítica de 1947, quando o Estado de Israel foi criado, as decisões de então passam a parecer muito mais coerentes. Como não se pode tomar decisões políticas como aquela com base em uma desconhecida realidade futura, muitas das críticas à criação de Israel se tornam inconsistentes.
Forte em termos. Não duvido que houvesse o interesse, literatura a respeito e mesmo propostas, mas não sei de nenhuma tentativa real de implementar um estado sionista antes do
aftermatch da Segunda Guerra Mundial, quando acalentar os judeus pelo seu sofrimento nas mãos dos nazistas se tornou uma espécie de esporte mundial.
De notar também que a escolha dos judeus pela palestina, com bases estritamente bíblicas (nem históricas eu engulo muito, menos ainda vindo de um povo famoso por seu nomadismo) é tênue na melhor das hipóteses, e deveras incompatível com o laicismo dos países componentes da Liga das Nações.
Além disso, acho que a crítica à criação de Israel não se torna inteiramente fragilizada. Que é fato que ninguém realmente sabia o tamanho da encrenca, não há como negar... mas que um país foi enfiado goela adentro dos palestinos sem nenhuma razão legítima para tanto, lá isso foi – e isso seria criticável, mesmo que eles tivessem aceitado tudo passivamente e a questão hoje fosse selada e nem sequer merecesse debate.
Acauan escreveu:Do ponto de vista dos diplomatas e políticos ocidentais que tomavam as decisões, o mundo árabe da época era um amontoado de tribos sem identidade nacional, resultantes do esfacelamento do Império Otomano, que precisavam ser organizadas na forma de Estados Nacionais para evitar que caíssem na anarquia e na guerra tribal permanente entre as facções rivais.
Claro que os líderes europeus traçaram as linhas nos mapas guiados por seus próprios interesses, mas se estados como a Jordânia existem hoje, isto se deve a estas divisões.
Ou seja, os árabes só passaram a ter identidades nacionais distintas no século XX, sendo que as reivindicações de uma nacionalidade exclusivamente palestina datam das últimas décadas daquele século.
Neste contexto, Israel é só mais um Estado criado artificialmente na região e não o Estado criado artificialmente na região. O mesmo sistema que criou o Estado judeu criou a Jordânia e definiu as fronteiras da Síria e do Iraque.
É claro que há justiça em pleitear os direitos das massas de autóctones árabes palestinos deslocados e transformados em refugiados sem cidadania. Mas coisa semelhante aconteceu com os curdos da Turquia e Iraque sem que ninguém no mundo muçulmano desse muita bola.
A conclusão é que a oposição ao Estado de Israel é antes ideológica do que nacionalista, étnica, cultural ou religiosa.
Concordo que os contornos das atuais nações Árabes – como aliás dos países africanos e sul-americanos – é algo pelo qual se deve agradecer (ou culpar) às potências econômicas da época, principalmente às Européias.
Também por isso, deve-se a elas significativa parcela de responsabilidade relativa aos conflitos políticos e étnicos que assolam as referidas regiões, retalhadas de acordo com conveniências alheias às próprias necessidades. Felizmente, essa bomba nunca estourou na América latina, mas na África e Ásia ela é incontrolável.
O grande problema é que reconhecer isso, e a incoerência de que aqueles que são o que são (“graças a” ou “por culpa de”) os Europeus, reclamarem que os mesmos fizeram a mesma coisa outra vez quando criaram Israel, não torna menos verdade que é exatamente assim que eles se sentem. Pode ser, portanto, logicamente insustentável eles terem orgulho nacional das nações que devem à Europa e, ainda assim, odiarem outra nação que deve sua existência à Europa, mas isso não vai impedi-los de agir exatamente assim.
A questão pouco tem a ver com uma compreensão racional da política global, mas sim com um choque de paixões e com muito orgulho ferido. Como você disse, uma oposição ideológica, étnica, cultural e religiosa, e não uma oposição bem fundamentada diante de um problema real e extraordinário... o que, entretanto, não a torna nem um pouco menos real.
Acauan escreveu:Uma das propostas da coroa britânica aos líderes sionistas era instalar o Estado de Israel no território da atual Uganda, na África.
Os judeus recusaram alegando que não tinham qualquer relação histórica com aquele território. A mesma justificativa poderia ser usada para recusar qualquer proposta que envolvesse o Alasca ou os países europeus vencidos.
Mas o fato definitivo é que a Realpolitik dita as regras e no caso e na época a Realpolitik concluiu que era muito mais fácil e prático instalar Israel na Palestina, em paralelo ao processo de independência concedida aos protetorados árabes e respectiva formação de seus estados.
Uma alegação infundada por parte das lideranças Sionistas. Os judeus estavam afastados da palestina e morando espalhados pela Europa já há muito tempo para que viessem a alegar uma ligação visceral com a terra. Está claro que foi um sentimento religioso que motivou a escolha daquele chão e de nenhum outro, o que torna fundamentalmente furada a alegação, o que não carece de maior elaboração neste foro.
A justificativa dada pelos judeus só foi aceita porque era conveniente aos outros povos (e porque as conseqüências nocivas ainda não eram vislumbradas).
Realpolitik, como você bem lembrou... de uma vertente eurocêntrica que não apenas subestimou, como também categoricamente menosprezou integralmente os interesses dos palestinos.
Acauan escreveu:Não é exatamente esta a verdade. Hoje o fortalecimento ideológico do fundamentalismo islâmico como substitutos do comunismo no papel de inimigos do ocidente pode levar a estas correlações, que não eram aplicáveis na primeira metade do século XX.
Após a queda do Império Otomano, que por séculos dominou o Oriente Médio, os árabes entraram em uma crise de identidade que os colocava muito aquém do que se poderia chamar de povo orgulhoso de suas glórias passadas. Sua própria definição como Umah (comunidade dos muçulmanos) havia sido sufocada por séculos de dominação por um regime opressor que só apoiava o Islã quando era de seu interesse, algo diametralmente oposto do califado, o regime teocrático proposto por Mohamed.
A primeira tentativa de recuperação do orgulho árabe foi o panarabismo, liderado por Nasser, que tinha inspiração nacionalista, laica e algo alinhada com o socialismo.
Como dito anteriormente, é de pouco tempo para cá que a identidade religiosa comum dos árabes foi retomada como bandeira de luta, sendo assim inadequado julgar fatos passados com base em uma condição que não existia na época.
Também não é exatamente uma inverdade.
Claro que eu não estou aqui argüindo que os muçulmanos achavam que ainda eram o povo mais influente do mundo e cantavam alegremente as glórias de Alá até o dia da criação de Israel. Claro, também, que a decadência dos muçulmanos foi um processo gradual, na minha opinião baseado em suas falhas fundamentais – a falta de um movimento iluminista ou de seu equivalente, e a regressão isolacionista/fundamentalista do Islã após as cruzadas.
Não obstante, aquela foi a gota d’água, o pulo do gato, o momento em que o mundo mostrou para eles o seu novo papel na grande ordem das coisas – o de subdesenvolvidos submetidos ao arbítrio de potências estrangeiras... algo que seria impensável até antes do advento da primeira guerra mundial, ainda na época dos grandes impérios, como o Otomano e o Austro-húngaro.
Acauan escreveu:O Irã é no momento a maior ameaça à paz. Não apenas no Oriente Médio como no mundo. Se aqueles aiatolás malucos insistirem em desenvolver armas nucleares serão, em tempo, persuadidos pelas potências ocidentais. Ao contrário do que ocorreu no Iraque, desta vez os Estados Unidos da América e Grã Bretanha não estarão sozinhos. Franceses, alemães e russos já deixaram claro que não estão nem um pouco a fim de ver Teerã posando de potência atômica.
Esta transferência de gravidade do conflito pode facilitar ou dificultar a paz entre israelenses e palestinos, dependendo da habilidade dos líderes destes povos.
Não discordo disso. O fundamentalismo islâmico é um dos vilões do mundo moderno. E aliás, se a guerra for inevitável, eu prefiro que Israel seja vencedor sem a menor dúvida.
Mas eu sempre me rio quando vejo americanos (e muitos bons brasileiros) descrevendo a segunda guerra mundial como “um grande choque entre o bem e o mau”, numa compreensão rasa e Hollywood-ana do que
realmente aconteceu, e no caso específico da Palestina, eu vejo muitas opiniões seguindo essa mesma tendência – algo que eu gosto de confrontar em toda oportunidade.
Simples fato é que embora eu prefira Washington ou Tel-aviv a Teerã como potências nucleares, a verdade é que eu não confio em nenhuma delas. Infelizmente, no mundo como nos quadrinhos, os heróis estão sempre em menor número e vendo os vilões brigar entre si.
T+

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