A Espanha dá o exemplo
Enviado: 26 Fev 2007, 17:05
A reportagem é grande , mas vale a pena.
Vejam os números na tabela comparativa entre os dois países (Brasil e Espanha ). Esta é uma boa comparação entre as duas economias.
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A Espanha dá o exemplo
Por Rodrigo Mesquita, de Madri
No final de janeiro, o governo espanhol anunciou os melhores índices de desemprego do país em 36 anos. A taxa de 2006 ficou em 8,3% e algumas regiões, como Aragão e Navarra, já vivem uma inédita situação de pleno emprego. Em uma reunião com empresários, o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero comemorou dizendo que o país tinha passado pelo "mais brilhante ano em termos econômicos da etapa democrática". O presidente do Banco Central espanhol, Miguel Ángel Fernández Ordóñez, por sua vez, comunicou que o produto interno bruto (PIB) cresceu 3,8% em 2006 e que o superávit fiscal atingiu 1,5% do PIB. Esse desempenho, afirmou Ordóñez, levou a economia da Espanha ao oitavo lugar no ranking mundial, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, China, Reino Unido, França e Itália. O PIB espanhol já beira 1,2 trilhão de dólares. Se o ritmo se mantiver (o crescimento estimado para 2007 é de 3,5%), a renda per capita dos espanhóis ultrapassará a dos italianos até dezembro e encostará na dos alemães em 2010.
É a coroação de um dos mais impressionantes casos mundiais de crescimento sustentado. A Espanha cresce ininterruptamente há mais de 30 anos. Desde 1994, o PIB vem evoluindo à média de 3,4% ao ano. É pouco, se comparado às taxas estratosféricas de China e Índia, mas um excelente desempenho para o contexto europeu. Por isso mesmo -- não ser calcado em números estupendos, mas caracterizar-se pela consistência no longo prazo --, o modelo de desenvolvimento espanhol talvez mereça do Brasil mais atenção do que as receitas de chineses e indianos. Quando morreu o ditador Francisco Franco, em 1975, após 36 anos de um dos regimes mais sombrios da Europa Ocidental, era piada corrente dizer que a África começava nos Pirineus, a cadeia de montanhas que separa a França da Península Ibérica. Nessa época, Brasil e Espanha exibiam quadros parecidos: economias subdesenvolvidas e com grande presença estatal, disparidades regionais, renda per capita rasa, burocracia infernal. De lá para cá, o cenário brasileiro mudou lentamente e aos soluços -- algumas conquistas, como a abertura e a estabilidade, são contrapostas a pioras em outros aspectos, como o tamanho do Estado. Já os espanhóis conseguiram multiplicar por cinco a renda per capita do país. "Tínhamos uma visão: queríamos chegar aonde estavam nossos vizinhos, a Europa desenvolvida", afirma Carlos Solchaga, ex-ministro espanhol da Indústria e, depois, da Economia, nos anos 80.
O que permitiu à Espanha dar esse salto qualitativo? Perseverança é o nome do jogo. O maior mérito dos espanhóis foi ter seguido consistentemente uma estratégia de longo prazo e atacado seus problemas um a um, com sucessivas gerações de reformas. "Em economia não existem modelos milagrosos", diz Guillermo de la Dehesa, presidente do Centre for Economic Policy Research de Londres e um dos artífices da arrancada espanhola -- foi secretário de Política Econômica de 1982 a 1986. Segundo ele, só há dois caminhos para um país ganhar a confiança dos investidores internacionais: políticas estáveis ou a entrada num clube com credibilidade. A Espanha usou as duas fórmulas. Antes da arrancada, ainda em 1977, as forças políticas do país iniciaram a transição democrática firmando uma série de acordos de consenso, os famosos Pactos de la Moncloa. Ali já se assentaram as bases de uma disciplina fiscal e monetária. Ao longo dos anos, independentemente da coloração política do governo de turno, esses princípios e o investimento sistemático em educação, saúde e infra-estrutura foram os pilares da política econômica. Em 1986, com a entrada na União Européia, a Espanha consolidou sua classificação de país seguro para investimento que havia conseguido anos antes. Em seu informe mais recente, a agência de classificação de riscos Standard & Poor's repetiu para o país a nota mais elevada, a mesma que atribui a Estados Unidos, Alemanha e Suíça. "As notas refletem a forte posição fiscal da Espanha e um crescimento econômico robusto", afirma Trevor Cullinan, analista da Standard & Poor's em Londres que responde pela avaliação do país.
Os espanhóis estão à frente
Brasil e Espanha têm economias de porte semelhante. Os indicadores mostram, entretanto, que os espanhóis encontram-se em um estágio de desenvolvimento econômico bem superior
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Produto interno bruto (PIB)
Espanha - 1,2 trilhão de dólares
Brasil - 967 bilhões de dólares(1)
Pib Per Capita
Espanha - 27 320 dólares
Brasil - 5 177 dólares(1)
Crescimento econômico
Espanha - 3,8%
Brasil - 2,7%(1)
Dívida líquida do governo
Espanha - 27% do PIB
Brasil - 50% do PIB
Inflação anual
Espanha - 2,7%
Brasil - 3,1%
Crédito para o setor privado
Espanha - 156% do PIB
Brasil - 34% do PIB
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Dados de 2006 (1) Estimado Fontes: Standard & Poor’s, Banco Central espanhol, Banco Central do Brasil
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Os anos prévios ao ingresso na UE foram vitais para o desenho da Espanha atual. A estabilidade macroeconômica já vinha ampliando o fluxo de investimentos estrangeiros e essa tendência se acentuou. A partir de 1985, 33% dos novos empregos passaram a ser criados pelo capital estrangeiro. Foi a época inicial das reformas econômicas. O primeiro ajuste estrutural significativo começou em 1983, com a implementação de um programa de modernização do setor industrial. O governo usou o poder de fogo da Sociedade Estatal de Participações Industriais -- holding que reúne ações que o Estado detém de diversas empresas -- para promover a reordenação de setores- símbolo da economia do período franquista, como o siderúrgico, o de mineração e o de indústria naval. Milhares de empregos foram extintos, fábricas foram fechadas e unidades isoladas reagrupadas em novas holdings. O governo também promoveu a reestruturação do sistema financeiro, que atravessava uma grave crise derivada da penúria do setor industrial. Assim como foi feito no Brasil com o Proer, o Banco Central espanhol interveio, liquidou entidades, reorganizou bancos públicos e criou um ambiente favorável ao surgimento de gigantes globais, como o Santander Central Hispano e o Bilbao Vizcaya Argentaria.
O Santander é o melhor exemplo dessa transformação. Até então um banco de província, saiu com voracidade ao mercado nos anos 80, inovando produtos (criou a primeira conta remunerada da Espanha) e comprando concorrentes. Na década de 90, já estava entre os primeiros do país e, em 1994, deu sua tacada mais emblemática ao comprar em leilão o vetusto Banco Espanhol de Crédito (Banesto), maior entidade bancária do país durante o franquismo e então sob intervenção do Banco Central. Hoje, o Santander é a sétima instituição bancária do ranking global, com valor de mercado em torno de 90 bilhões de euros e ativos de 798 bilhões.
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Trajetória consistente
Nos últimos 30 anos, a Espanha fez mudanças sucessivas para consolidar a democracia e revigorar a economia :
1975
Morre o ditador Francisco Franco, que havia governado a Espanha durante 36 anos. O país inicia sua transição para a democracia.
1977
As forças políticas assinam os Pactos de la Moncloa, série de acordos que incluem uma política econômica baseada em disciplina fiscal.
1983
Tem início um programa de modernização de setores como siderurgia e construção naval. Telefonia e bancos são privatizados.
1986
A Espanha passa a ser membro da União Européia. O risco-país diminui e o fluxo de investimento estrangeiro cresce.
1999
Para que o país possa tornar-se membro fundador da união monetária européia, o governo espanhol ajusta o gasto público.
2002
O euro substitui a moeda nacional — a peseta —, num cenário de inflação e taxas de juro em queda.
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As reformas tiveram uma contrapartida social. O país do general Franco era marcado pela desigualdade. Os governos democráticos universalizaram o atendimento público na área de saúde, criaram programas de bolsas de estudo e implantaram seguro-desemprego. "O reforço da coesão social foi fundamental numa época em que o país enfrentou taxas de desemprego da ordem de 20%", afirma Solchaga. O ambiente de crescimento e maior segurança originou uma nova categoria de consumidores. Gente exposta às novidades internacionais pela abertura da economia e com maior poder aquisitivo. Propiciou também a expansão de empresas que souberam interpretar os novos signos, fabricando produtos modernos a preços competitivos. Como o grupo Inditex, proprietário da rede varejista Zara e terceiro maior conglomerado têxtil do planeta. O grupo fundado por Amancio Ortega, hoje o homem mais rico da Espanha, começou com um galpão onde trabalhava a família e entrou na transição democrática produzindo e vendendo o que os "novos espanhóis" queriam: roupa com "design" a preços acessíveis.
Participar do clube dos ricos também ajudou. Ao longo do tempo, a Espanha recebeu 165 bilhões de euros dos fundos que a União Européia destina a novos membros. Além de ajudar nas políticas sociais, esse dinheiro serviu para financiar a renovação da infra-estrutura. Implantou-se o trem de alta velocidade, estendeu-se a rede de autopistas, modernizaram-se os aeroportos. O esforço ainda não acabou, mas agora a Espanha é quem paga a conta. No orçamento de 2007, o governo prevê investir 17 bilhões de euros em portos, aeroportos, estradas, ferrovias e meio ambiente -- mais que o triplo do investimento público federal brasileiro no ano passado.
Talvez a maior conquista dos governos posteriores a Franco tenha sido a reforma do mercado de trabalho. Flexibilizar o custo da mão-de-obra era vital para a compe titividade espanhola. A tarefa tocou, ironicamente, a um governo socialista que, em 1986, enfrentou a única greve geral posterior à transição democrática. Coube ao segundo governo de Felipe González romper com um tabu da esquerda, barateando o custo das demissões e implantando o contrato temporário. O desemprego, que atingiu a impressionante cifra de 24,5% em 1994, vem caindo de forma consistente desde então. Atualmente, de cada dez novos postos criados, três são temporários.
Os anos 90 foram marcados pelo que se considera a segunda fase das reformas. Para que o país pudesse se tornar um dos fundadores da união monetária européia, o governo espanhol promoveu rigoroso ajuste nas contas públicas. O prêmio veio na forma de redução vertiginosa na taxa de juro (então de 15%, caiu até os 4% atuais) e de um novo ciclo de investimentos. "As pessoas começaram a endividar-se mais e os mercados de crédito desenvolveram-se rapidamente", diz De la Dehesa. O crescimento do consumo e a oferta de dinheiro barato deram mais um impulso à economia. A exuberância dos mercados financeiros internacionais na segunda metade da década facilitou, por sua vez, outra etapa, a da desmontagem dos antigos monopólios estatais, tarefa levada a cabo pelo governo conservador de José María Aznar. Em 1995, ele iniciou a privatização da Telefónica, que, ao lado do monopólio petroleiro Repsol, foi, provavelmente, a desestatização mais bem-sucedida. Em pouco mais de dez anos, a Telefónica evoluiu de uma empresa de expressão local à terceira posição no ranking global de número de clientes. A Repsol, por sua vez, surgiu do agrupamento em uma única holding de todos os ativos estatais no setor de hidrocarbonetos, em 1981. Dez anos depois, o governo separou as atividades que deram origem a outro gigante, a Gás Natural. Em 1997, foram vendidos os últimos 10% que o Estado ainda possuía e, dois anos mais tarde, a empresa concluiu a compra da argentina YPF. Atualmente, a Repsol YPF está entre as dez maiores do mundo no ramo, com valor de mercado de 31 bilhões de euros.
A economia espanhola conseguirá manter o ritmo de crescimento? Há indicadores saudáveis, como a taxa de investimento de 30% do PIB (a do Brasil está em 20%). Por outro lado, num informe recente, a Organização para Cooperação e De senvolvimento Econômico (OCDE), grupo de 30 países do qual a Espanha faz parte, chamou a atenção para a perda de competitividade e para o elevado grau de endividamento da população. As famílias espanholas somavam ao final de 2006 dívidas de 717 bilhões de euros. São as mesmas reticências lançadas pelo Banco Central europeu, que destaca também o cenário futuro de elevação das taxas de juro. Esse movimento pode engripar o principal motor da economia espanhola nos últimos anos: a construção civil, responsável por 70% do investimento total no país. Há no país uma espécie de bolha imobiliária. A Espanha já conta com 23 milhões de residências, uma para cada dois habitantes. A OCDE estima que o preço dos imóveis espanhóis esteja sobrevalorizado em 30%. A febre imobiliária dos últimos anos alimentou em larga medida um segundo motor do crescimento: a imigração. Nos últimos seis anos, estabeleceram-se na Espanha 4,5 milhões de imigrantes, que ocuparam postos de trabalho rejeitados por uma população envelhecida e com baixos índices de natalidade.
A baixa competitividade é outro problema. O trabalhador espanhol produz, em média, 13% menos que o europeu e 27% menos que o americano. Alguns economistas, no entanto, enxergam nesse diferencial não um problema, mas o espaço de crescimento latente. É o que pensa o último Nobel de economia, o americano Edmund Phelps. "Partindo de bases firmes, é fácil crescer se a diferença de produtividade é ampla", afirma Phelps. "Assim ocorreu com o Japão nos anos 50, com a Coréia nos 70 e com Alemanha, França e Itália entre os 50 e os 70." O terceiro calcanhar-de-aquiles é o desequilíbrio nas contas externas. O ano de 2006 fechou com déficit comercial de 18% do PIB (o segundo maior do mundo em termos relativos, atrás do americano) e de 8% nas transações correntes. Phelps, no entanto, não vê maiores problemas. "O desequilíbrio externo é sintoma do crescimento rápido e do aumento do investimento", diz ele. "Não creio que a Espanha tenha problema grave nesse aspecto. Quando uma criança está crescendo e o tamanho de seus pés aumenta, não tratamos de parar seu crescimento. O que fazemos é comprar sapatos maiores."
Fonte:http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0886/economia/m0122180.html
Vejam os números na tabela comparativa entre os dois países (Brasil e Espanha ). Esta é uma boa comparação entre as duas economias.
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A Espanha dá o exemplo
Por Rodrigo Mesquita, de Madri
No final de janeiro, o governo espanhol anunciou os melhores índices de desemprego do país em 36 anos. A taxa de 2006 ficou em 8,3% e algumas regiões, como Aragão e Navarra, já vivem uma inédita situação de pleno emprego. Em uma reunião com empresários, o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero comemorou dizendo que o país tinha passado pelo "mais brilhante ano em termos econômicos da etapa democrática". O presidente do Banco Central espanhol, Miguel Ángel Fernández Ordóñez, por sua vez, comunicou que o produto interno bruto (PIB) cresceu 3,8% em 2006 e que o superávit fiscal atingiu 1,5% do PIB. Esse desempenho, afirmou Ordóñez, levou a economia da Espanha ao oitavo lugar no ranking mundial, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, China, Reino Unido, França e Itália. O PIB espanhol já beira 1,2 trilhão de dólares. Se o ritmo se mantiver (o crescimento estimado para 2007 é de 3,5%), a renda per capita dos espanhóis ultrapassará a dos italianos até dezembro e encostará na dos alemães em 2010.
É a coroação de um dos mais impressionantes casos mundiais de crescimento sustentado. A Espanha cresce ininterruptamente há mais de 30 anos. Desde 1994, o PIB vem evoluindo à média de 3,4% ao ano. É pouco, se comparado às taxas estratosféricas de China e Índia, mas um excelente desempenho para o contexto europeu. Por isso mesmo -- não ser calcado em números estupendos, mas caracterizar-se pela consistência no longo prazo --, o modelo de desenvolvimento espanhol talvez mereça do Brasil mais atenção do que as receitas de chineses e indianos. Quando morreu o ditador Francisco Franco, em 1975, após 36 anos de um dos regimes mais sombrios da Europa Ocidental, era piada corrente dizer que a África começava nos Pirineus, a cadeia de montanhas que separa a França da Península Ibérica. Nessa época, Brasil e Espanha exibiam quadros parecidos: economias subdesenvolvidas e com grande presença estatal, disparidades regionais, renda per capita rasa, burocracia infernal. De lá para cá, o cenário brasileiro mudou lentamente e aos soluços -- algumas conquistas, como a abertura e a estabilidade, são contrapostas a pioras em outros aspectos, como o tamanho do Estado. Já os espanhóis conseguiram multiplicar por cinco a renda per capita do país. "Tínhamos uma visão: queríamos chegar aonde estavam nossos vizinhos, a Europa desenvolvida", afirma Carlos Solchaga, ex-ministro espanhol da Indústria e, depois, da Economia, nos anos 80.
O que permitiu à Espanha dar esse salto qualitativo? Perseverança é o nome do jogo. O maior mérito dos espanhóis foi ter seguido consistentemente uma estratégia de longo prazo e atacado seus problemas um a um, com sucessivas gerações de reformas. "Em economia não existem modelos milagrosos", diz Guillermo de la Dehesa, presidente do Centre for Economic Policy Research de Londres e um dos artífices da arrancada espanhola -- foi secretário de Política Econômica de 1982 a 1986. Segundo ele, só há dois caminhos para um país ganhar a confiança dos investidores internacionais: políticas estáveis ou a entrada num clube com credibilidade. A Espanha usou as duas fórmulas. Antes da arrancada, ainda em 1977, as forças políticas do país iniciaram a transição democrática firmando uma série de acordos de consenso, os famosos Pactos de la Moncloa. Ali já se assentaram as bases de uma disciplina fiscal e monetária. Ao longo dos anos, independentemente da coloração política do governo de turno, esses princípios e o investimento sistemático em educação, saúde e infra-estrutura foram os pilares da política econômica. Em 1986, com a entrada na União Européia, a Espanha consolidou sua classificação de país seguro para investimento que havia conseguido anos antes. Em seu informe mais recente, a agência de classificação de riscos Standard & Poor's repetiu para o país a nota mais elevada, a mesma que atribui a Estados Unidos, Alemanha e Suíça. "As notas refletem a forte posição fiscal da Espanha e um crescimento econômico robusto", afirma Trevor Cullinan, analista da Standard & Poor's em Londres que responde pela avaliação do país.
Os espanhóis estão à frente
Brasil e Espanha têm economias de porte semelhante. Os indicadores mostram, entretanto, que os espanhóis encontram-se em um estágio de desenvolvimento econômico bem superior
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Produto interno bruto (PIB)
Espanha - 1,2 trilhão de dólares
Brasil - 967 bilhões de dólares(1)
Pib Per Capita
Espanha - 27 320 dólares
Brasil - 5 177 dólares(1)
Crescimento econômico
Espanha - 3,8%
Brasil - 2,7%(1)
Dívida líquida do governo
Espanha - 27% do PIB
Brasil - 50% do PIB
Inflação anual
Espanha - 2,7%
Brasil - 3,1%
Crédito para o setor privado
Espanha - 156% do PIB
Brasil - 34% do PIB
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Dados de 2006 (1) Estimado Fontes: Standard & Poor’s, Banco Central espanhol, Banco Central do Brasil
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Os anos prévios ao ingresso na UE foram vitais para o desenho da Espanha atual. A estabilidade macroeconômica já vinha ampliando o fluxo de investimentos estrangeiros e essa tendência se acentuou. A partir de 1985, 33% dos novos empregos passaram a ser criados pelo capital estrangeiro. Foi a época inicial das reformas econômicas. O primeiro ajuste estrutural significativo começou em 1983, com a implementação de um programa de modernização do setor industrial. O governo usou o poder de fogo da Sociedade Estatal de Participações Industriais -- holding que reúne ações que o Estado detém de diversas empresas -- para promover a reordenação de setores- símbolo da economia do período franquista, como o siderúrgico, o de mineração e o de indústria naval. Milhares de empregos foram extintos, fábricas foram fechadas e unidades isoladas reagrupadas em novas holdings. O governo também promoveu a reestruturação do sistema financeiro, que atravessava uma grave crise derivada da penúria do setor industrial. Assim como foi feito no Brasil com o Proer, o Banco Central espanhol interveio, liquidou entidades, reorganizou bancos públicos e criou um ambiente favorável ao surgimento de gigantes globais, como o Santander Central Hispano e o Bilbao Vizcaya Argentaria.
O Santander é o melhor exemplo dessa transformação. Até então um banco de província, saiu com voracidade ao mercado nos anos 80, inovando produtos (criou a primeira conta remunerada da Espanha) e comprando concorrentes. Na década de 90, já estava entre os primeiros do país e, em 1994, deu sua tacada mais emblemática ao comprar em leilão o vetusto Banco Espanhol de Crédito (Banesto), maior entidade bancária do país durante o franquismo e então sob intervenção do Banco Central. Hoje, o Santander é a sétima instituição bancária do ranking global, com valor de mercado em torno de 90 bilhões de euros e ativos de 798 bilhões.
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Trajetória consistente
Nos últimos 30 anos, a Espanha fez mudanças sucessivas para consolidar a democracia e revigorar a economia :
1975
Morre o ditador Francisco Franco, que havia governado a Espanha durante 36 anos. O país inicia sua transição para a democracia.
1977
As forças políticas assinam os Pactos de la Moncloa, série de acordos que incluem uma política econômica baseada em disciplina fiscal.
1983
Tem início um programa de modernização de setores como siderurgia e construção naval. Telefonia e bancos são privatizados.
1986
A Espanha passa a ser membro da União Européia. O risco-país diminui e o fluxo de investimento estrangeiro cresce.
1999
Para que o país possa tornar-se membro fundador da união monetária européia, o governo espanhol ajusta o gasto público.
2002
O euro substitui a moeda nacional — a peseta —, num cenário de inflação e taxas de juro em queda.
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As reformas tiveram uma contrapartida social. O país do general Franco era marcado pela desigualdade. Os governos democráticos universalizaram o atendimento público na área de saúde, criaram programas de bolsas de estudo e implantaram seguro-desemprego. "O reforço da coesão social foi fundamental numa época em que o país enfrentou taxas de desemprego da ordem de 20%", afirma Solchaga. O ambiente de crescimento e maior segurança originou uma nova categoria de consumidores. Gente exposta às novidades internacionais pela abertura da economia e com maior poder aquisitivo. Propiciou também a expansão de empresas que souberam interpretar os novos signos, fabricando produtos modernos a preços competitivos. Como o grupo Inditex, proprietário da rede varejista Zara e terceiro maior conglomerado têxtil do planeta. O grupo fundado por Amancio Ortega, hoje o homem mais rico da Espanha, começou com um galpão onde trabalhava a família e entrou na transição democrática produzindo e vendendo o que os "novos espanhóis" queriam: roupa com "design" a preços acessíveis.
Participar do clube dos ricos também ajudou. Ao longo do tempo, a Espanha recebeu 165 bilhões de euros dos fundos que a União Européia destina a novos membros. Além de ajudar nas políticas sociais, esse dinheiro serviu para financiar a renovação da infra-estrutura. Implantou-se o trem de alta velocidade, estendeu-se a rede de autopistas, modernizaram-se os aeroportos. O esforço ainda não acabou, mas agora a Espanha é quem paga a conta. No orçamento de 2007, o governo prevê investir 17 bilhões de euros em portos, aeroportos, estradas, ferrovias e meio ambiente -- mais que o triplo do investimento público federal brasileiro no ano passado.
Talvez a maior conquista dos governos posteriores a Franco tenha sido a reforma do mercado de trabalho. Flexibilizar o custo da mão-de-obra era vital para a compe titividade espanhola. A tarefa tocou, ironicamente, a um governo socialista que, em 1986, enfrentou a única greve geral posterior à transição democrática. Coube ao segundo governo de Felipe González romper com um tabu da esquerda, barateando o custo das demissões e implantando o contrato temporário. O desemprego, que atingiu a impressionante cifra de 24,5% em 1994, vem caindo de forma consistente desde então. Atualmente, de cada dez novos postos criados, três são temporários.
Os anos 90 foram marcados pelo que se considera a segunda fase das reformas. Para que o país pudesse se tornar um dos fundadores da união monetária européia, o governo espanhol promoveu rigoroso ajuste nas contas públicas. O prêmio veio na forma de redução vertiginosa na taxa de juro (então de 15%, caiu até os 4% atuais) e de um novo ciclo de investimentos. "As pessoas começaram a endividar-se mais e os mercados de crédito desenvolveram-se rapidamente", diz De la Dehesa. O crescimento do consumo e a oferta de dinheiro barato deram mais um impulso à economia. A exuberância dos mercados financeiros internacionais na segunda metade da década facilitou, por sua vez, outra etapa, a da desmontagem dos antigos monopólios estatais, tarefa levada a cabo pelo governo conservador de José María Aznar. Em 1995, ele iniciou a privatização da Telefónica, que, ao lado do monopólio petroleiro Repsol, foi, provavelmente, a desestatização mais bem-sucedida. Em pouco mais de dez anos, a Telefónica evoluiu de uma empresa de expressão local à terceira posição no ranking global de número de clientes. A Repsol, por sua vez, surgiu do agrupamento em uma única holding de todos os ativos estatais no setor de hidrocarbonetos, em 1981. Dez anos depois, o governo separou as atividades que deram origem a outro gigante, a Gás Natural. Em 1997, foram vendidos os últimos 10% que o Estado ainda possuía e, dois anos mais tarde, a empresa concluiu a compra da argentina YPF. Atualmente, a Repsol YPF está entre as dez maiores do mundo no ramo, com valor de mercado de 31 bilhões de euros.
A economia espanhola conseguirá manter o ritmo de crescimento? Há indicadores saudáveis, como a taxa de investimento de 30% do PIB (a do Brasil está em 20%). Por outro lado, num informe recente, a Organização para Cooperação e De senvolvimento Econômico (OCDE), grupo de 30 países do qual a Espanha faz parte, chamou a atenção para a perda de competitividade e para o elevado grau de endividamento da população. As famílias espanholas somavam ao final de 2006 dívidas de 717 bilhões de euros. São as mesmas reticências lançadas pelo Banco Central europeu, que destaca também o cenário futuro de elevação das taxas de juro. Esse movimento pode engripar o principal motor da economia espanhola nos últimos anos: a construção civil, responsável por 70% do investimento total no país. Há no país uma espécie de bolha imobiliária. A Espanha já conta com 23 milhões de residências, uma para cada dois habitantes. A OCDE estima que o preço dos imóveis espanhóis esteja sobrevalorizado em 30%. A febre imobiliária dos últimos anos alimentou em larga medida um segundo motor do crescimento: a imigração. Nos últimos seis anos, estabeleceram-se na Espanha 4,5 milhões de imigrantes, que ocuparam postos de trabalho rejeitados por uma população envelhecida e com baixos índices de natalidade.
A baixa competitividade é outro problema. O trabalhador espanhol produz, em média, 13% menos que o europeu e 27% menos que o americano. Alguns economistas, no entanto, enxergam nesse diferencial não um problema, mas o espaço de crescimento latente. É o que pensa o último Nobel de economia, o americano Edmund Phelps. "Partindo de bases firmes, é fácil crescer se a diferença de produtividade é ampla", afirma Phelps. "Assim ocorreu com o Japão nos anos 50, com a Coréia nos 70 e com Alemanha, França e Itália entre os 50 e os 70." O terceiro calcanhar-de-aquiles é o desequilíbrio nas contas externas. O ano de 2006 fechou com déficit comercial de 18% do PIB (o segundo maior do mundo em termos relativos, atrás do americano) e de 8% nas transações correntes. Phelps, no entanto, não vê maiores problemas. "O desequilíbrio externo é sintoma do crescimento rápido e do aumento do investimento", diz ele. "Não creio que a Espanha tenha problema grave nesse aspecto. Quando uma criança está crescendo e o tamanho de seus pés aumenta, não tratamos de parar seu crescimento. O que fazemos é comprar sapatos maiores."
Fonte:http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0886/economia/m0122180.html