Dante, the Wicked escreveu:A rejeição de Popper à cientificidade do não-testável é muito mais profunda do que uma mera definição arbitrária de ciência.
Quando é afirmada alguma coisa sobre o mundo, está sendo negado tudo o que contradiz isto. Agora, se não há coisa alguma que contradiga o que é afirmado, então a afirmação diz nada sobre o mundo no final das contas. A afirmação trata-se apenas de um truismo verdadeiro em forma e com um significado vazio ou arbitrário.
Por exemplo, se afirmo "Amanhã vai chover o dia inteiro", estou negando tudo o que contradiga isto: que chova só de manhã, que faça sol o dia inteiro, que neve, que o tempo só fique nublado etc.
Agora, se afirmo "Amanhã vai chover ou não vai chover", não há coisa alguma que contradiga isto. Se chover a proposição é verdadeira. Se não chover a proposição também é verdadeira. Ou seja, no final das contas não foi afirmada coisa alguma sobre o mundo. Apenas dita uma tautologia com um conteúdo meteorológico arbitrário.
Óbviamente que as pseudo-ciências não afirmam tautologias e truísmos descaradamente, mas incorrem em afirmações que nada as contradiga do mesmo jeito.
Pode estar no horóscopo de hoje: "Hoje o dia está inclinado para o amor, mas se não agir corretamente, perderá as oportunidades". Nada o que aconteça pode contradizer esta informação: Se achar o amor da vida neste dia ou terminar o namoro de anos, se ficar com uma garota linda ou tomar um fora dela, a afirmação continua infalseada.
Não vejo muita diferença entre isto e a atitude marxista de interpretar tudo ao seu favor. Se os salários abaixam, é o prognóstico de Marx concretizando-se, assim pensam os marxistas. Se os salários aumentam, é uma evidência da burguesia querendo refrear o inevitável colápso do sistema capitalista tal como previsto por Marx.
E nisso nega-se todo o tipo de conhecimento que não possa ser tratado empiricamente ou baseado em axiomas que partem dos mesmos princípios. E, nisso, nega-se uma gama de conhecimento que só pode ser alcançada (e refutada) a partir de elucubrações teóricas, concordâncias ou discordâncias. Nega-se a metafísica, praticamente.
Entretanto, o grande problema dos marxistas é vincular um autor como Marx (que tem raízes positivistas descaradas para qualquer um que faça uma leitura decente de sua obra) com a sua unção quase relativista do materialismo.
Quer um exemplo? Um frankfurtiano ou um neo-marxista qualquer ignora a inexistência de certa parcialidade ideológica em qualquer tipo de conhecimento. Marx não. Ele acreditava piamente na "ciência imparcial".
A obra de Marx de tautológica não tem nada. Sua essência é prever o futuro a partir de algumas leis bem definidas e que não são fruto ideológico, ao contrário, seriam a "mais pura verdade objetiva". Não preciso nem dizer que a proximidade entre Marx e os teóricos de Frankfurt, a esse sentido, é tão grande quanto a de um evolucionista e um criacionista.
A falseabilidade popperiana sempre me deixou a impressão de alguém que deseja se limitar ao que pode ser abarcado por uma lei natural imanente e que, tudo o que foge ao escopo dessa lei, deva ser simplesmente limado da ciência. Odiaria ter de reconhecer logicamente o falso sem poder, nem ao menos arriscar, o que venha a ser verdadeiro.
Dante, the Wicked escreveu:A desonestidade dos membros da Escola de Frankfurt não tem limites. Mesmo com todas as diferenças fundamentais entre o positivismo e o popperianismo - a definição de ciência, a questão da verdade e a questão da gênese do conhecimento - eles fazem questão de procurar um detalhe pelo qual possam qualificar pejorativamente um opositor.
Se "acreditar que a realidade é tangível pela razão" é a definição de "positivista", então Aristóteles, São Tomás de Aquino, Leibniz e Descartes eram todos positivistas séculos antes de Comte.
Parece que o que se ensinava na Escola de Frankfurt (e na maioria das faculdades de ciências humanas até hoje) é como distorcer fatos.
Não é desonestidade, é a própria concepção do que venha a representar, de maneira geral, o conceito de "positivismo" para os frankfurtianos.
Lembra-se da sua mensagem, tempos atrás, sobre "filosofia, para mim, se reduzir à lógica e à filosofia matemática." ? Segundo o conceito de Adorno do que venha a ser um positivista, você se encaixaria perfeitamente, por exemplo. Você nega o processo ideológico na ciência, você acredita que existem leis a serem imanentes a serem descobertas, você crê que os fatos independem do observador, você nega qualquer conhecimento que não possa ser analisado a partir da aplicação das tais leis imanentes.
E a questão não é simplesmente acreditar que a "realidade seja tangível pela razão", é acreditar que, pela razão, pode-se ter acesso a um conhecimento total e irrestrito da realidade. É crer que qualquer mecanismo humano seja a mais pura representação do que existe. No fundo, para os néo-marxistas e pós-modernos, essa é apenas uma posição ideológica, como outra qualquer.
Dante, the Wicked escreveu:Rodrigo, talvez você não tenha percebido, mas eu nunca neguei que a fonte do conhecimento acerca das questões de fato seja a empiria. O que eu nego é a sua descrição positivista-lógica da gênse do conhecimento empírico. Descrição que faria Hume jogar o Investigações Acerca do Conhecimento Humano na sua cabeça.
Ato falho meu ter usado uma descrição "vianense" acerca de como se trabalha na prática a questão da empiria.
Mas, se na questão empírica, estamos certos, essa parte da discussão perdeu o sentido.
Entretanto, duvido muito que para Hume, qualquer regra universal pudesse ser aplicada na gênese do conhecimento, visto que cada "fenômeno é um fenômeno novo e irrepetitível".