Um do mais notáveis é sem dúvida um grandão, que tem uma voz muito grave e potente e que caso você esteja a uns quatro andares do pavimento da via pública, ainda parece que ele está do seu lado falando muito alto. Ah, e ele anda com uma corneta, com a qual anuncia o início das suas pregações.
E ele berra. Anuncia o fim do mundo. E o povo passa incomodado com o barulho. E ele continua berrando. Avisa que quem não se lavar no sangue de Jesus, convertendo-se, expiará pelo resto da eternidade no lago de fogo e enxofre. E o povo não suporta o barulho. E ele berra mais.
E não sei porquê diabos ninguém faz nada! Como trabalham as pessoas nos arredores, ouvindo aqueles guinchos e rosnados o dia inteiro?
Para se ter uma idéia, existem mais uns quatro ou cinco pregadores do evangelho que se revezam diariamente nos pontos onde há grande aglomeração pública, neste longo calçadão. Já têm até estagiário. Um piá que deve ter saído de um centro de recuperação de menores direto para os braços de Jesuis, tendo sido ungido com o dom de citar capítulos e versículos da bíblia, de trás-para-frente, de ponta-cabeça e em javanês arcaico.
Aliás, todos estes pregadores devem ser íntimos do filho de deus e devem ter parte na sociedade com ele, tamanha a gana com que pregam. Aos brados. Altos brados. Brados retumbantes.
Lojas, bancos, escritórios. E transeuntes. Todos têm que trabalhar e fazer suas coisas ouvindo à revelia de sua vontade um discurso proselitista de quinta categoria e em escala elevada de decibéis.
Acabei de passar por lá. Faz uma meia hora. E era o grandão da voz potente que estava cumprindo seu turno. Ele, como sempre, anunciava a eminência do fim-do-mundo, das tribulações, das pestes e da conseqüente vinda gloriosa de Jesus para vencer a besta, julgar a espécie humana e escolher os seus, que seriam arrebatados ao paraíso ou algo similar e não sei se necessariamente nesta ordem.
Só que não era apenas isto que compunha o discurso do grandão, hoje. Em sua mente programada para não aceitar crenças, visões de mundo e religiões que não a sua própria, ele grunhia contra outros credos, em evidente desconhecimento da norma constitucional que preceitua que neste país todos são livres para possuírem a crença ou religião que bem entenderem, desde que respeitadas as demais normas de igual ou maior valor.
Determinado momento, ele afirmou algo como: "Você aí, que está enfurnado na TV, nas revistas pornográficas, lendo Contigo, Ti-ti-ti, que não se liberta deste mundo; você que não conheceu Jesus como seu único salvador, é por isso que você é enganado pelo padre, é enganado pelo Allan Kardec, procura cartomantes... Você precisa ser libertado..."
Logo me lembrei, se no momento estivesse lá passando um padre ou se um fosse noticiado, poderia dar queixa deste sujeito por difamação:
Código Penal escreveu:Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Não quero dizer com isso que ache que padres não enganam ninguém. A princípio, não tencionam. Podem bem ser que em sua fé, em sua crença, eles que estejam enganados. Mas não é a sua intenção guiar seu rebanho para um caminho diverso daquele que se propuseram. Mas os crentes acham que eles têm parte com o demo. Que Roma é a grande meretriz, a Babilônia apocalíptica. E pau nos espíritas de lambugem, estes que falam com os mortos ("demônios, isto sim!", diriam).
Porém, os próprios evangélicos discordam destes métodos empregados por alguns dos seus. Sentem-se envergonhados e se apressam em dizer que são somente as denominações mais radicais e mais fundamentalistas (geralmente compostas por pessoas de baixo nível de escolaridade) que se dignam a promover tais pregações públicas recheadas de incitação de ódio ao diferente e afirmações ignóbeis.
E onde estão as autoridades públicas para fazer valer a Lei e proteger os ouvidos e mentes dos trabalhadores que têm que agüentar tais shows de horrores dia-a-dia?
Ah, igrejas rendem votos, melhor deixá-las em paz. E o resto que se dane no inferno em terra que esse tipo de gente promove.
Antes o Hades que o Paraíso cheio de crentes deste tipo. Ou o esquecimento. O silêncio eterno... sem crentes gritando. Berrando. Que bênção!
Prefiro mil vezes os testemunhas de Jeová batendo na porta de casa. Prefiro mil vezes receber e-mails de correntes de oração dos católicos carismáricos. Destes evangelistas barulhentos de rua, deus me livre, credo-em-cruz, tá amarrado!
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Nessa guerra por mais adeptos, as reigiões causam muitos efeitos colaterais. Um deles é sem dúvida o nivelamento por baixo das ações proselitistas empreendidas. Existem missões, e os religiosos deveriam saber, que soldados rasos não deveriam executar no lugar de oficiais de alto escalão.