Carta do Rio de Janeiro

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Mensagem por spink »

El País


22/08/2006

Carta do Rio de Janeiro

O paradoxo Brasil

Juan Arias

O Brasil está vivendo um paradoxo: das portas para fora, no exterior, tudo é entusiasmo, boa imagem, simpatia por esse país em vias de desenvolvimento que acabou com a inflação, que tem as contas do Estado em dia, que é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo e auto-suficiente em petróleo.

Das portas para dentro é diferente: reina a decepção. O cenário de quatro anos atrás, quando o ex-torneiro Luiz Inácio Lula da Silva chegava ao poder sob o slogan "A esperança venceu o medo", mudou profundamente. A esperança era a da transformação e modernização, acabando com a marca de ser o país com maiores desigualdades sociais do planeta.

Naquele verão de 2002, a seleção de futebol do Brasil se transformava na pentacampeã do mundo enquanto Lula triunfava nas eleições presidenciais. O Brasil ganhou a Copa e Lula a presidência da República. A euforia era total.

Notava-se no ar o clima de alegria.

O Brasil estava em moda no mundo. A figura do ex-sindicalista sem estudos chegando à chefia do Estado ampliou no mundo a imagem de simpatia do país.

Pela primeira vez chegava ao poder o maior partido de esquerda da América Latina, o Partido dos Trabalhadores (PT), que além disso era a reserva ética da política. Pela primeira vez o PT, e com ele Lula, conseguiram convencer e arrancar os votos não só da classe média e alta, mas também do mundo das empresas e das finanças. Havia-se perdido o medo da esquerda e o Brasil tinha um líder carismático que começava a se perfilar como centro da atenção política em toda a América Latina.

Das portas para fora a imagem do país e de Lula continuavam firmes, enquanto dentro as coisas logo começaram a mudar. A opinião pública começou a entender que as promessas de Lula de transformação do poder e de levar o Brasil ao clube dos grandes países em desenvolvimento não passavam de promessas e não tinham uma resposta concreta.

O PIB do Brasil de 2005, de 2,5%, foi o pior de toda a América Latina com exceção do Haiti. O país não crescia. Junto disso, explodiu o grande escândalo de corrupção que afetou o PT e o governo Lula. Foi como um pesadelo nacional. Ninguém teria imaginado que o partido que durante 25 anos havia proclamado a primazia da ética na política pudesse parecer mais corrupto que nenhum outro partido. A cúpula dos dirigentes desapareceu; Lula perdeu seus ministros mais próximos e a decepção se instalou no país.

A isso deve-se acrescentar que o governo foi inoperante em um dos pontos que mais de perto tocam a população: a segurança. Nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, mas não só nelas - instalou-se uma espécie de sindicato do crime que está melhor organizado e armado que as forças da ordem e que é capaz, como demonstrou várias vezes, de deixar a cidade de joelhos diante da impotência do Estado. Isso se deve à conivência entre os narcotraficantes e os presos com setores corruptos da polícia, da justiça, da advocacia e até de alguns deputados.

Em outubro Lula tentará se reeleger, desta vez principalmente com os votos dos mais pobres e menos escolarizados. Mas não será a mesma coisa. O medo sobreviveu à esperança. Já não há euforia. Lula, apesar de ter conseguido ficar fora dos escândalos pessoalmente, alegando que não sabia de nada, acabou perdendo a grande liderança que possuía.

Ao mesmo tempo, o Brasil continua sendo um país cobiçado; cresce o turismo internacional, triunfa a moda, possui tecnologia de ponta de Primeiro Mundo, sua democracia está consolidada, suas pessoas são adoráveis, pouco amantes da guerra e nem sequer saíram à rua quando explodiram os escândalos que puseram em xeque toda a classe política. É um país sem dúvida do futuro, que não perdeu a alegria de viver, que possui a rara qualidade de não se envergonhar de ser feliz. Está só decepcionado com seus governantes.
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).

Trancado