O primeiro parágrafo se refere ao fato de a Vale ter nascido uma empresa inglesa O governo não se interessava em explorar as jazidas de Itabira e deu a concessão a eles. Quando começou a dar lucro, estatizou a empresa
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"O Globo"   26.10.2006
MIRIAM LEITÃO
Onda de 'Brazil'
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e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br 
- Ela nasceu com sotaque inglês: Itabira Iron Ore.
Na Segunda Grande Guerra, virou parte do esforço de guerra dos aliados e, 
através dos “Acordos de Washington”, foi incumbida de produzir matéria-prima 
para as armas com as quais se enfrentou o eixo. Na paz, a Vale deu um salto 
vendendo para o mercado dos ex-inimigos, os japoneses. Na moderna fase da 
economia mundial, virou a maior fornecedora dos chineses.
Agora comprou a centenária Inco, do Canadá.
Desde ontem, a empresa que na primeira metade do século passado começou a 
explorar minério de ferro no Pico do Cauê — deixando escavado para sempre o 
coração do poeta Carlos Drummond de Andrade — é a segunda maior mineradora do 
mundo, dona de uma empresa ainda mais velha e tão famosa: a canadense Inco, de 
104 anos.
É um salto que vai endividála e potencializar seus riscos, mas a tornará, 
definitivamente, uma empresa global. A operação foi bemsucedida, depois de três 
meses de negociação com autoridades regulatórias canadenses e antitruste nos 
Estados Unidos e Europa. Os quatro bancos que deram garantia para a oferta do 
dinheiro há três meses fizeram uma oferta internacional, e houve proposta de 
financiamento de até US$ 30 bilhões.
A Vale já é investment grade, até subiu dois níveis acima.
Logo que a proposta foi anunciada, as ações caíram, e as agências de rating 
soltaram notas de alerta. Estudada a operação, a Standard & Poor’s diminuiu 
ontem a nota de crédito da Vale e alertou para um novo rebaixamento.
Ontem as ações da companhia subiram. A Vale ficará muito mais dependente que 
antes do ritmo de crescimento mundial, em geral, e da demanda chinesa, em 
particular. O minério de ferro está com preço garantido até o próximo mês de 
março, porque o comércio é regulado por contrato anual.
Nos últimos dois anos, ela conseguiu aumentos de 70% e 19% nos preços dos 
produtos.
Os chineses já avisaram que, no ano que vem, os preços terão que baixar. A 
conferir. O mercado de commodities, em geral, tem caído um pouco. O níquel teve 
altas expressivas nos últimos anos; seu preço é hoje quase quatro vezes o do 
início de 2003. Poderá continuar subindo. Se cair, como a Vale enfrentará seu 
novo grau de endividamento com queda de receita? Não é uma operação sem riscos, 
mas é um passo importante num momento em que outras operações semelhantes estão 
sendo feitas no mundo, tanto que a Inco teve três propostas, e a Vale foi a 
melhor de três.
Para a companhia brasileira, não havia outra alternativa senão sair de casa.
Apesar de ser uma empresa que tem a maior parte de sua receita vinda do 
exterior, ela tinha quase todos os seus ativos num país só.
Durante a última fase como estatal, ela fez diversas compras no processo de 
privatização. Era uma contradição: a Vale estatal comprava participação das 
siderúrgicas estatais privatizadas.
Depois que ela mesma foi vendida, fez aquisições apenas dentro do Brasil: 
Samitri, Samarco, Caemi. O resultado é que só 3% dos seus ativos estavam fora do 
país.
O mundo está assistindo a um processo de empresas de países emergentes comprando 
empresas globais. As chinesas já compraram ícones importantes. Fiquemos apenas 
em uma: a IBM, que virou Lenovo. As indianas estão dando seus saltos, e o caso 
mais famoso foi o da Mittal, que alega não ser indiana legítima, mas européia, 
para reduzir a reação dos franceses dos quais comprou a Arcelor. A também 
indiana Tata está fazendo sinais para a siderúrgica inglesa Corus, na qual a CSN 
está de olho. A CSN, aliás, está em vias de fechar um negócio com a americana 
Wheeling Pittsburgh, no qual ficará com 49,5% da empresa. O grupo Gerdau, fora 
do Brasil, já tem hoje 12 unidades nos Estados Unidos, três no Canadá, seis em 
países da América do Sul e agora mira na China. A Votorantim tem sete fábricas 
de cimento e 39 usinas de concreto nos Estados Unidos e Canadá. A Weg, que 
nasceu em Santa Catarina, é uma das três maiores fabricantes do mundo de motores 
elétricos e está em Portugal, México, China e Argentina. A gaúcha Marcopolo, que 
faz carrocerias de ônibus, tem fábricas em Portugal, México, Colômbia e África 
do Sul. Até o fim do ano, abrirá uma unidade na Rússia em parceria com a 
Ruspromauto e, no segundo semestre de 2007, na Índia, com a Tata Motors. A 
Embraco foi a primeira a ir para a China. A Coteminas também se prepara para ter 
uma fábrica na China. A Petrobras se espalha por vários países, com direito até 
a ser considerada, injustamente, multinacional exploradora na Bolívia.
A compra feita pela Vale é a mais importante operação já feita pela América do 
Sul.
Mas, há muito mais tempo do que se imagina, o Brasil tem ido para o exterior 
para a compra de ativos lá fora. O Banco Central divulgou em setembro que o 
volume de Investimento Direto no Exterior, ou seja, o dinheiro investido no 
exterior em ativos produtivos chega a US$ 71 bilhões.
Pela análise dos especialistas, o Brasil é o país que está fazendo o movimento 
mais atrasado de ir para o exterior. Mesmo assim, existem 12 empresas 
brasileiras na lista das 100 maiores desafiantes globais dos países emergentes 
elaborada pelo Boston Consulting Group.
A Vale, no Brasil, tem o talento de ser natural de todos os lugares onde atua.
Em Minas, dirão que, claro, é mineira porque, como o nome diz, é do Vale do Rio 
Doce. No Espírito Santo, dirão que ela é tão capixaba quanto Tubarão. No Pará, 
tão paraense quanto Carajás.
No Maranhão, ela é da terra do Porto de Itaqui.
Terá agora que aprender a ser canadense, sem deixar de ser brasileira, afinal, 
como dizia Drummond: “Cada um de nós tem um pedaço do Pico do Cauê.”