No seu primeiro dia de teledifusão, a Al Jazira Internacional proporcionou uma cobertura dinâmica e de primeiro nível sobre o Oriente Médio e a África. Ela também provou que é de fato diferente da BBC e da CNN - ao ignorar algumas das notícias internacionais mais importantes.

Chame-a de "a não-CNN". Imagine uma BBC dedicada a 24 horas de cobertura especial diária da África e do Oriente Médio. Pense nisso e você terá uma idéia do que foi o primeiro dia de transmissão da Al Jazira Internacional (AJI), a prima de língua inglesa do canal que o governo Bush detesta.
A AJI têm a aparência e o jeito da BBC e da rival Sky News. A identidade visual - gráficos, panos de fundo, inserções musicais, inglês preciso e o ritmo geral - é toda ela derivada da BBC. Existe um motivo óbvio para essa similaridade: três quartos da equipe de teledifusão, e a maior parte do pessoal de gerenciamento, são oriundos de redes britânicas e norte-americanas.
Os críticos da Al Jazira Internacional se prepararam para reagir a qualquer sinal de preconceito anti-americano ou anti-israelense no canal, mas não houve nada disso no primeiro dia de transmissão. No entanto, uma coisa ficou evidente: uma ênfase consciente, e às vezes dolorosa, na missão de atuar como a voz não ocidental. Assim como no caso daquela antiga campanha do 7-Up que apresentava o refrigerante sabor limão como a alternativa à Coca-Cola, a AJI talvez esteja se empenhando demais em tentar mostrar que é destituída daquele foco ocidental característico da CNN, da BBC e de outros canais do gênero.
Mas não se enganem, é bom ver histórias de locais do mundo praticamente ignorados. Mas no primeiro dia eles apresentaram apenas essas reportagens em detrimento de outras notícias importantes, fossem nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão.
Cobertura cuidadosamente equilibrada
Duas notícias dominaram a cobertura - as eleições no Congo e dois ataques com foguetes contra alvos israelenses, que mataram uma pessoa e feriram várias. A cobertura da pauta do Oriente Médio foi cuidadosamente equilibrada, com reportagens de ambas as partes do conflito. O segmento com o correspondente em Israel mostrou imagens do caixão de uma mulher israelense que morreu e cenas sangrentas de um jovem de 17 anos que ficou ferido no segundo ataque. Ninguém mencionou os termos "mártires" ou "terroristas". Na verdade, um repórter do Iraque usou o termo agressivamente neutro "guerrilheiros".
O problema não dizia respeito à tendenciosidade, mas à amplitude e à profundidade das coberturas jornalísticas. A programação foi pesada. Várias entrevistas "exclusivas", incluindo uma com o presidente eleito do Congo, Joseph Kabila, foram repetidas interminavelmente. As notícias quentes - com exceção do ataque palestino com foguetes contra Israel - foram a exceção, e não a regra. Uma matéria interminável sobre suicídios praticados por membros de uma pequena tribo de índios brasileiros foi retransmitida o dia inteiro. O mesmo ocorreu com uma entrevista com um funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre passaportes roubados. Não se tratavam exatamente de coberturas que modificariam o mundo.
Mesmo assim, foi gratificante ver um repórter em Darfur relatando o genocídio que é em grande parte ignorado. Isso vale também para uma matéria rara sobre o Zimbábue de Robert Mugabi. Foi ótimo também não ver nenhuma cobertura da apresentação de Michael Jackson em Londres. No entanto, a ausência - pelo menos nos momentos em que este repórter esteve sintonizado na estação - de qualquer menção às várias pautas importantes de outros locais do mundo foi surpreendente: o depoimento no Congresso do comandante das tropas norte-americanas no Iraque, o tsunami no Japão, a entrada de John McCain na corrida presidencial dos Estados Unidos ou qualquer fato ocorrido na Europa.
Além da matéria sobre israelenses e palestinos e de uma reportagem sobre o Iraque, uma das poucas histórias de repercussão nas primeiras horas foi um discurso do ministro das Relações Exteriores de Qatar, que gerou algumas dúvidas óbvias quanto às obrigações da rede para com os seus financiadores.
Uma ênfase no mundo em desenvolvimento
Em uma entrevista recente, o diretor-geral dos canais Al Jazira, Wadah Khanfar, disse à "Spiegel Online" que o novo canal em inglês teria uma perspectiva "global", com uma ênfase no chamado "Sul", ou mundo em desenvolvimento. Isso esteve óbvio na cobertura. Mas no primeiro dia, foi como se o "Norte" tivesse deixado de existir. Assim como a Ásia.
Grande parte da propaganda eufórica da máquina de relações públicas da Al Jazira se concentrou no fato de o canal ter apresentado um noticiário geograficamente amplo, com programas feitos em Doha, Kuala Lumpur, Washington D.C. e Londres, assim como em outros centros espalhados por todo o mundo. Mas quando o sol nascia na Ásia, a AJI continuava preocupada com o Oriente Médio, a África e a pequena tribo do Brasil.
Ao meio-dia em Kuala Lumpur, o âncora anunciou "uma olhada em algumas das manchetes do dia e em como cobrimos essas notícias", o que consistiu de uma série algo desconexa de partes editadas de reportagens apresentadas no início do dia. Uma hora depois, aquele exato segmento gravado de meia hora foi repetido. Se houvesse qualquer notícia da Ásia - como um tsunami no Japão, para dar um exemplo - o telespectador da AJI ficaria sem ter como saber.
As propagandas da Al Jazira estão certamente corretas quanto ao fracasso das redes ocidentais em cobrir adequadamente o mundo em desenvolvimento, mas, pelo menos no seu primeiro dia, o canal correu o risco de trocar uma visão voltada exclusivamente para o Ocidente por uma outra integralmente focada no Oriente Médio e na África.
Mancadas de iniciantes
Bem mais intensas do que as coberturas jornalísticas foram as matérias sobre os assuntos atuais. Segundo o formato da AJI, a primeira metade de cada hora é dedicada a notícias, e a segunda metade é uma transmissão sobre atualidades. Riz Khan, que anteriormente trabalhou na CNN e na BBC, entrevistou o primeiro-ministro palestino Ismail Haniya e o vice-primeiro-ministro israelense Shimon Peres (embora o programa tenha consistido mais de uma série de pequenos discursos do que em uma entrevista). O programa "101 East" abordou a política de Taiwan.
O "Every Woman" falou sobre a prática do clareamento de pele na África, e apresentou as desventuras de uma mulher cujo marido está preso na base norte-americana de Guantánamo. Mas os pontos fracos existem em qualquer teledifusora. Grande parte do material foi comprado de freelancers e aquilo que prometia ser uma edição interessante de "Witness" sobre o petróleo iraquiano acabou consistindo em grande parte em um segmento feito por um cineasta australiano que atuou junto à marinha da Austrália no Golfo Pérsico no verão de 2005. A impressão era a de um programa muito velho.
Puderam ser presenciadas mancadas óbvias de iniciantes, tais como a de um apresentador da Ásia se referindo ao repórter errado para aquela sempre presente reportagem sobre os índios brasileiros, e transições abruptas dos segmentos editados da cobertura do dia anterior. Mas tudo isso fazia parte da crise de estréia. Há algumas questões de maior monta: será que o canal terá competência para cobrir grandes manchetes, ou estará destinada a ser um noticiário do Terceiro Mundo especializado em cenas gráficas de pobreza? E e ele continuará tentando atuar como contrapeso para a cobertura das redes ocidentais, quase que exclusivamente voltada para os Estados Unidos e a Europa? Ou encontrará o seu próprio ponto de equilíbrio entre os dois extremos?
*Lawrence Pintak é diretor do Centro Adham de Jornalismo Eletrônico da Universidade Americana no Cairo. O seu livro mais recente é "Reflections in a Bloodshot Lens: America, Islan & the War of Ideas" ("Reflexões em uma Lente Injetada de Sangue: os Estados Unidos, o islamismo e a Guerra de Idéias").