ímpio escreveu:Favor usarem algo mais específico em vez dos termos "esquerda" e "direita".
Não é exatamente raro ouvir-se dizer que esses "pacotes" são arcaicos, e que é controverso e instável o que significam, o que eles "contém" ao longo da história... então, por que esse apego ao clichê? Por que não abandonar por algo mais claro e evitar ambigüidade e discussões fúteis?
O grande problema desse debate entre esquerda e direita é que a maioria das pessoas o fazem como se tratasse de uma questão bipolar e unidimensional. Explico. Imaginemos uma reta - que, como sabemos, é uma figura geométrica unidimensional - e, espalhados ao longo dela, a totalidade das variações ideológicas relativas ao esquerdismo e ao direitismo. Suponhamos ainda que essas variantes estão perfeitamente ordenadas, de sorte que numa extremidade fica o cúmulo do direitismo e na outra o cúmulo do esquerdismo. E, entre elas, os diversos meio-termos, dispostos conforme o seu direitismo decresce e o seu esquerdismo cresce.
Muita gente encara o debate direita-esquerda dessa forma. E pensa ser possível sistematizá-lo dessa maneira, ou acredita que essa é uma representação adequada dos diferentes matizes e posturas existentes.
Oras, não é possível se classificar as variações ideológicas dessa maneira! Seria muito insatisfatório.
O que acontece é que, não apenas nessa questão, mas em todo o amplo domínio das ciências humanas em geral, a realidade é bem mais complexa. Em geral representações bidimensionais são minimamente satisfatórias. Em muitos casos são suficientes. E às vezes nem isso; torna-se necessário apelar para representações tridimensionais (usar 3 variáveis).
Vejamos um exemplo. Quando fui fazer orientação vocacional, um dos muitos testes que tive que fazer pretendia descobrir se eu era "estruturado" ou "não-estruturado", e se eu era "orientado à pessoas" ou "orientado à tarefas". Claramente estavam usando duas variáveis binárias (que podiam assumir dois estados), e o resultado do teste podia (e foi) ser mostrado graficamente num sistema de dois eixos perpendiculares, formando 4 quadrantes. Ou seja, um sistema que podia ser representado numa superfície bidimensional, pois usava apenas 2 variáveis.
Trazendo para o lado da política, lembro-me que existe na internet um teste que se propõe a descobrir a orientação política do internauta, e cujo link foi postado no passado no Clube Cético. Sabiamente esse site dividia o universo de posturas possíveis em quatro casos, resultado da combinação de duas variáveis binárias, que vinham a ser o individualismo ou o coletivismo da pessoa, e o seu liberalismo ou o seu autoritarismo.
Excelente representação! Na maioria dos casos dentro das ciências humanas, uma representação bidimensional formada a partir de um par de variáveis binárias é perfeitamente suficiente para fins práticos. O que nos dá um total de 4 casos. Mas dificilmente uma representação unidimensional tem alguma utilidade. Simplifica demais uma realidade que nem sempre (quase nunca) pode ser tão simplificada assim.
Voltando agora para o debate direita vs esquerda, entendo que ambas as partes têm razão parcial. Por um lado há aqueles que enxergam a extrema-direita e a extrema-esquerda como posições diametralmente opostas, enquanto a centro-esquerda e a centro-direita estariam bem mais próximas entre si; e por outro há aqueles que enxergam a extrema-direita e a extrema-esquerda como próximos entre si, e que a verdadeira oposição a ser feita deveria ser entre ideologias opressoras e totalitárias (extrema-esquerda e extrema-direita) e o liberalismo, que seria uma ideologia composta pela simbiose de duas ideologias irmãs siamesas: o liberalismo político e o liberalismo econômico. E ambos têm razão!
Tudo depende do foco com que se olha. Como já disse, uma representação do tema usando apenas uma única variável é claramente insuficiente. Uma representação usando duas variáveis, como a usada por aquele site, é bastante satisfatória. A solução específica usada no site é particularmente feliz. Assim como cada canto da Terra faz parte ao mesmo tempo de um hemisfério sul ou norte e também de um hemisfério ocidental ou oriental, não dá para dizer que duas localidades do hemisfério oriental, uma ao norte outra ao sul, são mais parecidas entre si que duas localidades do hemisfério norte, porém uma ocidental e outra oriental. Todas são ao mesmo tempo semelhantes e diferentes entre si.
De modo que a representação que eu prefiro para essa questão usa exatamente a mesma forma geométrica que acabei de citar: o círculo. As divergências entre os modos de pensar esquerdista e direitista se aproximam mais, ao meu ver, de um círculo do que de uma reta. E têm uma analogia perfeita com os fusos horários.
Vejam o caso da distribuição das horas em torno do globo. Há uma linha internacional de mudança de data, aproximadamente oposta ao meridiano de Greenwich. Então, de um lado dessa linha, o dia começa. As horas vão crescendo conforme nos deslocamos ao longo dos fusos, de maneira que o último fuso está distante 24 horas do horário do primeiro fuso. Mas, ao mesmo tempo, é um dos mais próximos. Enquanto de um lado da linha internacional de mudança de data são, por exemplo, 3 horas de segunda-feira, do outro lado da linha são 2 horas. Apenas uma hora de diferença. Tá certo que são 2 horas de terça feira, mas isso é apenas uma convenção. Se você se deslocasse de barco para o outro lado o Sol estaria quase tão quente como no seu ponto de origem. Não haveria a grande diferença que há entre um ponto a 6 horas da manhã e outro ponto ao meio-dia.
É assim que vejo as diferenças entre o esquerdismo e o direitismo. As diferentes posições se distribuem ao longo de uma circunferência, que possui uma interrupção em um de seus pontos. No lado oposto a essa rachadura fica o liberalismo. Partindo-se do ponto central do liberalismo em uma direção, você trafega pelos diversos matizes de liberalismos coletivistas, atenuando-se o teor de liberalismo à medida que você se distancia do ponto de origem, e intensificando-se o grau de autoritarismo. Até que, ao chegar próximo da rachadura por aquele lado (imaginemos um anel), você encontra teores máximos de autoritarismo coletivista, e nada de liberalismo. Partindo-se do mesmo ponto de origem inicial, se nos deslocarmos agora para o outro lado, encontraremos os diferentes matizes de liberalismos individualistas, novamente com decréscimo do teor de liberalismo à medida que você se distancia da origem, e incrementos cada vez maiores de autoritarismo, até chegarmos ao ápice do autoritarismo individualista. Nos dois lados do anel próximos à rachadura nós teremos duas ideologias diferentes, mas com vários paralelos entre si, e de certa forma bastante semelhantes.
Espero que tenha dado para entender.
É comum ao homem mediano ter uma visão reducionista das coisas. E encarar a realidade de forma dualista, quando não maniqueísta; enquanto que a realidade costuma ser muito mais complexa.
Aqui mesmo no fórum vemos vários exemplos disso. O ditado "cada cabeça uma sentença" é bastante visível nos fóruns da internet. Nenhum partido é monolítico. A quantidade de posições diferentes acerca de um assunto é quase tão grande quanto à quantidade de pessoas com opinião formada sobre aquele assunto. De maneira que temos ateus e crentes a favor da proibição do comércio de armas e ateus e crentes contra a probição desse comércio. Vemos ateus lulistas e ateus alckmistas. Assim como crentes lulistas e crentes alckmistas. E por aí vai. Esse simples exemplo já serve de alerta para o fato de que as posições são múltiplas e variadas.
Daí a necessidade de uma definição precisa dos termos. Espero ter ajudado. Sugiro que adotem nos debates a terminologia usada pelo site que citei, que considero particularmente adequada.