Hehehehe. Uma das razões, talvez a mais provável, de eu nunca haver antes
realmente me engajado em debates aqui no ReV sempre foi uma questão de
atitude; o fórum sempre foi o mais liberal que eu conheço no que tange a permitir uma atitude volátil e apaixonada de contendores, à beira da agressão, antes da interferência do
staff. Nada contra, eu apenas, normalmente, prefiro uma atitude geral de cortesia para com os outros. Nada contra, bem entendido, essa apenas... não é muito a minha praia.
Não que eu não saiba me defender. Os membros aqui que se por ventura lembrem de mim da época do defunto fórum da STR hão de recordar que eu já entrei em debates acalorados antes, e que ser acusado de “falar besteira”, ou “ser estúpido”, não são nem de perto o pior que já me dirigiram. Não obstante, Liquid Snake, nem uma única vez eu mudei minha postura de cortesia para com quem eu debatia. A final, não é preciso ser cristão para tratar os outros como se espera ser tratado.
Digo isso, porque vi como o debate estava correndo entre os demais contendores antes da minha intervenção, e espero sinceramente que possamos trocar apenas idéias, e não farpas, doravante. Interprete isto como uma bandeira branca da paz. De acordo?
Sem mais, passo à minha tréplica; se não se importa, inverti sua mensagem apenas por motivos de organização da resposta, cuja ordem funciona melhor assim.
Liquid Snake escreveu:Ainda se você, como o Perseus, for estúpido o bastante para classificar o marxismo como sendo a única forma de comunismo, esquerdismo e afins, não merece nem ao menos minha atenção.
Acho que a melhor forma de abordar este comentário é com um histórico a respeito da dicotomia esquerda/direita na história da humanidade, não concorda?
O choque entre as duas posições teve seu início na época da revolução francesa. Após a ascensão revolucionária, que derrubou a nobreza e instalou a burguesia no poder, surgiram duas classes básicas de controladores dos destinos da revolução, ou “
status quo”, se preferir – a alta burguesia, ou
girondinos, que tradicionalmente sentavam-se à direita do parlamento, e a baixa burguesia, composta majoritariamente pelos
jacobinos e minoritariamente pelos
cordeliers, que tinham o apoio das camadas populares.
A partir de tal época, convencionou-se chamar de “direita” toda a forma de representação político/econômica da classe burguesa dominante, e toda a forma de representação popular, de “esquerda”.
O problema com isso é que essa divisão somente era clara como água antes de surgirem novas variações/vertentes da teoria social, que separou a questão sócio-econômica em questões autônomas, uma “social” e uma “econômica”.
A questão
social retrata o contraste entre o “liberalismo social” (ou prerrogativas pessoais, como liberdade de religião, liberdade de opinião, liberdade política), cujo expoente máximo seria o “anarquismo”, em contraste com a questão do “autoritarismo social”, ou a existência de controles sobre as opiniões e atitudes dos indivíduos por um grupo apto a forçar comportamentos, cujo expoente máximo seria o “fascismo”.
Por outro lado, a questão econômica trata do “liberalismo empresarial” ou “neo-liberalismo”, ou vertente que trata da prevalência da
iniciativa e ganho pessoal nas relações econômicas, que encontra expressão máxima em doutrinas de “libertarismo”, como por exemplo o objetivismo; em contrapartida, teríamos o “comunismo”, em cujo enfoque está o interesse grupal ou social, encontrando-se enfoque máximo no “coletivismo”.
A imperfeição, com a análise classicamente realizada por pessoas que não pararam para analisar essas minúcias, é que elas costumam apresentar uma linha bidimensional, “esquerda/direita”, para enquadrar-se, quando uma representação acurada demanda um quadrante cartesiano, em que todas as referências sensíveis do objeto de estudo sejam colocadas.
Um site que enfoca a questão aqui adotada de maneira clara e objetiva é o
Compasso Político. Sinta-se livre para dar uma olhada e, por que não, fazer o teste.
Apenas para guisa de exemplo, poderíamos citar o Nazismo como uma abordagem fascista/libertária (ou direita/direita – mais sobre isso no próximo tópico); já o Stalinismo, enquadrar-se-ia como fascista/coletivista – ou seja, o aspecto comum, e determinante para a confusão deste tópico, é exatamente que, embora antagônicos no aspecto “econômico” do compasso, o stalinismo e o nazismo tem muito em comum no aspecto “social”.
No mais, preciso destacar que não, é claro que não vejo o Marxismo como sinônimo quer de comunismo, quer de esquerdismo, quer de seus afins.
Qualquer um que sabe um mínimo sobre história política sabe perfeitamente que as idéias da
dialética material descritas por Karl Marx no
das kapital e no manifesto famoso
sequer inauguraram o pensamento comunista, que já existia muito antes, embora em vertentes (ainda mais) utópicas.
Se, entretanto, você também tem um conhecimento refinado da disciplina, vai saber que o contrário também é verdadeiro – nem toda comunismo é Marxismo e/ou, principalmente, Stalinismo.
O fato é que o “comunismo marxista” pouco ou nada tem a ver com a experiência socialista da vida real. A adoção de Marx como ícone pelos bolcheviques é uma apropriação tão desarticulada quanto aquela feita pelos nazistas ao justificarem sua política eugênica com Darwin/Mendel, ou sua política racista com Nietzche.
Marx defendia, primeiro, que uma nação
precisava ser capitalista bem sucedida antes de ser comunista – momento descrito pelo mesmo como “fase de enriquecimento”, que deveria fazer nascer e crescer a força e consciência da classe média operária. Não foi o que houve na prática, já que o comunismo invariavelmente foi implantado em nações retrógradas e mesmo feudais. Na teoria, de fato, os EUA são o país que mais está próximo do comunismo em toda a humanidade.
Por fim, Marx defendia que a fase socialista (aonde há um estado forte, mas
não necessariamente ditatorial) deveria extinguir-se para uma fase de não-estado, esse sim, o comunismo. Assim, embora o comunismo “puro”, ou significado semântico do termo, marque um “zero” na escala social do compasso político, personificando o plano ou dimensão cartesiana X, o “comunismo marxista” é, por excelência, anárquico, o que faz com que ele se distancie, no plano social, do Stalinismo – que era, por excelência, autoritário –tanto quanto o Stalinismo e o Nazismo se distanciam no plano econômico.
Liquid Snake escreveu:Não existe UMA passagem no Mein Kampf onde Hitler condena o comunismo. Se deseja insistir nessa besteira, POSTE AQUI O TRECHO.
Bom, antes de eu postar trechos, se incomoda se eu fizer algumas observações necessárias?
Muitas pessoas acreditam que o Nazismo era de esquerda pois, quando dão prevalência ao aspecto estritamente econômico pensam que alguns dos confiscos realizados – bem como o uso da nomeclatura “nacional-socialista” – dão indícios de uma oposição tendente à oposição aos grupos econômicos estabelecidos (no aspecto social, o autoritarismo deixa poucas dúvidas a serem dirimidas).
Nada mais errado. Confiscos realizados pelos Nazistas tinham caractere exclusivamente racial. Uma vez obtidos bens/valores dos indesejáveis, eles não se tornavam “públicos”, mas sim, eram instantaneamente endereçados aos
übbermensch germanos, para uso privado e pessoal. Quem não lembra, nos inúmeros filmes sobre o nazismo, de alemães entrando em casas de judeus e os informando que eles “não moravam mais lá”? Nenhuma delas virou residência coletiva – elas sempre eram transformadas em nova propriedade privada.
Embora os Nazistas fizessem uso de incentivos fiscais para apontar a produção para fins de seu interesse – afinal, o “Estatismo”
era uma característica Nazista, de inspiração Fascista – isso não tinha uma caráter de dirigismo, pois, em última análise, era uma decisão financeira das empresas acolher ou não os incentivos. Se elas preferissem, poderiam manter-se alheias ao Estado – elas só não o faziam com freqüência porque não era vantajoso. Em última análise,
as corporações estabelecidas, diferente do que houve no Stalinismo, não foram abolidas – ao contrário, elas mantinham relações próximas ao Estado e lhes serviam de suporte, enquanto mantinham autonomia administrativa e domínio sobre todos os seus bens (ligação que causa embaraço, até hoje, para algumas corporações da época, como é o caso da Siemens, que recebeu severas críticas ao anunciar pretender lançar um celular chamado Zyclon (ciclone) – nome do gás de extermínio dos campos de concentração).
Assim, chamar os Nazistas de “esquerdistas” por isso permitiria, por óbvio, que se passasse o mesmo julgamento na Europa de hoje, por seus incentivos agrícolas, ou aos EUA, por sua proteção à indústria siderúrgica, por exemplo.
Claro que, por outro lado, chamar o “Nazismo” de “Capitalista” seria igualmente equívoco. Ele tinha algumas características comuns ao Capitalismo (como a propriedade privada e a livre iniciativa), mas até aí, também o tinha com a economia romana (economia de guerra) e com a social-democracia (interferência pública em questões sociais). Sem embargo, Hitler odiava o capitalismo tanto quanto odiava o comunismo, e, mais uma vez, tanto com razões certas quanto com um número muito maior de razões erradas – sendo certo, desde logo, que libertarismo econômico e capitalismo
não são a mesma coisa, sendo o próprio nazi-fascismo (e podemos também citar as ditaduras sul-americanas) prova cabal de que economia livre pode perfeitamente conviver com repressão política.
Pois bem, Hitler, em uma posição ambígua e incongruente, considerava os judeus desprezíveis por serem especuladores milionários que queriam sugar as riquezas das nações. Emblemático da utilização de tal propaganda é o fato de que, durante o regime nazista, a peça “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare – que retrata um odioso usurário judeu querendo exigir a morte de um cristão em razão de uma dívida financeira – foi a peça mais encenada no
Reich.
Ao mesmo tempo, considerava que os ideais da Social-democracia (ou socialismo), por pregarem
a abolição de valores clássicos, como a família, a religião, e (principalmente) o Estado em prol de uma vivência harmônica entre classes, era um “plano judaico internacional para minar a Alemanha e fazê-la cair nas mãos dos usurários judeus”.
A patente incongruência era considerar os judeus, ao mesmo tempo, capitalistas ávidos e conspiradores comunistas. Finalmente falando, a conclusão do Führer é que o comunismo/socialismo era uma fraude – apenas um esquema para empobrecer as nações nobres e transferir a riqueza para o judaísmo. A acusação contraditória o permitia apelar aos sentimentos das classes alemãs mais humildes e para as mais abastadas, conforme lhe fosse conveniente no momento.
O desprezo dele pelo capitalismo como por nós concebido tem também uma razão mais utópica; Hitler acreditava em “cavalheirismo”, no sentido de fidalguia – e media o valor humano pela abnegação, compromisso com a pátria e destreza em combate. Para ele, a ascensão meramente econômica era desprezível, pois fazia homens de valor intrínseco inferior pretenderem sentar-se em plano de igualdade com grandes realizadores (principalmente homens públicos, generais e estadistas).
Feitos estes comentários necessários, passemos à citação do “Mein Kampf”, conforme requerido pelo bom “Liquid Snake”.
De plano, esclareço que
Esta é a minha impressão do livro, feita pela editora Centauro e publicado em Abril de 2001.
Para diferenciar do resto do texto, usarei a cor
verde para o conteúdo do livro. Peço atenção para os trechos em que eu puser também o
sublinhado para destacar trechos nodais da mensagem no que tange a nossa controvérsia.
Vou marcar, também, com asteriscos (*) trechos que receberão comentário meu.
Tomo I, capítulo VIII (Começo de Minha Atividade Política), pgs. 140/141:
(...)
Os fatos mais tarde vieram demonstrar quão certo era o nosso pressentimento de então. Hoje em dia, não somos mais ridicularizados pelos idiotas de nossa política burguesa; hoje em dia, mesmo esses, desde que não sejam mentirosos conscientes, reconhecem que o capital internacional (*) não só foi o maior instigador da guerra(**), como mesmo, após a luta, continua a transformar a paz num inferno.
(...)
Comecei a aprender e compreender, só agora, o sentido e a finalidade da obra do judeu Karl Marx. Só agora compreendi bem seu livro – O Capital – assim como a luta da Social Democracia contra a economia nacional, luta essa que tem em mira preparar o terreno para o domínio da verdadeira alta finança internacional (***).
(*) – Hitler, como aliás era comum na época (e até hoje), principalmente em razão da existência de capital de judeus em bancos internacionais, acreditava que o “capital internacional” compunha uma conspiração judaica para dominar o mundo – tema recorrente dos neo-nazistas – e tinha ojeriza por qualquer coisa que transpusesse barreiras nacionais;
(**) – Primeira Guerra Mundial;
(***) – Aqui, Hitler torna bem claro o que ele entende por “finanças internacionais”; um esquema conspiratório para minar a identidade do povo alemão e torna-lo submisso a forças estrangeiras sob domínio judaico.
Tomo I, Capítulo X (Causas Primárias do Colapso), pgs. 155:
Não era nada convidativo aos verdadeiros heróis e aos estadistas serem colocados no mesmo plano que os judeus dos bancos. Os homens de merecimento real não podiam ter interesse em possuir condecorações facilmente adquiridas (*). Ao contrário, evitavam-nas.
Sob o ponto de vista racial, esse fato (**) era de conseqüências deploráveis. A nobreza perdia cada vez mais a razão racial de sua existência e, na sua grande maioria, podia-se com propriedade dar-lhe o qualitativo contrário.
Um sintoma individual da ruína econômica foi a lenta eliminação do direito de propriedade individual e a passagem gradual da economia do povo para a propriedade das sociedades de ações.(***)
(...)
Antes da guerra, a internacionalização dos negócios alemães já estava em andamento, sob o disfarce de sociedades por ações. É verdade que uma parte da indústria alemã fez uma decidida tentativa para evitar o perigo, mas, por fim, foi vencida por uma investida combinada do capitalismo ambicioso, auxiliado por seus aliados do movimento marxista.
A guerra persistente contra as indústrias pesadas da Alemanha foi o ponto de partida visível da internacionalização que se processava com a ajuda do marxismo. E o único meio de completar a obra era assegurar a vitória do marxismo por meio da revolução.
(*) – Mais um evidente indício da visão de Hitler do ganho pelo mérito pessoal e individual, o que é um contra-senso com o coletivismo, aonde se ganha não pelos méritos, mas “de acordo com as necessidades”;
(**) – o “fato” em questão é a inserção de capitral internacional (judaico) na indústria alemã, garantindo aos “inferiores” lugares destacados na sociedade;
(***) – Por “sociedades de ações”, leia-se, novamente, capital internacional, ou “conspiração judaica”. Veja o parágrafo posterior, e a evidente contradição que eu destaquei (capitalistas e marxistas aliados contra a indústria Alemã).
Tomo II, Capítulo IV (Personalidade e concepção do Estado Nacional), pgs. 275:
Seria loucura querer medir o valor dos homens pela raça, e, ao mesmo tempo, declarar guerra ao princípio marxista segundo o qual * um homem é sempre igual ao outro *, se não estivermos resolvidos a tirar daquele axioma todas as conseqüências.
(…)
Quem quer que hoje acredite que um Estado nacional-socialista-racista pode diferenciar-se dos outros Estados, com a aplicação de meios puramente mecânicos, pela melhoria da vida econômica, etc., isto é, por uma melhor distribuição da riqueza, por um maior controle no processo econômico, por salários mais compensadores, pelo combate às grandes desproporções dos mesmos, quem assim pensar, repetimos, encontrar-se-á em um absoluto impasse, e provará não ter a mais leve idéia do que entendemos por ser uma verdadeira concepção do mundo.
(…)
Quem acredita em uma evolução mais elevada da vida deve admitir que todas as manifestações dessa luta pela existência devem ter tido um começo. Em dado momento, um indivíduo praticou uma determinada ação. Por força da repetição, esse fato foi se tornando cada vez mais geral até, de certo modo, passar para o subconsciente dos indivíduos e tornar-se instintivo.
Isso se compreenderá mais facilmente em relação aos homens. Seus primeiros atos de inteligência na luta contra os outros animais foram, com certeza, na sua origem, atos praticados pelos indivíduos mais capazes. As qualidades pessoais foram, incontestavelmente, o estímulo para todas as decisões e realizações (...)
Uma coletividade humana só é bem organizada quando facilita, por todos os modos possíveis, o trabalho desses elementos criadores e utiliza-os em benefício da humanidade.
(...)
A administração do Estado e o poder das nações representado pela sua capacidade guerreira são dominados pelo princípio do valor pessoal. Nesse setor domina a idéia da personalidade, a autoridade desta em relação aos que estão embaixo e a responsabilidade dos que estão em cima.
(…)
Se o movimento nacional-socialista não compreendesse a importância fundamental dessa verdade, mas, ao contrário, em vez disso, procurasse pôr remendos ao estado atual e visse no ponto de vista das massas um ponto de vista seu próprio, transformar-se-ia em um partido de concorrência ao marxismo. Não teria, então, o direito de falar em uma nova doutrina.
Bem, “Liquid Snake”, acredito que estas citações são enfáticas e conclusivas a respeito do efetivo ponto de vista do nazismo em relação a seu horror ao comunismo e sua perspectiva econômica liberal.
Você tem alguma oposição a respeito que gostaria de partilhar?
T+

.
Edit: Tive de substituir o negrito por isublinhado nas citações, pois os negritos não apareciam.
Edit2: ACHO que eliminei todos os erros de digitação...