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O Estado do bem-estar social basicamente não passa de um cartel. A diferença entre esse tipo de sistema de proteção e os monopolistas normalmente encontrados nas salas de diretoria da indústria privada é que o Estado do bem-estar social não beneficia apenas algumas pessoas, ele ajuda a muitas.
Na verdade, beneficia quase todos os cidadãos que vivem dentro de suas fronteiras. Colocado simplesmente: o Estado do bem-estar social transformou todos nós em monopolistas. Nós lucramos com suas proteções e com a maneira como ele distribui a riqueza. Vejam, por exemplo, os banheiros separados para homens e mulheres que, segundo os regulamentos alemães, são obrigatórios nos locais de trabalho.
Também esperamos férias previstas em lei, proteção contra demissão e licenças-médicas. Se tudo der errado na vida, contamos com o auxílio-desemprego, que juntamente com os subsídios para habitação e educação dos filhos pode facilmente se equiparar a um salário de vendedor.
E aí está o problema: com seus custos excedentes para financiar a rede de proteção social, o cartel protetor aumenta significativamente os custos trabalhistas de cada empregado. Mas quando esse cartel é obrigado a competir com um mercado que não tem proteções nem rede de segurança torna-se uma ameaça, em vez de um escudo defensivo. Isso ocorre porque um dos principais motivos das diferenças de preços entre novos e antigos membros do mercado de trabalho mundial é o Estado do bem-estar social. Seus frutos beneficiam as pessoas em seu interior, mas as que estão fora apenas ouvem falar deles.
Muitos membros da fraternidade social correm o risco de não ter uma oportunidade de ganhar a vida. O que já foi considerado uma importante conquista da civilização ocidental tornou-se hoje uma pedra amarrada ao seu pescoço.
Ataque amistoso
Mas os adversários do Estado do bem-estar social vêem de bom grado a grande oferta mundial de trabalhadores, que já se mostrou o método mais eficaz para destruir a rede de segurança social. Não é mais necessário clamar por sua destruição ou instigá-la - ela parece estar ocorrendo por conta própria.
Pode-se simplesmente ignorar o Estado do bem-estar social encomendando produtos de países da Ásia que não têm rede de segurança social. Mas essa opção equivale a defender salários menores e opor-se às proteções que o Estado nos oferece.
Por outro lado, os amigos do bem-estar social ainda não aceitam que estão sofrendo um efeito colateral da globalização. Mesmo alguém inteligente como lorde Dahrendorf, esperando defender o país contra os ataques dos tempos modernos, fechou os olhos para a verdade. Existe uma esfera pública legítima que não compete diretamente com outros países e regiões, ele escreve. Nessa esfera recaem a educação, os impostos e as contribuições sociais. Não podemos citar o mercado global como panacéia.
Que tolice. Ninguém está derrubando o Estado do bem-estar social. Ele caiu há um bom tempo, derrubado pelos ventos da modernidade. A tolice só pode ser explicada pelo fato de que os países agressores não perseguem o Estado do bem-estar social para vingar-se. Sobretudo, o ataque é delicado e ocorre principalmente em uma atmosfera amigável, impedindo que muitos compreendam a verdade.
Os atacantes não são estranhos: nos mercados livres com consumidores livres, o golpe final da faca é dado por amigos. O coração do consumidor pode bater à esquerda ou à direita, mas no momento em que ele pisa num supermercado ou shopping center ele se recusa a pagar uma contribuição à previdência social.
O consumidor normal em uma loja de departamentos alemã como Karstadt, na varejista Metro ou no supermercado de descontos Lidl é um fanático pela globalização. Ele compara preços e serviços, mas não nacionalidades ou sistemas de seguridade social. Ele quer seus descontos e não quer despesas adicionais. Ele está interessado no bom negócio, e não nos negócios sujos que acontecem em outros lugares do mundo.
Mesmo que ele se considere um romântico, na verdade é um materialista consumado. É somente fora do horário comercial que ele às vezes tem dúvidas idealistas. E somente então começa a se perguntar como é possível obter tapetes tão grandes por preços tão baixos ou por que os computadores e telefones celulares hoje estão tão baratos.
A cada compra de um produto do Extremo Oriente, o consumidor dá um golpe no cartel social doméstico e seus termos de venda. Os consumidores comparam o preço e a qualidade de um produto, mas não consideram o preço e a qualidade do país que o produz. Assim, consumidores de todo o mundo ocidental tornam-se executores da globalização. Na guerra mundial pela riqueza, eles são as tropas de combate mais importantes para os países agressores. Embora não carreguem armas, destroem a produção doméstica com suas frias decisões de compra. Hoje em dia quase tudo o que o dinheiro pode comprar pode ser produzido sem o ingrediente extra que chamamos de Estado do bem-estar social.
Qualquer um pode encomendar um carro da General Motors; o preço inclui US$ 1.500 em custos sociais, segundo cálculos recentes que o presidente do conselho forneceu a seus funcionários. Seria mais econômico ir até a revendedora Hyundai, já que os empregados coreanos não recebem um suplemento previdenciário comparável. Em toda esquina existem máquinas de lavar com um Estado do bem-estar social embutido; elas vêm da AEG em Nurembergue, produzidas em um ritmo semanal de 38 horas, por salários mais altos e sob a supervisão do conselho de trabalhadores da empresa. Mas na loja vizinha existe a máquina de lavar feita em Taiwan, China ou Polônia, onde as semanas de trabalho são longas e os salários, baixos. Nosso bom e velho Estado do bem-estar social não existe lá.
Na verdade, 75% da população mundial não têm seguro-desemprego. Embora isso possa colocar os trabalhadores em desvantagem, certamente dá um empurrão nas vendas de seus produtos. São somente os trabalhadores - e não os produtos que eles geram - que devem suportar o risco de doença, pobreza e envelhecimento. No Ocidente ocorre exatamente o contrário.
De volta às origens
No Extremo Oriente, em vez de conselho de trabalhadores existe um capataz mandão, que na melhor das circunstâncias é um pouco indulgente. Isso porque a justiça não é amiga do empregado no piso de fábrica da concorrência barata. Os empregados têm permissão para trabalhar, mas não para protestar.
Seu salário é fixo, e não discutido. E é a família, e não a empresa, que oferece proteção social - uma situação que beneficia enormemente as vendas de seus produtos.
Cerca de 60% de todos os eletrodomésticos vendidos na Alemanha hoje são produzidos no exterior. Os 40% restantes provavelmente terão o mesmo destino num futuro previsível. A líder de mercado mundial Electrolux está planejando fechar a metade de suas fábricas que ainda funcionam na Europa, América e Austrália. Uma fábrica do tamanho da AEG em Nurembergue pode economizar 48 milhões de euros (US$ 61 milhões) por ano se transferir sua produção para a Polônia. Durante meses o conselho hesitou em fechar a fábrica de Nurembergue, que tem uma antiga tradição na Alemanha. O presidente da companhia, Hans Straberg, diz francamente que além de suas preocupações pelas pessoas ele teme que "o fechamento também destrua muito capital.".
É o mesmo jogo na Continental em Hanôver, um dos maiores produtores de pneus do mundo. Lá, a mão-de-obra representa 30% dos custos de produção, mas na Europa do Leste essa porcentagem é significativamente menor. Quando a companhia ameaçou fechar sua produção de pneus para carros na cidade no oeste da Alemanha, os trabalhadores reagiram oferecendo-se para ampliar sua semana de trabalho sem remuneração.
Afinal a oferta não compensou e os empregos foram cortados. "Os trabalhadores fizeram sua parte, mas não foi suficiente", sugere o presidente Manfred Wennemer. Os primeiros a ser atingidos pelas demissões são os trabalhadores simples da produção, mas os que têm formação acadêmica podem segui-los rapidamente. "Empregamos cerca de
5 mil engenheiros hoje na Continental; a maioria deles vive em países de altos salários", diz Wennemer. "Essas certamente serão as próximas arenas em que teremos de examinar os custos."
Mas, antes de culpar os diretores de empresas e caçadores de ofertas, devemos fazer uma pausa e refletir. Seria errado censurá-los por egoísmo. Foi uma dupla vontade política que ligou os países asiáticos e da Europa Oriental à cadeia de trabalho internacional - a vontade deles e a nossa. Eles quiseram fazer parte da rede de produção ocidental e unir a deles à nossa. E nós os incentivamos, apoiamos e muitas vezes também aplaudimos.
A questão aqui não é o que está errado ou certo. O que importa neste momento é simplesmente a percepção de que o mercado de trabalho global, como o inventamos até agora, criou um território de soberania unificada para os produtores de bens. Hoje a demanda de mão-de-obra muda de uma terra para outra, e naturalmente prefere os países com os menores custos sociais.
Muitos que consideram a economia social de mercado como o estágio final da história agora estão sendo obrigados a admitir que cometeram um enorme erro.
O capitalismo, graças a uma mão-de-obra e um mercado financeiro globais, ampliou seu alcance, enquanto a rede de segurança social perdeu terreno. O mercado ganhou poder, velocidade e aparentemente também inevitabilidade. Mas a vitória social de ontem empalideceu. Na verdade, o capitalismo está voltando às suas origens.
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).