Acauan escreveu: O primeiro e mais importante motivo é que não há uma definição clara e objetiva do que seria a tal "realidade social do aluno".
Esta idéia só faz sentido dentro da óptica marxista de que a realidade social de cada pessoa é definida pela classe social à qual pertence.
Assim, quando falam em relacionar a matéria a realidade social do aluno, implica em identificar este aluno, por exemplo, como membro de uma família operária da periferia de São Paulo e relacionar as disciplinas com esta suposta e imaginada realidade.
ok, primeira confusão resolvida.
Eu não especifiquei o que entendia por "realidade social" e tu deduziste que me referia à classe social.
Eventualmente usei mal o conceito, ou ele é realmente suficientemente subjectivo para dar azo a diferentes leituras.
Para mim não interessa realmente se um aluno é filho dum operário ou dum médico. Se tem muito ou pouco dinheiro.
O que me pode interessar enquanto professora ou enquanto instituição escola é:
-se os pais são negligentes
-se o miúdo tem tempo e condições para estudar em casa (ou se os papás lhe preenchem o horário com actividades que nunca mais acabam, ou se o obrigam a trabalhar até à noitinha no café)
-Se o miúdo é maltratado (psíquica e/ou fisicamente)
-Se os pais o pressionam demais, ou se o ignoram demais
-Se os pais o pressionam a seguir determinada profissão (problema muito comum por exemplo em classes médias-altas)
-Se o miudo toma drogas ou se tem problemas de saúde
-Se é bem aceite pelos colegas, ou se estes o desprezam e mal-tratam
-Como ocupa os tempos livres, o que gosta de fazer (alguma coisa? nada?)
Estas são coisas que englobei no rótulo de realidade social, se achares mais pertinente que as "arrume" noutra expressão mais apropriada fá-lo-ei de bom grado.
No presente post contudo, continuarei a chamá-las de realidade social.
Acauan escreveu:O segundo erro, talvez mais grave, é que a tal realidade social do aluno é um referencial concreto.
Quando se fala em relacionar a disciplina ensinada à realidade social do aluno isto significa dar uma abordagem concreta ao tema.
E como ficam todas as disciplinas que dependem do pensamento abstrato, criativo ou poético para ser compreendidas. Reduzimos estas disciplinas ao concretismo ou damos caráter abstrato, criativo e poético à tal realidade social, sabe-se lá como se possa fazer isto.
Antes demais é preciso esclarecer uma coisa: até determinada idade os alunos ainda não possuem grande poder de abstracção, sendo o seu raciocínio essencialmente analógico. Mas esta é uma realidade que deve ser da preocupação primordial dos currículos e não das escolas/professores.
Em segundo, é preciso dizer que uma mesma matéria pode ser dada de formas muito diferentes (aqui entra a didáctica).
Assim, se se pretende abordar determinado tema social, não é necessário fazê-lo de forma tão directa e concreta assim, como aliás ilustraste com o exemplo de Shakespeare, mais adiante.
Mas já lá vamos.
Apenas quero salientar que nunca defendi, de forma nenhuma, que se deva oferecer a papinha feita aos meninos, ao ponto de tentar concretizar excessivamente o abstracto.
escola pretende não apenas ensinar conhecimentos, mas também ensinar a pensar, e a
procurar conhecimentos.
Acauan escreveu: O que eu proponho é que a abordagem deve privilegiar, na medida do possível, as características individuais do aluno, independente de quaisquer outros fatores de influência a ser considerados.
Se um aluno demonstra notável aptidão para as artes, é interessante que o professor de artes o observe com mais atenção e identifique formas adequadas de desenvolver estas aptidões. Pouco importa se o aluno com aptidões é filho do borracheiro ou da rainha da Dinamarca.
Que faria professor de arte se tal aluno, com uma aptidão extraordinária para artes, tivesse pais que achassem que arte é coisa de vagabundo, e que o garoto tem mais é que ser engenheiro, empurrando-o para físicas e químicas?
Este é um factor externo que deva ser ignorado?
Acauan escreveu:Do mesmo modo, se determinados alunos demonstram dificuldades específicas ou mesmo antipatias com certos conteúdos, convém identificar quais os fatores causa em ação e como trata-los.
E esses factores não poderão ser externos?
Parece-me que tens uma postura muito determinista nestas questões. Por vezes dá ideia que julgas que as aptidões individuais são exclusivamente determinadas pela genética, e impermeáveis às vivências, experiência e história de vida do aluno... Como posso compreender, conhecer um aluno, actuar no sentido de o ajudar a maximizar as suas capacidades se não tiver a mais pequena noção do mundo em que esta criança vive?
Tenho a sensação de que pensas que defendo que os professores devem ser uma espécie de assistentes sociais dos garotos. Não é de todo isso que defendo.
Por outro lado, a função da escola não é exactamente a função do professor. A função primordial do professor é efectivamente transmitir as temáticas da sua especialização.
A escola como um todo, tem funções que vão muito além disso.
Assim, se trabalharem em conjunto, os professores podem, não apenas transmitir as matérias, mas também adoptar estratégias continuadas e articuladas por forma a trabalhar outros níveis de "humanidade"
A organização de debates, de trabalhos em grupo e individuais, a existência de projectos transdisciplinares que obriguem os alunos a relacionar diferentes disciplinas são algumas das actividades que podem ser aplicadas no sentido de ir mais além do que a transmissão de saberes.
Por outro lado, conhecer a realidade em que se insere o aluno permite à escola, como um todo, trabalhar cada aluno de forma mais eficiente, seja oferecer-lhe oportunidades de estudo acompanhado, seja a proposta de que o garoto seja acompanhado por outro tipo de profissionais, seja uma abordagem aos pais no sentido de lhes mostrarem determinadas aptidões dos filhos que eles porventura ainda não tenham percepcionado ou que, por algum motivo, não valorizem.
A escola também pode ser palco de projectos realizados pelos alunos, como sejam educação ambiental (espero que isto n seja demasiado marxista
), campanhas anti-tabágicas, violência doméstica, etc e tal e tal.
Alem do mais, um conhecimento mais profundo dos alunos permite também adoptar estratégias mais individualizadas, nem que seja na escolha de exemplos ou de enunciados.
O saber é apelativo para muitos, mas nem para todos os garotos. Assim, dar-lhe uns pequenos retoques, que criem algum tipo de indentificação com o aluno, pode realmente fazer magia, e motivar extraordinariamente os garotos.
Acauan escreveu:
O que eu acredito é que crianças faveladas tem diferentes potenciais e que um professor atento a estes potenciais individuais mais do que à origem social de seus alunos descobrirá talentos que podem ser desenvolvidos e superar outros alunos nascidos em realidades mais confortáveis, mas sem as mesmas capacidades e motivações.
Na média é sempre possível produzir resultados melhores, mesmo que seja esperado que alunos com melhores condições materiais transformem estas facilidades em resultados mais positivos que aqueles que não dispõem delas.
Concordo Acauan. Aliás, se não tivesse esta convicção profunda, penso que jamais poderia vir a ser professora. A crença e esperança profunda de que cada ser humano encerra em si potencialidades para ser um indivíduo pleno e um cidadão comprometido com o bem da sua sociedade é aquilo que me faz acordar bem disposta.
Apenas penso que grande maioria das pessoas precisa de um empurrão maiorizinho do que aquele que tu consideras ser necessário.
Acauan escreveu: Claro que as relações sociais do aluno e da matéria não podem ser papel da escola e do professor.
O ponto da discórdia...
Concordo contigo, como já referi, que professores não acumulam funções de assistência
Concordo contigo que a função primordial do professor não seja a preocupação com essa relação (embora dependa muito da “realidade social” que estamos a falar, como já referi, pois o conhecimento desta realidade por fornecer pistas interessantes para a opção por esta ou aquela estratégia pedagógica)
Já para a Escola, enquanto um todo, essa relação parece-me absolutamente necessária e indispensável.
Aliás, por muitas vezes essa relação ser inexistente, é que muitos alunos se desinteressam da escola, pois sentem que ela nada tem que ver com as suas vidas. A escola média não serve para formar geneticistas de ponta, Picassos, ou Mozarts.
Ela serve para formar cidadãos autónomos, competentes, e dotados de conhecimentos e intelectos suficiente
Acauan escreveu: O que a premissa Marxista propõe na verdade é que as classes operárias devem ser guiadas para a revolução pelas classes intelectuais, o que não é outra forma de dizer que os pobres devem ser puxados pelo cabresto para a realização dos objetivos que a elite intelectual marxista acha que eles estão destinados.
Não vejo pobre/elite intelectual como uma dicotomia. Tão pouco considero que os problemas sociais ocorram somente em classe economicamente desfavoráveis (como já referi).
E de forma absolutamente nenhuma defendo que o futuro ou funções de alguém sejam definidos ou determinados por motivos alheios à vontade do próprio.
Aliás, é precisamente por isso que penso que a escola deva conhecer os seus alunos, não apenas o que eles fazem nela, mas também o que fazem fora dela, sob o risco do seu conhecimento dos alunos ser fragmentado (estritamente será sempre, mas é proveitoso que o seja o menos possível), e portanto da sua oferta educativa ser demasiado desproporcionada às potencialidades, capacidades e desejos dos alunos (todos estes devem ser tidos em conta).
Acauan escreveu: A função da Escola é fornecer subísidios intelectuais para que o aluno, por si e por seus próprios métodos, enxergue sua realidade a partir de uma percepção mais ampla e profunda e desenvolva sua percepção crítica pela experiência intelectual pessoal, não pela doutrinação política conduzida por grupos.
Acauan... jamais falei em doutrinação política. A actuação da escola jamais deve ser de propaganda, seja política, ideológica ou religiosa.
Inserir a realidade dos alunos na proposta educativa não deve servir estes fins, mas sim o desenvolvimento intelectual, o raciocínio crítico, comportamentos cívicos, e uma cidadania autónoma e responsável.
Não interessa se o garoto será empregado de café, pescador, juiz ou professor; não interessa se será liberal, comunista, socialista ou anarquista ou qualquer outra coisa, desde que seja um humano e um cidadão pleno, minimamente realizado e capaz de realizar.
Acauan escreveu: Como disse o tal mundinho é auto-evidente e nenhum favelado precisa que um professor lhe ensine que a favela é ruim.
Ele pode saber que a favela é ruim, mas pode não saber o porquê.
Em portugal existem os chamados bairros sociais (o leo me deu o nome equivalente daí mas não me recordo). _De qualquer forma são bairros fornecidos a pessoas que viviam em barracas, sendo que as casas lhes são oferecidas pelo estado. Esses bairros normalmente são acompanhados por profissionais, que tentam ajudar como podem as populações, através de diferentes iniciativas.
O que verificamos na prática é que muitas pessoas, mesmo extintas algumas das dificuldades anteriores, prosseguem com determinados comportamentos marginais e violentos. Porquê?
Pelo mesmo motivo que filhos de pais que espancam a esposa – mesmo não gostando que o pai espanque a mãe – têm maiores probabilidades de se tornarem agressores.
O ambiente em que crescemos (e não me estou a referir à conta bancária) determina em grande parte a nossa personalidade e os nossos padrões comportamentais.
Para conseguir ajudar alguém a abandonar determinados padrões comportamentais (e esse também é um papel da escola), é preciso conhecer minimamente bem a sua origem.
Algumas pessoas conseguem ultrapassar estes “vícios comportamentais” sozinhas, através dum enorme esforço e investimento pessoal, mas, mais uma vez, estas são uma minoria.
Enquanto palco primordial da socialização, a escola não pode de forma nenhuma abster-se da sua potencialidade educativa, e deve, sempre que possível, procurar auxiliar os alunos a desenvolverem outras competências (estava a tentar fugir desta palavra, mas acabei não conseguindo), além das intelectuais.
Acauan escreveu: O que o favelado precisa que a escola lhe ensine são as coisas que ele não tem como aprender na favela, para que da soma das experiências de dentro e de fora dela possa realizar seus objetivos de vida, seja ele mudar para lugar melhor ou tornar melhor o lugar que mora.
[/color][/quote]Como disse, o papel da Escola é justamente abrir para eles uma janela que os deixe ver que as realidades más nas quais estão inseridos não tem que ser uma regra, mas uma exceção social, da qual podem fugir pela elevação de seus espíritos e elevar espíritos é a razão de ser da Escola. [/color][/quote]
Precisamente.
Mas isso não se consegue trabalhando somente as faculdades intelectuais.
Só por existir, só por duvidar, tenho duas almas em guerra e sei que nenhuma vai ganhar... (J.P.)