NadaSei escreveu:Não concordo.
Se você for analizar outras mitologias e lendas, vai notar que são estórias que passam lições inteligentes.
Vamos pegar o folclore brasileiro, por exemplo.
O Curupira é a entidade protetora das matas, um anão que cria ilusões, tem os pés virados para trás e solta assovios para assutar e confundir lenhadores e caçadores que não respeitam as leis da natureza.
Seus pés virados para trás servem para despistar os caçadores, que quando tentam segui-lo, vão para direção errada e acabam se perdendo.
O Curupira, muito sabiamente, tolera os caçadores que entram na mata em busca de alimento, mas não tem pena dos caçadores maldosos, principalmente dos que matam filhotes. Quando vê um caçador que mata por prazer, judia tanto dele, mas tanto, que o coitado, se não morre, fica louco para sempre.
Essa entidade certamente foi criada por alguém e, esse alguém, era sábio o bastante para compreender que não se deve tirar mais do que se necessita da floresta, bem como sabia que não deveria matar os filhotes, ou caçar por esporte.
Quem criou esse personagem bem como a primeira estórinha sobre ele, ou teve uma alucinação fantastica (pois a descrição da criatura é bizarra), ou criou uma estórinha, usando uma linguagem acessível, de forma que qualquer um pudesse entender a moral, inclusive crianças.
Acho muito mais facil, dado o conteúdo da estória e, o fato de transmitir uma certa sabedoria, que o criador de tal personagem, soubesse bem o que estava fazendo, bem como sabia usar uma linguagem acessível para se comunicar com seus companheiros.
Pegando primeiro no teu exemplo concreto:
- Tu estás a assumir que o "criador de tal personagem" criou a personagem com o objectivo específico de, de alguma forma, "educar" os seus companheiros.
- O que eu afirmo é que tu não tens como saber se isso é verdade ou se o "xamã" teve uma "alucinação fantástica" .
Do ponto de vista geral:
- Tu desvalorizas a hipótese da "alucinação fantástica", concentrando-te na lição de moral (que tu extraiste, mas outra pessoa poderia extrair outra como: se não se respeitar a vontade do anão enlouqueceremos)
O que te estou a tentar dizer é que de quase tudo da vida: histórias ou experiências de vida, se podem extrair lições de moral. Contudo, nem todas as pessoas extraíem as mesmas lições de moral da mesma história. E isto é válido para História, Filosofia e Religião.
O grande senão da religião, é que abre a possiblidade de se acreditar em "alucinações", e que temos que nos submeter à vontade dessas alucinações.
Muitos teístas desenvolvem um conceito de deus difuso, não nos esqueçamos por exemplo de Espinosa. O problema, é que muitos escritos religiosos são suficientemente ambíguos em realação às verdadeiras intenções do autor, pelo que permitem diversas interpretações e diversas lições de moral.
O que se defende neste fórum, é que as "boas lições de moral" fornecidas pela religão (que não são de desprezar) podem ser extraídas de outras fontes (como filosofia, etc) que não possuem o poder alucinogénico da religão.
E muito embora filosofias arreligiosas (como o marxismo p.e.) tenham servido de base a acções e reflexões profundamente díspares, estas não conferem aos seus seguidores a sensação de impunidade que é tão sobejamente fornecida (ainda que fruto duma "má" interpretação) pela "vontade divina".
NadaSei escreveu:Ok, isso pode até ser uma "possibilidade", mas uma que nunca encontrei nas religiões que estudo. (Budismo, Hinduismo, Taoísmo e Cristianismo).
A religião de um modo geral, se divide em alguns tipos de textos distintos, alguns contendo a doutrina, outros a filosofia, outros contendo estórias com fundo moral, etc...
Os poucos textos que se propõe a "explicar" algo sobre o universo, tratam apenas do assunto "criação" e "o que é o universo", ou seja, como o universo teve inicio e de que ele é feito.
São esses textos que passam a idéia de que o universo é "energia", falam sobre a metafisica e como o homem se insere nesse universo.
Apesar disso, não encontrei texto algum que se servisse para explicar o "trovão", ou "a chuva", ou qualquer coisa do gênero.
Sempre que se tem estórias com Deuses que simbolizem o "trovão" ou a "lua", são estória que falam de assuntos morais e, não explicações sobre "o trovão" ou "a lua" em si.
Se você puder me apresentar algo...
Os nossos "estudos teológicos" são bastante divergentes, pelo que procurarei por um lado basear-me mais no ponto comum (cristianismo - as outras desconheço cabalmente).
Eu não descarto a natureza parabólica de muitas histórias e escritos religiosos mas, além de considerar que muitos dos conteúdos morais são insatisfatórios, penso que outros possuíam, pelo menos na origem, sentido literal.
Em relação ao conteúdo parabólico e não literal da história judaico-cristã da origem do Homem talvez a intenção do autor não fosse dizer que deus literalmente tirou uma costela do homem e a transformou em mulher. Mas é incontornável a mensagem de que o homem surgiu primeiro.
Esta história falha nos dois aspectos (segundo a minha interpretação que poderá obviamente ser diferente da tua, mas essa divergência não deixa de relativizar a sua importância):
-na eventual tentativa de explicação científica
-na eventual tentativa de oferecer um "regra moral geral" - pois ou será errada (na minha perspectiva) ou ambígua
O mesmo se aplicaria, continuando no genesis, à origem das dores do parto - castigo por ter desobedecido a deus.
Mas talvez eu esteja a concretizar demais.
Ainda que seja verdade que da bílbia se possam extrair lições muito interessantes, e que valeria a pena generalizar e defender, ela tão é prolífera em maus exemplos, más lições e trágicas "morais".
Refiro-me por exemplo à legitimização do machismo ou à sublimação da intolerância, ainda que perpetuada de forma pacífica.
Em relação a religiões pagãs pré-europeias, os seus panteões divinos eram arquétipos naturais, representativos, sim, mas também activos.
O sol era adorado como sendo um verdadeiro deus (não somente a sua representação), ou seja eles realmente acreditavam que o sol era um ser consciente, com vontade própria.
O mesmo para a lua, que seria uma divindade feminina.
As estações deviam-se aos ciclos de vida-reencarnação destes deuses: o inverno começa porque o sol morre, o dia cresce porque a criança-sol cresce.
Estes elementos básicos encontram-se presentes em muitas religiões antigas, cujo objectivo principal talvez fosse
explicar os fenómenos naturais. A partir do momento em que se criam estes deuses, e se assume que eles são mais poderosos que nós, então há que criar um sistema moral que lhes agrade, sob pena de castigo.
Esse "código moral" foi certamente fruto de interpretações de sacerdotes, que com certeza aproveitaram a deixa para, como dizias, apresentar lições de moral de forma acessível ao povo, através de parábolas, p.e..
Se esses sacerdotes eram ou não inspirados por deus (ou acreditavam - ou não - ser) não é verdadeiramente relevante, pois os mesmos códigos podem ser inspirados por outra fonte, que não a divina, e que não estejam protegidas pela impunidade do "foi deus que disse".
NadaSei escreveu:Claro, o povo faz simpatia, reza para santos, bem como cultura suas imagens, reza na igreja... mesmo que tudo isso contrarie o que é ensinado na biblia.
As instituições religiosas criam rituais, dogmas próprios, interpretações de coisas como a "trindade", facilmente refutada usando as palavras de Cristo.
O Cristianismo e Judaismo, ainda trazem misturado a religião, a politica.
A biblia é constituida por varios livros (não é um livro só), o que inclui livros com algumas leis da época.
O problema é que, na prática, a distinção que fazes entre religião e política é uma interpretação pessoal tua, partilhada por muitos, mas não por todos.
Além do mais, ainda que assumindo que esse limite existe, a bíblia continua a possuir "lições boas" e "lições más" (já para não falar que a bíblia é uma colectânea motivada por diversos interesses políticos) e a dar azo a insterpretações terrivelmente divergentes.
O que estou a dizer é: um código de valores que enalteça o amor, mas que permita também enaltecer a vingança não é um código válido.
NadaSei escreveu:Agora, inegavelmente, classificar uma fonte milenar de conhecimento como a religião, como sendo veneno, só pode faze-lo seguindo um ponto de vista dogmático.
Aqueles que votaram nas opções 1 e 2, demonstram pontos de vista dogmáticos.
A posição 3, já demonstra certa cautela, podendo uma pessoa com algum conhecimento sobre religião, chegar a essa opnião.
Não concordo.
Como tenho vindo a referir, a maioria dos foristas não ignora as mensagens proveitosas da religião. Considera somente que a Religião tem demasiados aspectos negativos e fantasiosos e que como os positivos podem ser extraídos de outras fontes, ela é um veneno.
Ou seja, o saldo é negativo.
Além disso, ao colocares a opção "religião é veneno", que é o nome do fórum... não sei se estás ver a indução óbvia...
(além disso um veneno é-o em determinadas doses...)
NadaSei escreveu:Primeiro que eu não cometi apelo a autoridade, como eu mesmo procurei deixar claro, mas acho que você não entendeu.
Citei como exemplo de que "opinião" de pessoas, existem pros dois lados, e justamente por isso, não devemos nos basear por elas, mas sim estudar por nós mesmos sem preconceito, para chegarmos as nossas próprias opiniões.
Segundo que eu não falei sobre "acreditar" em Deus, mas sim sobre considerar a religião como fonte de conhecimento valida.
Primeiro - de acordo afinal
Segundo - como referi, o conhecimento fornecido pelas religiões pode ser obtido de outras fontes, que não incorporem um "divino".
O conto budista do céu/inferno poderia ser igualmente eficaz sem referências religiosas.
Se o teu ponto é que lições de moral podem ser embelezadas com passagens mitológicas, estamos de acordo. Monges fazem-no, padres fazem-no, Homero e Tolkien fizeram-no.
Mas a essência da religião é o divino, e esse por estas bandas não é reconhecido.
Homens escreveram coisas belíssimas mas "deus manda que" é um mandamento humano e não divino.
E o céu e inferno interiores ou exteriores não deixam de ser figuras de estilo das realidades que representam ( e existem tantas representações... que cada uma em si é muito pouco fiável!).
NadaSei escreveu:O engraçado é que eu nem cheguei a explica o "meu" conceito de "Deus", visto que eu não o tenho definido de forma satisfatória.
Eu apenas apresentei "algumas" das "muitas" coisas que se fala sobre o tema, na religião.
Podia jurar que já tinha visto qualquer do género "deus é o teu reflexo" ou "se olhares para o espelho verás deus" em vez de "fulano disse que x..."
Normalmente quando afirmamos que algo é, é porque estamos a dar a nossa própria visão.
De qualquer forma percebi que não seria essa a tua intenção, por isso adiante...
NadaSei escreveu:Sim, mas seria interessante vê-la em outro tópico.
Só não pode virar uma discussão Evolucionismo X Criacionismo.
Perfeito.
Condição aceite e bem vinda.
Apenas não prometo que seja breve, pois demorarei algum tempo a reunir material didáctico e conciso.
NadaSei escreveu:clara campos escreveu:Não mais do que a teoria da tectónica de placas, mas suponho que não acredites em nada que demore milhões de anos a ocorrer...
Não acho que essas duas têorias estejam assim tão próximas, mas enfim...
São próximas no método e de certa forma na escala.
Por vezes interligam-se, já que ambas estudam fenómenos naturais.
Mas tratam de assuntos bem diferentes.
Só por existir, só por duvidar, tenho duas almas em guerra e sei que nenhuma vai ganhar... (J.P.)