O exercício lógico desenvolvido por Pinker é chulo e simplório (talvez porque os críticos em geral deste raciocínio não costumam compreender muito facilmente), mas me parece bastante efetivo.
Devido ao medo do darwinismo social, a idéia de que a classe tem alguma relação com os genes é tratada pelos intelectuais modernos como um barril de pólvora, muito embora seja difícil imaginar como ela não poderia ser parcialmente verdadeira. Adaptando um exemplo do filósofo Robert Nozick, suponhamos que um milhão de pessoas se disponha a pagar dez dólares para ver Pavarotti cantar e não se disponha a pagar dez dóláres para me ver cantar, em parte devido a diferenças genéticas entre nós. Pavarotti seria dez milhões de dólares mais rico, e viveria um nível econômico do qual meus genes me manteriam afastado, mesmo em uma sociedade que fosse totalmente justa. É um fato bruto que maiores recompensas serão direcionadas a pessoas com maior talento inato se outras pessoas se dispuserem a pagar mais pelos frutos desse talento. A única maneira de isso não poder acontecer é se as pessoas foram presas em castas arbitrárias, se todas as transações econômicas forem controladas pelo Estado ou se não existir essa coisa de talento inato porque somos todos tábulas rasas.
Agora vem a melhor parte.
Um número surpreendente de intelectuais, particularmente de esquerda, nega que exista o talento inato, especialmente a inteligência. O best-seller The mismeasure of man ["A medida errada do homem", sem tradução em português], de Stephan Jay Gould, foi escrito para desmascarar "a abstração da inteligência como uma entidade única, sua localização no cérebro, sua quantificação como um número para cada indivíduo e o uso de desses números para classficar pessoas em uma única sério de mérito, invariavelmente para constatar que grupos oprimidos e desfavorecidos - raças, classes e sexos - são inatamente inferiores e merecem seus status". O filósofo Hilary Putnam afirmou que o conceito de inteligência é parte de uma teoria social chamada "elitismo" que é específica das sociedades capitalistas:
Sob uma forma de organização social menos competitiva, a teoria do elitismo poderia muito bem ser substituída por uma teoria diferente - a teoria do igualitarismo. Essa teoria poderia dizer que pessoas comuns podem fazer qualquer coisa que seja de seu interesse e fazê-lo bem quando (1) estiverem altamente motivadas e (2) trabalharem coletivamente.
Em outras palavras, qualquer um de nós poderia tornar-se um prêmio Nobel de Física como Richard Feynman ou um astro do golfe como Tiger Woods se estivesse altamente motivado e trabalhando coletivamente.
Se fôssemos tábulas rasas, e se uma sociedade alguma vez chegasse realmente a eliminar a discriminação, poderíamos afirmar que os pobres merecem sua condição porque indubitavelmente escolheram fazer menos com seus talentos, os quais são iguais aos de todo mundo. Mas se as pessoas diferirem em talentos, é possível indivíduos serem pobres em uma sociedade sem preconceitos mesmo se eles se empenharem ao máximo.