Acauan escreveu:
O fato é que aquilo que nos faz humanos, seja lá o que for, não está presente no espermatozóide, uma célula que se lha dada todas as condições ambientais para que se desenvolva, por si só nunca resultará em outra coisa.
Para que um espermatozóide resulte em ovo, embrião e feto são necessários uma segunda célula e todo um processo de combinação.
Eu acho válida a comparação com o óvulo, que morre cotidianamente em menor quantidade, e é, por volume e composição, mais similar ao zigoto.
O ovo, embrião ou feto, pelo contrário, não depende de outros elementos e combinações externos a ele próprio para se tornar um ser humano completo, precisando apenas que as condições ambientais para seu desenvolvimento sejam fornecidas.
E isso o define como ser humano "porque sim". É simplesmente ácido-nucléico-centrismo.
O fato de depender de outros elementos e combinações externas, poderia se argumentar, não faz do óvulo em nada menos humano, menos digno.
O zigoto também recebe elementos e combinações externas, apenas não mais de classe genética. Bebês recém nascidos também recebem, o que garanre o resto de seu desenvolvimento saudável, e as pessoas adultas também recebem para poderem continuar a viver.
O estágio pré-fecundação da vida humana é apenas um momento mais oportuno de se interromper o desenvolvimento de um ser humano (ou mais), não algo que não tem nada a ver com a história.
A concepção materialista de que qualquer identidade humana só pode ser reconhecida no feto a partir da formação e do funcionamento do sistema nervoso central possui uma contradição evidente, pois se fundamenta em um misticismo sobre o que seria identidade humana.
Se a identidade humana é um fato material, definida pela estrutura biológica do feto, todos os elementos materiais para a formação do sistema nervoso central já estão presentes no próprio feto, na forma de codificação genética.
Quando se defende que o feto só passa a ter identidade humana após a formação do sistema nervoso central, entendemos esta identidade humana como algo imaterial que passa a incorporar o feto a partir de certo ponto do processo de formação do sistema nervoso.
Bem, a fecundação também é vista por muitos pró-vida como a entrada da alma no corpo.
Mas de qualquer forma, não tem nada a ver com qualquer coisa imaterial que entrasse no corpo. Por exemplo, um computador. Você só tem um computador mesmo com todos seus componentes, e só "acreditamos" que o computador seja um computador quando todos seus componentes estão montados corretamente e eles estão funcioanando. As peças de computador desmontadas não são um computador, nem o manual de instruções sozinho, que ensina a montar.
Não tem nada de imaterial na montagem do computador e em estar ligado. Se há um momento chave em que o técnico coloca o processador e em seguida o liga, isso não teve nada de imaterial. É a mesma coisa com o desenvolvimento embriológico.
Os únicos elementos materiais recebidos pelo feto ao longo de todo seu desenvolvimento são, em sentido amplo, nutrientes vindos da mãe. Propor que a materialidade da condição humana vem de fora do feto implica em defender que o conceito de humanidade pode ser definido como um fluxo de proteínas, o que é obviamente absurdo.
Bem, não é exatamente um "fluxo" de proteínas mas um estado mais geral cuja descrição meramente molecular não é possível, por isso há a embriologia.
É extremamente irônico que a condição humana como sendo um estado de organização protéica seja visto como "absurdo" (e lembrando que nem é bem esse o caso, mas uma organização num nível maior), enquanto é perfeitamente razoável que a mesma condição possa ser dada por um estado de organização (bem inferior, diga-se de passagem) de outra classe de moléculas.
Pode-se afirmar que a materialidade da condição humana não está no fluxo de materiais que formam o feto, mas no processo de formação, cuja identidade é estabelecida por um determinado estágio em que determinados componentes estão formados ou funcionando.
Ora, se a identidade humana está no processo de formação de seus componentes constitutivos é lógico concluir que o processo precede e determina estes componentes, não o contrário.
Pode-se defender que não é um processo, mas um
estado, aliado aos processos vitais comuns à todas as células vivas também.
Aí pode-se considerar certos tipos de células diversas, ou tecidos apesar de vivos, como indignos de proteção à "vida humana"; pode-se considerar que pessoas, cujos órgãos em grande parte estão vivos, na verdade estão "mortas", se por exemplo, lhes faltar o cérebro, e etc.
Se o processo precede e determina os estágios de formação, então é o processo e não os estágios que deveriam definir materialmente a condição humana, sendo que todo este processo já está materialmente contido no código genético do feto.
Isso é mais ou menso como dizer que um prédio é uma planta ou uma construção. Não importa que o processo preceda o estado, e que a planta precede o processo, que a tinta da caneta do arquiteto precede a planta, etc. Olha-se lá e se diz se tem prédio ou não. Se tem, tem, se não, não tem.
Se em condições normais todo o processo de formação do feto já está previamente definido em seu material genético, então os estágios do processo representam apenas o mesmo processo ao longo do tempo.
São, pois, condições determinadas e não condições determinantes.
Sob condições normais, as espécies tem previamente geneticamente determinado o impulso sexual, mesmo antes da maturação sexual. Sob condições normais, isso leva à fecundação dos óvulos pelos espermatozóides. Isso não pode ser excluído do processo. O estado de fecundação do óvulo é então algo determinado, e não determinante.
Se o estágio de formação do feto é condição determinada pelo feto, não pode ser uma condição determinante do feto, logo é irracional afirmar que tal fator possa ser usado para se definir se o feto possui ou não identidade humana.
Se o estágio gamético dos veículos dos genes é condição determinada pelos genes, não pode ser uma condição determinante dos genes, logo é irracional afirmar que tal fator possa ser usado para se definir se os gametas possuem ou não identidade humana.
(continuo mais tarde, possivelmente)