Os jovens de hoje não têm medo da morte
- Fernando Silva
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Os jovens de hoje não têm medo da morte
"O Globo" 17/03/07
Entrevista com John Updike, que publicou um livro ("Terrorista") sobre a lógica delirante dos extremistas religiosos, para quem o mundo afasta de Deus, portanto o melhor é destruir o mundo.
----------------------------
O GLOBO: Seu livro surpreende ao contar a história de um terrorista americano de 18 anos, quando tornou-se voz corrente pensar o terrorismo como uma ameaça estrangeira, o que ocasionou uma forte política contra imigrantes nos Estados Unidos. O terrorismo pode estar no interior dos EUA?
JOHN UPDIKE: Bem, este meu personagem não parece tão estranho se você se lembrar dos estudantes que atiraram nos seus colegas numa escola em Columbine. Ou nos muitos jovens americanos que cometeram crimes bárbaros, que os levaram ao suicídio.
Minha intenção foi falar de um fenômeno muito mais amplo, que acontece em todas as cidades grandes ou médias, em que as taxas de desemprego são altas.
Os jovens têm hoje um modo diferente de encarar a morte, um modo que parece muito estranho para alguém da minha geração. Nós tínhamos temor diante da morte.
Nós a respeitávamos e por isto respeitávamos a vida. Questões como o suicídio eram muito sérias e profundas e tinham o pano de fundo de um certo idealismo existencial.
Hoje, os jovens falam em tiros, bombas, morte, violência, sem qualquer atitude de temor ou de respeito. Não têm respeito pela vida dos outros e nem pela própria vida. E também não têm medo de morrer.
E de onde vem este desrespeito pela vida humana?
UPDIKE: Vem da falta total de perspectivas. O capitalismo produz uma desilusão profunda com o futuro, uma desesperança que se infiltra nos menores gestos cotidianos. Daí o desespero de quem é capaz de pensarse a si mesmo explodindo pelos ares junto a dezenas de inocentes.
Nada vale a pena porque a própria vida não vale ser vivida. A esperança então se torna algo possível apenas num outro mundo, depois da morte talvez.
Até o envolvimento de um jovem hoje com a religião se faz numa perspectiva totalmente diversa daquela da minha geração.
O sentimento religioso hoje se vale de uma profunda negação do presente. O mundo em que se vive se torna insuportável.
E se há um Deus, então ele só pode estar num outro universo que não seja este em que estamos.
Não existe para estes jovens qualquer perspectiva de mudar o presente, de transformar o mundo. Então, passa a ser banal pensar em explodir tudo.
Qualquer coisa parece ser melhor do que o inferno da vida cotidiana.
Mas isto acontece com qualquer religião? Ou se trata de algo específico do islamismo, como ocorre no seu romance?
UPDIKE: Bem, não posso falar sobre o budismo...
Mas isto certamente acontece com as três grandes religiões originárias do Oriente Médio: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Todas as três permitem que haja esta radical negação das possibilidades de transformar o mundo em que vivemos e oferecem aos jovens esperança apenas num outro mundo, num paraíso para além desta vida.
E o capitalismo agrava este sentimento de impotência porque a realidade é opressiva, humilhante. Os jovens se sentem traídos em seus sonhos e não vêem outro caminho senão o de extravasar seu ódio, sua raiva, sua humilhação, e extravasar tudo isto numa grande explosão. Eles sabem que vão morrer e não se importam em morrer.
É verdade que os 19 jovens muçulmanos que fizeram os atentados do 11 de Setembro eram estrangeiros ilegais nos EUA. Mas não foi o fato de serem estrangeiros que os tornou terroristas. Os garotos do massacre da escola de Columbine eram americanos, eram cristãos e tiveram a mesma atitude: explodir tudo.
O senhor tinha a intenção de compreender a lógica de um terrorista ao escrever este romance?
UPDIKE: Sim. Eu pensei que tinha algo a dizer sobre o ponto de vista de um terrorista. E pensei que podia entender a animosidade e o ódio que um fiel do islamismo poderia sentir a respeito do nosso sistema.
Ninguém estava fazendo isto e eu pensei que um escritor teria a obrigação de fazer os leitores entenderem um outro ângulo de visão.
Para isto servem os escritores. Ao escrever a história eu percebi, por exemplo, o quanto a religião, hoje, é perigosa.
Extremamente perigosa.
Porque agrava esta crença de que a vida não vale a pena, a religião nos faz descuidar deste mundo e imaginar o paraíso fora dele.
Como o senhor espera que o seu livro seja lido pelos brasileir os?
UPDIKE: É difícil responder a esta pergunta. Todo romance pode ser lido de forma bem diversa por públicos bem diferentes.
Os brasileiros vivem no mesmo mundo que nós, americanos, mas a violência no Brasil é diferente. Talvez o fervor religioso do protagonista do meu livro pareça estranho para leitores brasileiros, sendo o país predominantemente católico. Mas os brasileiros certamente vão perceber como é real este desrespeito pela vida e pela morte que eu investigo no meu livro.
Todo mundo já ouviu falar da explosão da violência nas favelas cariocas, os crimes terrivelmente cruéis no Rio e em São Paulo. E em meio a esta crueldade estão jovens, às vezes adolescentes, que não se detêm diante de nada, que não pensam duas vezes antes de atirar, de explodir tudo.
O senhor acha que a violência da miséria tem a ver com esta desilusão que leva ao terrorismo?
UPDIKE: Sim.
A violência vem da falta de futuro. São jovens que não têm nada a perder. Eles já vivem no inferno. A vida para eles parece terrível demais e, o que é pior, não há saída para este inferno cotidiano.
No caso do Brasil, isto vem da miséria misturada à falta total de perspectiva. Não sobra nada: não há qualquer noção do que seja dignidade, do que seja decência. Não há esperança na visão de mundo desses jovens. Para eles, não há recompensa nesta vida ou neste mundo.
O sofrimento só termina com a morte. Esta é a nova face da juventude. Isto não acontece só no Brasil, mas no Brasil esta desesperança é agravada pela miséria. Na África o desespero já “A religião faz descuidar deste mundo imaginar fora atinge as crianças, que partem para a guerra a fim de apressar a morte.
O senhor é pessimista diante do futuro?
UPDIKE: Não. Sou otimista.
Tanto os EUA quanto o Brasil foram nações que se construíram com a recepção de milhões de imigrantes do mundo inteiro.
Foram nações que se fizeram a partir da convivência de culturas diferentes, de pessoas das mais diversas origens. Nossos países têm um histórico de tolerância.
E isto pode atuar no sentido da construção de um futuro melhor do que o presente em que vivemos.
As diferenças econômicas entre Brasil e EUA são imensas...
UPDIKE: É claro. Mas há um sistema econômico cruel, que nos atinge a todos, a uns mais, a outros menos, mas ainda assim nos atinge a todos.
Vivemos num mundo em que a diferença entre ricos e pobres só tem aumentado. Sou otimista quando penso que isto pode ser revertido, mas será preciso enfrentar este sistema para transformá-lo. Nos EUA, a pobreza não é tão humilhante quanto na América Latina.
Li um dia desses que o sujeito mais rico da América Latina é dono de uma companhia telefônica que cobra taxas extorsivas das classes mais pobres... É uma vergonha a postura dos ricos na América Latina. Nos EUA, isto é diferente.
O mais pobre dos trabalhadores interioranos nos EUA ainda pode olhar um fazendeiro rico nos olhos, encará-lo de frente e manter a sua dignidade. Mas a administração Bush só fez agravar a distância entre os mais ricos e os mais pobres.
Andar numa cidade grande como Nova York hoje é uma experiência deprimente, pela quantidade de mendigos na rua. Nova York é fascinante quando se tem muito dinheiro.
Mas Nova York também pode ser terrível quando se vive na rua, sobretudo no inverno.
As cidades latino-americanas estão bem mais repletas de mendigos, de miséria...
UPDIKE: Sim, eu sei disto. Na América Latina a miséria acaba com qualquer dignidade. E acontece algo ainda mais terrível que é esta insensibilidade que somos todos treinados a desenvolver. Eu me lembro de uma viagem que fiz ao Camboja.
Não havia um único lugar em que não encontrássemos gente pedindo esmolas, muitas vezes crianças. Nas primeiras vezes, nós demos muitas esmolas. Depois começamos a dar esmolas a contragosto, começamos a nos chatear com aquilo.
Depois de uns dias, já não nos importávamos com aqueles mendigos e nos tornamos indiferentes aos pedidos das crianças.
Aquilo era apenas um aborrecimento.
Qualquer um de nós faz isto. As pessoas têm que se defender.
Esta indiferença se torna autopreservação. A miséria é agressiva. Se você observar os olhos daquelas crianças, vai perceber o quanto elas acumulam de raiva e de humilhação pela vida toda.
Eu me lembro da minha visita ao Rio, uma cidade belíssima, um paraíso natural exuberante, mas cercado de favelas miseráveis, e agora cenário de crimes horrendos.
O Rio é uma cidade muito triste. Eu me pergunto como as pessoas ainda conseguem viver na cidade em meio a tanta miséria e violência. E estive também em São Paulo, uma cidade que me pareceu gigantesca.
São Paulo para mim tem a imagem das cidades do futuro, que serão cidades infinitas, intermináveis, só que no caso de São Paulo este horizonte infinito é ocupado pelas favelas, pela periferia miserável, de uma violência explosiva.
O meu editor, Luis Schwarcz, já me convidou muitas vezes para voltar ao Brasil, para visitar o Rio e São Paulo.
Gostaria muito de fazer esta viagem, mas logo penso que estou velho demais e que estas cidades não são seguras para um gringo branco de classe média como eu...
O senhor se sentiu inseguro quando visitou o Brasil?
UPDIKE: Não.
Mas fiquei muito impressionado com a pobreza. Eu vivi um período de muitas dificuldades financeiras durante os anos da depressão americana.
Meu pai se tornou professor para sustentar a família e nós vivíamos com dinheiro curto. E eu me lembro da sensação de ser pobre. Era um sentimento de revolta.
Eu me sentia traído pela vida, impotente para realizar meus sonhos.
Imagino que os jovens hoje se sintam assim quando percebem que não terão oportunidades, que o sistema capitalista não vai dar a eles a menor chance de vencer na vida.
Imagino como se sentem enraivecidos e traídos. Foi com este sentimento que eu construí o protagonista deste romance.
O que o senhor achou das promessas do presidente Bush de oferecer ajuda aos países da América Latina?
UPDIKE: A administração Bush só fez aumentar a distância entre ricos e pobres. E por isto teve que encarar o forte sentimento antiamericano espalhado hoje pela América Latina. Foi este sentimento que fez com que Hugo Chávez tivesse a sua voz aumentada.
Ele quer parecer um porta-voz desse antiamericanismo.
Acho bom que ele seja histriônico e tenha conseguido se fazer ouvir. Acho bom que haja uma voz dissonante, uma divergência forte diante da arrogância de Bush. Mas este sentimento antiamericano só existe por causa dos erros da administração Bush.
Os americanos estão começando a compreender esses erros. Fiquei surpreso ao ver que os brasileiros receberam muito bem Bush e imagino que possam ganhar dinheiro fazendo negócios com os americanos.
Mas não acho que este governo possa fazer grande coisa pela América Latina. Teve muito tempo para fazer e não fez. Por que faria agora? Mas acho que a política americana vai mudar muito a partir das próximas eleições.
Nos próximos dois anos os EUA vão mudar muito. Está na hora de trocar o comando da Casa Branca, de tirar dali os republicanos, exatamente como foi feito no Congresso. É hora de dar uma oportunidade aos democratas.
A campanha presidencial já começou, será talvez a mais longa da história americana e a mais disputada. Os candidatos são fortes e há boas opções no Partido Democrata.
O senhor já escolheu seu candidato?
UPDIKE: Ainda não. Mas tenho grandes simpatias por Barack Obama. Estive com ele uma vez, conversamos um pouco, vi que suas propostas são consistentes.
É claro que há outros candidatos, como Hillary Clinton.
Vejo com bons olhos a idéia de ter uma mulher na Casa Branca, mas é preciso que seja a mulher certa.
Se a eleição fosse hoje, Barack Obama seria o meu candidato e teríamos o primeiro presidente negro nos EUA. Venho de uma geração em que a eleição de um negro parecia impossível.
Hoje, é mais do que possível, é provável e até inevitável, à medida que aumenta a politização do eleitorado negro.
O senhor está confiante numa vitória democrata nas próximas eleições presidenciais?
UPDIKE: Meu único medo é o eleitorado jovem americano. Para eles, não há diferença entre democratas e republicanos.
Os estudantes de hoje acham que os dois partidos defendem o mesmo sistema, apóiam a mesma política de guerra e desigualdade, e para eles é indiferente qual candidato vencerá. Eles condenam todos como se fossem iguais e são totalmente desinteressados pela política partidária.
A maioria não vai votar, e os que vão são indiferentes ao resultado. Eles desvalorizam a cada dia mais a política e talvez por isto sejam tão imersos em atitudes radicais e propensos à violência.
Eles se sentem como soldados de uma guerra contra o sistema, uma guerra muito dura e quase impossível de ser vencida. É disto que eu tenho medo. Uma vitória democrata depende de uma forte mobilização contra o poder instalado na Casa Branca.
Caso contrário, o conservadorismo pode se perpetuar no poder e continuar a aumentar a diferença entre ricos e pobres. Esta diferença é que traz desesperança e dá a sensação de que o mundo está cada vez mais perigoso. (Marília Martins)
Entrevista com John Updike, que publicou um livro ("Terrorista") sobre a lógica delirante dos extremistas religiosos, para quem o mundo afasta de Deus, portanto o melhor é destruir o mundo.
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O GLOBO: Seu livro surpreende ao contar a história de um terrorista americano de 18 anos, quando tornou-se voz corrente pensar o terrorismo como uma ameaça estrangeira, o que ocasionou uma forte política contra imigrantes nos Estados Unidos. O terrorismo pode estar no interior dos EUA?
JOHN UPDIKE: Bem, este meu personagem não parece tão estranho se você se lembrar dos estudantes que atiraram nos seus colegas numa escola em Columbine. Ou nos muitos jovens americanos que cometeram crimes bárbaros, que os levaram ao suicídio.
Minha intenção foi falar de um fenômeno muito mais amplo, que acontece em todas as cidades grandes ou médias, em que as taxas de desemprego são altas.
Os jovens têm hoje um modo diferente de encarar a morte, um modo que parece muito estranho para alguém da minha geração. Nós tínhamos temor diante da morte.
Nós a respeitávamos e por isto respeitávamos a vida. Questões como o suicídio eram muito sérias e profundas e tinham o pano de fundo de um certo idealismo existencial.
Hoje, os jovens falam em tiros, bombas, morte, violência, sem qualquer atitude de temor ou de respeito. Não têm respeito pela vida dos outros e nem pela própria vida. E também não têm medo de morrer.
E de onde vem este desrespeito pela vida humana?
UPDIKE: Vem da falta total de perspectivas. O capitalismo produz uma desilusão profunda com o futuro, uma desesperança que se infiltra nos menores gestos cotidianos. Daí o desespero de quem é capaz de pensarse a si mesmo explodindo pelos ares junto a dezenas de inocentes.
Nada vale a pena porque a própria vida não vale ser vivida. A esperança então se torna algo possível apenas num outro mundo, depois da morte talvez.
Até o envolvimento de um jovem hoje com a religião se faz numa perspectiva totalmente diversa daquela da minha geração.
O sentimento religioso hoje se vale de uma profunda negação do presente. O mundo em que se vive se torna insuportável.
E se há um Deus, então ele só pode estar num outro universo que não seja este em que estamos.
Não existe para estes jovens qualquer perspectiva de mudar o presente, de transformar o mundo. Então, passa a ser banal pensar em explodir tudo.
Qualquer coisa parece ser melhor do que o inferno da vida cotidiana.
Mas isto acontece com qualquer religião? Ou se trata de algo específico do islamismo, como ocorre no seu romance?
UPDIKE: Bem, não posso falar sobre o budismo...
Mas isto certamente acontece com as três grandes religiões originárias do Oriente Médio: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Todas as três permitem que haja esta radical negação das possibilidades de transformar o mundo em que vivemos e oferecem aos jovens esperança apenas num outro mundo, num paraíso para além desta vida.
E o capitalismo agrava este sentimento de impotência porque a realidade é opressiva, humilhante. Os jovens se sentem traídos em seus sonhos e não vêem outro caminho senão o de extravasar seu ódio, sua raiva, sua humilhação, e extravasar tudo isto numa grande explosão. Eles sabem que vão morrer e não se importam em morrer.
É verdade que os 19 jovens muçulmanos que fizeram os atentados do 11 de Setembro eram estrangeiros ilegais nos EUA. Mas não foi o fato de serem estrangeiros que os tornou terroristas. Os garotos do massacre da escola de Columbine eram americanos, eram cristãos e tiveram a mesma atitude: explodir tudo.
O senhor tinha a intenção de compreender a lógica de um terrorista ao escrever este romance?
UPDIKE: Sim. Eu pensei que tinha algo a dizer sobre o ponto de vista de um terrorista. E pensei que podia entender a animosidade e o ódio que um fiel do islamismo poderia sentir a respeito do nosso sistema.
Ninguém estava fazendo isto e eu pensei que um escritor teria a obrigação de fazer os leitores entenderem um outro ângulo de visão.
Para isto servem os escritores. Ao escrever a história eu percebi, por exemplo, o quanto a religião, hoje, é perigosa.
Extremamente perigosa.
Porque agrava esta crença de que a vida não vale a pena, a religião nos faz descuidar deste mundo e imaginar o paraíso fora dele.
Como o senhor espera que o seu livro seja lido pelos brasileir os?
UPDIKE: É difícil responder a esta pergunta. Todo romance pode ser lido de forma bem diversa por públicos bem diferentes.
Os brasileiros vivem no mesmo mundo que nós, americanos, mas a violência no Brasil é diferente. Talvez o fervor religioso do protagonista do meu livro pareça estranho para leitores brasileiros, sendo o país predominantemente católico. Mas os brasileiros certamente vão perceber como é real este desrespeito pela vida e pela morte que eu investigo no meu livro.
Todo mundo já ouviu falar da explosão da violência nas favelas cariocas, os crimes terrivelmente cruéis no Rio e em São Paulo. E em meio a esta crueldade estão jovens, às vezes adolescentes, que não se detêm diante de nada, que não pensam duas vezes antes de atirar, de explodir tudo.
O senhor acha que a violência da miséria tem a ver com esta desilusão que leva ao terrorismo?
UPDIKE: Sim.
A violência vem da falta de futuro. São jovens que não têm nada a perder. Eles já vivem no inferno. A vida para eles parece terrível demais e, o que é pior, não há saída para este inferno cotidiano.
No caso do Brasil, isto vem da miséria misturada à falta total de perspectiva. Não sobra nada: não há qualquer noção do que seja dignidade, do que seja decência. Não há esperança na visão de mundo desses jovens. Para eles, não há recompensa nesta vida ou neste mundo.
O sofrimento só termina com a morte. Esta é a nova face da juventude. Isto não acontece só no Brasil, mas no Brasil esta desesperança é agravada pela miséria. Na África o desespero já “A religião faz descuidar deste mundo imaginar fora atinge as crianças, que partem para a guerra a fim de apressar a morte.
O senhor é pessimista diante do futuro?
UPDIKE: Não. Sou otimista.
Tanto os EUA quanto o Brasil foram nações que se construíram com a recepção de milhões de imigrantes do mundo inteiro.
Foram nações que se fizeram a partir da convivência de culturas diferentes, de pessoas das mais diversas origens. Nossos países têm um histórico de tolerância.
E isto pode atuar no sentido da construção de um futuro melhor do que o presente em que vivemos.
As diferenças econômicas entre Brasil e EUA são imensas...
UPDIKE: É claro. Mas há um sistema econômico cruel, que nos atinge a todos, a uns mais, a outros menos, mas ainda assim nos atinge a todos.
Vivemos num mundo em que a diferença entre ricos e pobres só tem aumentado. Sou otimista quando penso que isto pode ser revertido, mas será preciso enfrentar este sistema para transformá-lo. Nos EUA, a pobreza não é tão humilhante quanto na América Latina.
Li um dia desses que o sujeito mais rico da América Latina é dono de uma companhia telefônica que cobra taxas extorsivas das classes mais pobres... É uma vergonha a postura dos ricos na América Latina. Nos EUA, isto é diferente.
O mais pobre dos trabalhadores interioranos nos EUA ainda pode olhar um fazendeiro rico nos olhos, encará-lo de frente e manter a sua dignidade. Mas a administração Bush só fez agravar a distância entre os mais ricos e os mais pobres.
Andar numa cidade grande como Nova York hoje é uma experiência deprimente, pela quantidade de mendigos na rua. Nova York é fascinante quando se tem muito dinheiro.
Mas Nova York também pode ser terrível quando se vive na rua, sobretudo no inverno.
As cidades latino-americanas estão bem mais repletas de mendigos, de miséria...
UPDIKE: Sim, eu sei disto. Na América Latina a miséria acaba com qualquer dignidade. E acontece algo ainda mais terrível que é esta insensibilidade que somos todos treinados a desenvolver. Eu me lembro de uma viagem que fiz ao Camboja.
Não havia um único lugar em que não encontrássemos gente pedindo esmolas, muitas vezes crianças. Nas primeiras vezes, nós demos muitas esmolas. Depois começamos a dar esmolas a contragosto, começamos a nos chatear com aquilo.
Depois de uns dias, já não nos importávamos com aqueles mendigos e nos tornamos indiferentes aos pedidos das crianças.
Aquilo era apenas um aborrecimento.
Qualquer um de nós faz isto. As pessoas têm que se defender.
Esta indiferença se torna autopreservação. A miséria é agressiva. Se você observar os olhos daquelas crianças, vai perceber o quanto elas acumulam de raiva e de humilhação pela vida toda.
Eu me lembro da minha visita ao Rio, uma cidade belíssima, um paraíso natural exuberante, mas cercado de favelas miseráveis, e agora cenário de crimes horrendos.
O Rio é uma cidade muito triste. Eu me pergunto como as pessoas ainda conseguem viver na cidade em meio a tanta miséria e violência. E estive também em São Paulo, uma cidade que me pareceu gigantesca.
São Paulo para mim tem a imagem das cidades do futuro, que serão cidades infinitas, intermináveis, só que no caso de São Paulo este horizonte infinito é ocupado pelas favelas, pela periferia miserável, de uma violência explosiva.
O meu editor, Luis Schwarcz, já me convidou muitas vezes para voltar ao Brasil, para visitar o Rio e São Paulo.
Gostaria muito de fazer esta viagem, mas logo penso que estou velho demais e que estas cidades não são seguras para um gringo branco de classe média como eu...
O senhor se sentiu inseguro quando visitou o Brasil?
UPDIKE: Não.
Mas fiquei muito impressionado com a pobreza. Eu vivi um período de muitas dificuldades financeiras durante os anos da depressão americana.
Meu pai se tornou professor para sustentar a família e nós vivíamos com dinheiro curto. E eu me lembro da sensação de ser pobre. Era um sentimento de revolta.
Eu me sentia traído pela vida, impotente para realizar meus sonhos.
Imagino que os jovens hoje se sintam assim quando percebem que não terão oportunidades, que o sistema capitalista não vai dar a eles a menor chance de vencer na vida.
Imagino como se sentem enraivecidos e traídos. Foi com este sentimento que eu construí o protagonista deste romance.
O que o senhor achou das promessas do presidente Bush de oferecer ajuda aos países da América Latina?
UPDIKE: A administração Bush só fez aumentar a distância entre ricos e pobres. E por isto teve que encarar o forte sentimento antiamericano espalhado hoje pela América Latina. Foi este sentimento que fez com que Hugo Chávez tivesse a sua voz aumentada.
Ele quer parecer um porta-voz desse antiamericanismo.
Acho bom que ele seja histriônico e tenha conseguido se fazer ouvir. Acho bom que haja uma voz dissonante, uma divergência forte diante da arrogância de Bush. Mas este sentimento antiamericano só existe por causa dos erros da administração Bush.
Os americanos estão começando a compreender esses erros. Fiquei surpreso ao ver que os brasileiros receberam muito bem Bush e imagino que possam ganhar dinheiro fazendo negócios com os americanos.
Mas não acho que este governo possa fazer grande coisa pela América Latina. Teve muito tempo para fazer e não fez. Por que faria agora? Mas acho que a política americana vai mudar muito a partir das próximas eleições.
Nos próximos dois anos os EUA vão mudar muito. Está na hora de trocar o comando da Casa Branca, de tirar dali os republicanos, exatamente como foi feito no Congresso. É hora de dar uma oportunidade aos democratas.
A campanha presidencial já começou, será talvez a mais longa da história americana e a mais disputada. Os candidatos são fortes e há boas opções no Partido Democrata.
O senhor já escolheu seu candidato?
UPDIKE: Ainda não. Mas tenho grandes simpatias por Barack Obama. Estive com ele uma vez, conversamos um pouco, vi que suas propostas são consistentes.
É claro que há outros candidatos, como Hillary Clinton.
Vejo com bons olhos a idéia de ter uma mulher na Casa Branca, mas é preciso que seja a mulher certa.
Se a eleição fosse hoje, Barack Obama seria o meu candidato e teríamos o primeiro presidente negro nos EUA. Venho de uma geração em que a eleição de um negro parecia impossível.
Hoje, é mais do que possível, é provável e até inevitável, à medida que aumenta a politização do eleitorado negro.
O senhor está confiante numa vitória democrata nas próximas eleições presidenciais?
UPDIKE: Meu único medo é o eleitorado jovem americano. Para eles, não há diferença entre democratas e republicanos.
Os estudantes de hoje acham que os dois partidos defendem o mesmo sistema, apóiam a mesma política de guerra e desigualdade, e para eles é indiferente qual candidato vencerá. Eles condenam todos como se fossem iguais e são totalmente desinteressados pela política partidária.
A maioria não vai votar, e os que vão são indiferentes ao resultado. Eles desvalorizam a cada dia mais a política e talvez por isto sejam tão imersos em atitudes radicais e propensos à violência.
Eles se sentem como soldados de uma guerra contra o sistema, uma guerra muito dura e quase impossível de ser vencida. É disto que eu tenho medo. Uma vitória democrata depende de uma forte mobilização contra o poder instalado na Casa Branca.
Caso contrário, o conservadorismo pode se perpetuar no poder e continuar a aumentar a diferença entre ricos e pobres. Esta diferença é que traz desesperança e dá a sensação de que o mundo está cada vez mais perigoso. (Marília Martins)
Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Os jovens têm hoje um modo diferente de encarar a morte, um modo que parece muito estranho para alguém da minha geração. Nós tínhamos temor diante da morte.
Nós a respeitávamos e por isto respeitávamos a vida. Questões como o suicídio eram muito sérias e profundas e tinham o pano de fundo de um certo idealismo existencial.
(...)
E de onde vem este desrespeito pela vida humana?
UPDIKE: Vem da falta total de perspectivas.O capitalismo produz uma desilusão profunda com o futuro, uma desesperança que se infiltra nos menores gestos cotidianos. Daí o desespero de quem é capaz de pensarse a si mesmo explodindo pelos ares junto a dezenas de inocentes.
Nossa, não sabia que o capitalismo era um sistema econômico que foi implantado recentemente nos EUA.

“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
- Fernando Silva
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Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Huxley escreveu:Nossa, não sabia que o capitalismo era um sistema econômico que foi implantado recentemente nos EUA.
Ou por que razão jovens vêm lá da Arábia Saudita, uma teocracia, para se explodir nos EUA.
Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
A culpa é do capitalismo. Claro. Democratas são comunistas.
- Jeanioz
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- Registrado em: 27 Set 2006, 16:13
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- Localização: Curitiba - Paraná
Re: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Fernando Silva escreveu:"O Globo" 17/03/07
Entrevista com John Updike, que publicou um livro ("Terrorista") sobre a lógica delirante dos extremistas religiosos, para quem o mundo afasta de Deus, portanto o melhor é destruir o mundo.
E depois é o ateísmo que estimula o suicídio...
"Uma sociedade sem religião é como um navio sem bússola."
Napoleão Bonaparte
"Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas."
Napoleão Bonaparte
Napoleão Bonaparte
"Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas."
Napoleão Bonaparte
Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
E depois é o ateísmo que estimula o suicídio...
Pois é.E quando são confrontados com essas matérias, eles respondem que "essa é a falsa religião prevista no apocalipse"



- Poindexter
- Mensagens: 5894
- Registrado em: 18 Nov 2005, 12:59
Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Chamar esses caras de "a juventude de hoje" é o fim da picada.
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Poindexter escreveu:Chamar esses caras de "a juventude de hoje" é o fim da picada.
Poind, uma boa parte é. Eles são a juventude, sim.
- Poindexter
- Mensagens: 5894
- Registrado em: 18 Nov 2005, 12:59
Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Apocaliptica escreveu:Poind, uma boa parte é. Eles são a juventude, sim.
Maioria dos jovens de hoje se virem alguém com uma arma na rua saem correndo para o primeiro abrigo que encontrarem, de forma que eles não representam bem a juventude de hoje. A juventude de hoje (não só a de hoje, de vários outros períodos também... isso é típico da juventude) vem muito com aquele papo de que não tem medo disso, daquilo, para tentar se auto-afirmar... e na hora do "vamos ver"...
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Poindexter escreveu:Apocaliptica escreveu:Poind, uma boa parte é. Eles são a juventude, sim.
Maioria dos jovens de hoje se virem alguém com uma arma na rua saem correndo para o primeiro abrigo que encontrarem, de forma que eles não representam bem a juventude de hoje. A juventude de hoje (não só a de hoje, de vários outros períodos também... isso é típico da juventude) vem muito com aquele papo de que não tem medo disso, daquilo, para tentar se auto-afirmar... e na hora do "vamos ver"...
Sim, mas não há como negar que eles são um parte importante da juventude. Se olhar as manisfestações estudantis exacerbadas, o pessoal não arreda muito o pé não. Faz parte do não ter medo ( eles avaliam o risco, mas os hormônios os mantêm a postos).
O grupo favorece isto. Alguns nem entendem muito bem por que estão ali, mas estão.
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Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
A Culpa é dos yankes malditos, com seu capitalismo opressor, que esmaga os paises subdesenvolvidos como vermes !
bem ... agora deixando o anti-americanismo de lado...
Sinceramente !
É a falta de jisuiz no coração, porque um cara que tem a bondade e o calor humano de jisuiz, usa o cerebro apenas para refrigerar o sangue ! nada mais
bem ... agora deixando o anti-americanismo de lado...
Sinceramente !
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Abandoned !!!
- Poindexter
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Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Apocaliptica escreveu:Sim, mas não há como negar que eles são um parte importante da juventude. Se olhar as manisfestações estudantis exacerbadas, o pessoal não arreda muito o pé não. Faz parte do não ter medo ( eles avaliam o risco, mas os hormônios os mantêm a postos).
O grupo favorece isto. Alguns nem entendem muito bem por que estão ali, mas estão.
Em 1968 eles arredavam muito menos. Hoje, se o McDonald's fizer uma promoção no dia da passeata, adeus passeata. No fim de semana, então, nem pensar, porque é dia de praia.
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
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Re: Re.: Os jovens de hoje não têm medo da morte
Poindexter escreveu:Apocaliptica escreveu:Sim, mas não há como negar que eles são um parte importante da juventude. Se olhar as manisfestações estudantis exacerbadas, o pessoal não arreda muito o pé não. Faz parte do não ter medo ( eles avaliam o risco, mas os hormônios os mantêm a postos).
O grupo favorece isto. Alguns nem entendem muito bem por que estão ali, mas estão.
Em 1968 eles arredavam muito menos. Hoje, se o McDonald's fizer uma promoção no dia da passeata, adeus passeata. No fim de semana, então, nem pensar, porque é dia de praia.
Apelou! Mc ninguém resiste a ficar tomando bala de borracha nas pernas! Viva o Big Mac!
