Najma escreveu:Ateu Tímido escreveu:A espécie humana não tem raças. Quem não tem a mistura das 3 etnias que aja como se isso fosse (e é) irrelevante. Eu não sinto simpatia pelos meus antepassados por terem feito isso ou aquilo. A distância é tanta que a simpatia vem só de serem antepássados. Quem se vangloria de ser 100% branco, o faz com um viés de supremacia racial, sendo portanto racista.
As orígens de qualquer um podem lhe trazer qualquer sentimento, mas devem ser irrelevantes para determinar quaisquer direitos. A maioria dos que se orgulham das origens quer ganhar algum privilégio com isso.
Nenhum privilégio. O único é o de manter a memória familiar viva, além do que é passado adiante pelos genes.
Uma coisa chata pros descendentes diretos de imigrantes que a maioria aqui não deve conhecer, é a sensação de não ter um passado ligado à terra, não ter origens fincadas na história do país onde se vive. Existe uma lacuna a partir de determinado ponto que só torna a ter sequência em outras terras que fazem parte das histórias que a nonna contava. Histórias que a bisnonna contava... e as cenas se desenrolam em ambientes que a gente jamais viu nem jamais verá, a não ser que visite pessoalmente algum dia.
De repente, a história da primeira guerra mundial tinha mais importância pra mim do que saber como o Brasil foi colonizado. Entender como as estrelas alpinas nascem em beiras de precipício e escarpas geladas, ou como a primavera faz os campos florirem, como as ameixas secas são azuis escuro na ameixeira, ou de que forma as maçãs podiam ter consistência farinhosa e uma espécie de óleo envolvendo as sementes, a vida em Viena ou em Liechtenstein eram mais envolventes do que saber sobre o Brasil Imperial. Não adiantaria ir na venda da esquina comprar as maçãs com óleo, caso eu sentisse vontade de experimentar. Eram frutas, lugares, experiências, momentos históricos vividos
in loco por gente da minha família, me entretendo na primeira infância mas que fazem parte da história de outro país. Os costumes do nonno, que era de Bari, de plantar uvas no quintal e comê-las verdes regada a azeite de oliva com água quente, o preparo do peixe em quilos de sal grosso. O molho de macarrão com polvo recheado. Ou quando ele foi alistado aos 17 anos pra servir defendendo a Itália e lutou contra o irmão da nonna que defendia a Alemanha do outro lado. Ou quando ele foi preso e descascou toneladas de batatas e se apaixonou pela filha de um dos colonos que era dono das terras onde eles ficaram prisioneiros...
Nada disso é relevante num debate que começou falando em separar partes de um país. Mas já que meu discurso pareceu racista-preconceituoso, como se estivesse me gabando apenas de minha origem européia, eu digo que a transição de vila italiana para uma cidade comportando migrantes brasileiros vindos mormente do nordeste, gerou desconforto à minha família instalada em São Caetano, pelas perdas graduais de identidade com o modo de ser italiano sendo adaptado para o tempo de não ter só gente de nome "iXtrangero" como colegas de trabalho e de escola a partir dos anos 40, 50. O Brasil e seu amálgama de cores, sons, costumes foi entrando aos poucos no quotidiano das primeiras famílias ali instaladas, já em sua quarta geração naquele mesmo lugar. E a transição foi irreversível.
De repente, falar nas origens era uma forma de manter contato com um mundo que não existia mais. Manter as tradições, usar expressões em dialeto exclusivo era se sentir em casa. A nonna fazia questão de falar o veneto dentro de casa, de ensinar "modinhas" italianas. De contar histórias em italiano, de declamar poesias em italiano.
Quando da minha migração pro Vale do Paraíba aos 7 anos, houve perda do contato diário com a nonna, com minha tia, meus primos, colegas de escola com uma origem semelhante à minha e o mundo mostrou a existência de gente que não tinha esse mesmo passado. Falavam em avós que tinham fazendas, que trabalhavam na roça, que viviam ali desde uns 100 anos antes. E no meu mundo, aliado à mudança brusca, a mamma entrou em depressão por estarmos vivendo num ambiente que em nada se parecia com o que tínhamos deixado. De repente, a sensação de perda foi imensa. O que sobrou foram as histórias.
Sentir orgulho, alegria, prazer pensando nessas e muitas outras histórias que fizeram parte da minha infância, pensar no valor das pessoas que me deram a vida. Pensar no abismo cultural que se mostrou presente quando confrontando as histórias de outras famílias, de outras etnias e outros grupos humanos, é racismo? Se racismo for isso, sou racista sim. Ficar triste quando costumes são aviltados por outros que vêm sem pedir licença e se impõem à força pela preferência dos populares que não combina de forma alguma com a minha preferência e prioridades é racismo? Afirmo novamente, sou racista sim. Dizer que eu jamais faria algo contra alguém pela cor da pele, pela origem, parece hipocrisia? Afirmo que não é, não de minha parte pelo menos. Jamais obrigaria pessoas a gostarem do que eu gosto. Mas adoraria ser respeitada e não ter que aceitar o que me impõem por ser o gosto da maioria.
A convivência de pessoas de costumes diferentes é cruel se não houver concordância em ceder espaço ao outro. E o que eu vejo, só gente como eu é que tem que ceder cada vez mais até perder o último resquício de dignidade a fim de promover a dignidade alheia, ruidosa, coitadista, que se impõe pela força.
Se para que haja paz alguns têm que se sacrificar, que esses alguns sacrificáveis sejam da minoria que aceita a condição de fazer parte de uma etnia que permitiu que a civilização atual florescesse... mesmo que para tanto tenha feito escravos que agora proclamam-se dignos de resgate de seu passado ultrajante e que têm sua revolta contra brancos "aceitável" socialmente. Se para que haja paz, axé tiver que ser a trilha sonora do verão em todas as praias no mais alto volume, os que se incomodam que não vão às praias... Se humor pobre e programas bregas for a programação escolhida por essa maioria, que os incomodados tenham TV a cabo... e por aí vai...
Discutir sobre racismo é triste. Sempre uns ou outros podem sair machucados. Levantar o estandarte do anti-racismo sem entender as motivações pessoais de quem se sente um peixe fora d'água no meio de todos que se sentem adaptados ao grupo maior, é não entender...