Acauan escreveu:
Huxley,,
Como é possível se ter um aumento do salário de mercado do trabalhador e da renda nacional sem crescimento econômico?
Pode haver aumento do salário de mercado do trabalhador e da renda nacional, mesmo SEM qualquer contribuição de outro fator além da melhor educação da mão-de-obra.Isso ocorre porque o incremento da qualidade da força de trabalho é um dos três componentes dos fatores de contribuição ao crescimento econômico.Anotando os três:a)contribuição do investimento em capital físico;b)incremento da quantidade e da qualidade da força-de-trabalho;c)aumento da produtividade (aumento da produção com a mesma quantidade de capital e trabalho, devido a melhora tecnológica e do desenho das regras institucionais).Alguns economistas se referem ao incremento na qualidade da mão-de-obra como melhora tecnológica (o nível de tecnologia, nesta definição, não se refere apenas a qualidade de fatores como bens de capital e equipamentos).Por exemplo, se o empresário do setor calçadista dispõe de trabalhadores com mais conhecimento técnico que os de um período anterior, cada trabalhador médio que produzia antes 200 sapatos/mês, poderá produzir agora 220 sapatos/mês.Essa nova visão não faz nenhuma diferença para a conclusão.Ou seja, que é possível que a contribuição do investimento em capital e o aumento da produtividade dos fatores não-humanos para o crescimento econômico seja ZERO e ainda assim, o crescimento econômico seja diferente de zero.E mais, e que é decisivo para entender o que eu falei, pode haver redução de pobreza se há aumento de salário de mercado do trabalhador devido sua maior produtividade, mesmo com uma contribuição negativa do investimento em capital físico ou contribuição negativa do conjunto "investimento em capital físico+ produtividade dos fatores não-humanos" (no caso da contribuição negativa vir APENAS da produtividade dos fatores não-humanos, aí o argumento já não funciona).
A pobreza diminui tão somente se a renda dos que estão abaixo da linha de pobreza se eleve.E isso pode ocorrer mesmo que o aumento da renda média da população seja ZERO.E não apenas a melhor educação pode contribuir para isso, mas também a melhora na redistribuição de renda feita pelas políticas sociais compensatórias.
Acauan escreveu:
A própria definição de renda nacional estabelece uma correlação intrínseca e necessária entre o crescimento desta e o crescimento econômico.
E quanto a dizer que uma melhora visível na redução da pobreza pode ocorrer em ambientes de estagnação econômica, isto só pode ser verdadeiro se as medições da redução da pobreza e da estagnação econômica se derem em abrangências diferentes, micro e regional na primeira e macro e nacional na segunda, por exemplo.
Como disse no post anterior, princípios econômicos têm simplicidade aritmética.
Deixa-me ver se eu entendi.A redução da pobreza com estagnação macroeconômica só ocorre se ela for regional?Eu concordo que princípios econômicos têm simplicidade aritmética.Justamente por isso eu não entendo porque não consegues entender que a pobreza reduziu no Brasil de forma visível, a despeito do crescimento da renda per capita ter sido inferior a 1% (crescimento médio no primeiro mandato de FHC foi de uns 2,2% e crescimento da população de uns 1,4%), como mostram os dados de Barros, Henriques e Mendoça (2000)*.Claro, houve algum crescimento da renda per capita, mas foi pequeno.Mas deve se considerar que o crescimento poderia ser zero, que ainda assim, a pobreza poderia se reduzir.Isso porque na política social brasileira, apenas ¼ dos recursos chegam aos efetivamente mais pobres.Por exemplo, apenas uma parcela dos recursos como Seguro-desemprego, Abono salarial e programa de alimentação do trabalhador atingem efetivamente os segmentos mais pobres da população (Barros, Forguel & Coersul,2000*).Levando em conta o montante de recursos gastos na área social, imagine se a política social brasileira fosse efetiva...Claro que teríamos redução da pobreza, mesmo com crescimento da renda per capita igual a zero.
Acauan escreveu:
Se houve redução visível na pobreza de uma população, então a renda per capita desta população aumentou.
Espera lá.Não é preciso a renda per capita aumentar para que a renda dos mais pobres aumente.Renda per capita é apenas quociente do PNB de um país num período medido em dólares pelo tamanho da população.A pobreza diminui tão somente se a renda dos que estão abaixo da linha de pobreza se eleve.Uma redistribuição de renda garante isso.No Brasil, o surpreendente que é na segunda metade da década de 90, o crescimento da renda per capita foi pífia, o nível de desigualdade se manteve estável, e apesar de tudo, o nível de pobreza se reduziu*.Isso se deveu porque ocorreu uma redistribuição de renda, com dois fatores principais afetando*: a) queda no preço dos alimentos (pobres gastam uma parcela de renda maior com este item que os mais ricos) ; b) expansão dos benefícios da Previdência e da assistência social;(claro, temos uma contribuição pífia do crescimento da renda per capita envolvida nisso).
No caso do último item, eu tenho um dado aqui que mostra que a soma das transferências constitucionais, benefícios previdenciários e dispêndio com servidores inativos passou de uma média de 21,9% do PIB em 1991-1994 para 33% do PIB em 1995-1997(Rezende,2001.Finanças Públicas, 2ª edição.São Paulo:ATLAS)
Acauan escreveu:
A renda per capita só aumenta em duas circunstâncias – aumento da geração de renda entre a população tomada ou transferência de renda de outra população para a população tomada.
Eu tenho a leve impressão que você quis dizer “renda per capita dos mais pobres”.Se esse for o caso, então vai um aviso.A redução da pobreza do Brasil na segunda metade da década de 90 nada tem haver com o item “incremento da quantidade e da qualidade da força-de-trabalho” (na verdade, a contribuição disso para o crescimento econômico de 1994-2000 foi negativa!*).Ela ocorreu essencialmente devido à redução no preço dos alimentos e o aumento das transferências de renda das políticas sociais.E devido a isso, o nível de pobreza foi reduzido no período mencionado.
Acauan escreveu:
Ora, a educação da força de trabalho tem a capacidade de aumentar a geração de renda por meio do aumento da produtividade desta mesma força, mas não há correlação necessária entre educação e transferência de renda entre populações, cujas tentativas provém geralmente de atos políticos e não da livre movimentação dos mercados.
O que a melhor educação dos trabalhadores pode fazer é uma redistribuição das proporções de salários e lucros na economia.
Para entender melhor isso, veja a equação da formação de preços no longo prazo para a ortodoxia econômica dominante:
P= [(1+M)x W]/a
P=nível geral de preços
M=margem de lucro média
W=salário nominal médio
a= produtividade média do trabalho (isso inclui fatores humanos e não-humanos)
Manipulando a equação anterior, temos a equação que determina o salário real:
W/P= a/(1+M)
Note a primeira equação.Aumentando "a" é possível, ceteris paribus, diminuir P. Diminuindo P, é possível ampliar o salário real, já que salário real é igual a W/P.Isso implica que o aumento de produtividade do trabalho é "apropriado" pelos salários.Considera-se na teoria macroeconômica que as empresas têm em mente uma margem de lucro “normal” quando irão formar seus preços, que está no limiar de induzir a entrada de novos concorrentes.O aumento da produtividade só poderia ser transferida para as margens dos lucros no curto prazo.No longo prazo, a margem de lucro média voltaria ao seu tamanho “normal”, do contrário estimularia a entrada de novos concorrentes no setor.
Agora, voltemos ao exemplo anterior.Digamos que os efeitos do incremento da qualidade da mão-de-obra sejam compensados de forma quantitivamente igual por contribuição negativa dos outros fatores que afetam o crescimento econômico, de modo a tornar o crescimento do PNB de um país num período igual a 0%.Veja que uma compensação negativa só contrabalança de forma integral o efeito positivo, se isto estivesse relacionado a um choque de oferta desfavorável, cujo único efeito fosse uma contribuição negativa da produtividade média dos fatores não-humanos (custo salarial unitário=W/a, se “a” diminui, então o preço aumenta, porque aumento de custo é repassado para os preços; e como salário real é W/P, então o salário real volta ao nível original).Se APENAS a contribuição do investimento em capital físico foi afetada negativamente (devido, por exemplo, a uma queda na margem de lucro causado por um aumento do grau de concorrência média), não há qualquer diminuição no aumento salarial causado pela melhor qualificação da mão-de-obra.Claro que nenhum dos dois casos extremos ocorre.Se é assim, isso por si só já suficiente para garantir que é possível reduzir a pobreza apenas com uma melhor educação, mesmo em ambiente de estagnação econômica.Não importa se esse impacto “educacional” seja muito menor que uma redistribuição de renda causado por uma melhora nas políticas sociais compensatórias.
*Fonte:
http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/Agenda%20Perdida.pdf
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes