O Estado brasileiro é benfeitor ou predador?
Para liberais, o Estado é apenas um mal "necessário". Tem de ser freado por "checks" e "balances" para não se tornar um predador. Os anarquistas chegam ao ponto de dizer, como Nietzsche, que o Estado é "o mais frio dos monstros". Entretanto, para os contaminados pela "ilusão socialista", em variados graus que vão desde o radicalismo marxista até o trabalhismo paternalista, o Estado é um benfeitor.
A rigor, o Estado é apenas uma conveniente abstração. O que existe são funcionários concretos, em carne e osso, à busca de poder e promoções. Se alguma filosofia existe no Estado brasileiro, é a do brocardo mineiro: "Para os amigos, tudo; para os inimigos, nada; para os indiferentes, a lei".
Sob uma análise comportamental, o Estado brasileiro está mais para predador do que para benfeitor. Somos hoje um paradigma negativo, em termos de distribuição de renda, das mais desiguais do mundo. Verifica-se que, na raiz dessa desigualdade, estão dois fatores: a inflação crônica [atualmente reprimida pelos juros absurdos] e a carência de educação básica, ambas de responsabilidade do Estado. O primeiro, tributa desproporcionalmente os pobres; o segundo, encurta-lhes o horizonte de oportunidades. Não somos vítimas da exploração capitalista e sim da incompetência dirigista.
Consideremos quatro exemplos concretos do Estado com face supostamente benigna e comportamento predador. O primeiro é o da Previdência Social pública e compulsória, INSS. Este não cumpre nenhum dos três objetivos que se poderiam esperar de um bom sistema de seguridade social: redistribuir renda em benefício dos mais pobres, prover aposentadoria decente para a massa trabalhadora e financiar o desenvolvimento. O sistema é uma caçamba de injustiças que alguns já chamaram de "solidariedade invertida". Grupos de pressão, politicamente organizados, conseguem aposentadorias precoces e especiais muito superiores ao valor das contribuições.
O INSS é antidemocrático, porque priva o cidadão do direito de administrar sua poupança previdenciária; é anti-social, porque transfere renda dos pobres para a classe média politicamente vocal; é antidesenvolvimentista, pois não acumula poupanças para a alavancagem do desenvolvimento. Além de tudo, obriga aquelas empresas que são socialmente conscientes a um duplo encargo: pagar ao INSS e montar esquemas próprios de seguridade e saúde, agravando o custo Brasil.
Tomemos um outro exemplo. A monopolização virtual, a partir de 1972 (confirmada pela Constituição de 1988), do sistema de telecomunicações, teve como uma de suas justificativas a necessidade de assegurar a universalização dos serviços. A Telebrás exerceria uma "função social", contrariamente às empresas privadas que buscam o lucro. (Há aqui um equívoco, pois as empresas privadas, para ter lucros, precisam angariar mercados e satisfazer os consumidores).
Qual o resultado? A Telebrás, além de estelionatária (pois arrecadava dinheiro sem cumprir prazo de entrega, obrigando os usuários a recorrerem ao mercado negro), tornou-se uma organização profundamente elitista. 83% dos terminais pertenciam às classes A e B. A massificação do acesso ao telefone só começou após a privatização. Hoje, artesãos, pequenos comerciantes e até camelôs dispõem de acesso ao celular.
Um terceiro exemplo é o da universidade pública gratuita. Como 70% de seus alunos provêm de classes médias e abastadas, únicas que podem pagar boas escolas secundárias e cursinhos de treinamento, a gratuidade universitária é muito mais elitista que democrática. Poucos pobres chegam lá, pois o ensino secundário público é inexistente ou inadequado. Na verdade, a universidade pública gratuita é um subsídio às avessas, privilegiando mais os afluentes que os necessitados.
A solução racional e democrática seria o ensino universitário pago, complementado com bolsas de estudo (ou crédito educativo) para estudantes com insuficiência econômica e suficiência acadêmica. Os recursos economizados com abolição da gratuidade seriam direcionados ao programa de bolsas e ao reforço do ensino fundamental e médio. É, aliás, o que foi previsto na Constituição de 1967, que permaneceu letra morta por falta de lei complementar.
O último exemplo é o de águas e esgotos. Supostamente bem intencionadas e com motivação social, as empresas oficiais de água e esgoto cuidariam de torná-los acessíveis às classes mais pobres. No entanto, não é isso que acontece. Mal administradas, com excesso de lotação de pessoal e excesso de remuneração dos dirigentes, as empresas públicas de saneamento são candidatas à falência. A melhor perspectiva de solução está na privatização, porque, para não ter déficit, as empresas privadas têm que continuamente buscar a ampliação de mercado, isto é, atender o maior número possível se quiserem ter lucro.
A experiência pública brasileira expõe algumas conclusões que, a julgar pelos estudos do Banco Mundial, são também aplicáveis à maioria dos países subdesenvolvidos:- as empresas de serviço público se preocupam mais com seus funcionários do que com seus usuários;- a vantagem da empresa privada é que, para sobreviver, tem de continuamente ampliar o mercado. E é mais contestável que a empresa pública em caso de insatisfação do consumidor;- as empresas públicas sofrem de duas descontinuidades: a descontinuidade administrativa e a descontinuidade de investimento.
O paradoxo do populismo socializante é que sua retórica é benemerente, e seu comportamento prático é elitista. O Estado benfeitor do presente é no fundo um predador latente.
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