Cidades Instantâneas

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Joe
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Mensagem por Joe »

Passados dois meses, a mulher levou o bebê de volta à sua província natal, Guizhou. Na estação do trem em Guiyang, duas mulheres aproximaram-se dela e ofereceram-lhe carona. Levaram-na até uma minivan, onde havia dois homens. Ao saírem da cidade, ela notou um cheiro forte de produto químico e sentiu-se desorientada. A próxima coisa de que se lembra é de ter sido roubada: 120 dólares em dinheiro, seu celular e seus brincos. Depois disso, o bebê ficou anormalmente sonolento, e a mãe telefonou em pânico para o Mecânico Luo. Ele dissera-lhe para dar banho na criança imediatamente. Felizmente, desde então, o bebê parece sadio. Ainda não completara 4 meses e já vivera numa fábrica, servira de peão em negociações salariais, fora drogado e assaltado. O Mecânico Luo dera-lhe o nome de Wen, "culto", pois sonhava ver o filho tornar-se um homem instruído.

Diferença de 3 dólares
A garota de 15 anos contratada pela fábrica abandonara os estudos depois da sétima série porque sua família precisava de dinheiro. Ninguém na fábrica parecia incomodar-se por ela ter usado o nome da irmã mais velha. Na China, onde a idade mínima legal para trabalhar é 16 anos, é comum trabalhadores registrarem-se com documento falso. A irmã acabou indo trabalhar lá também, assim como o pai. O sobrenome deles era Tao, e haviam migrado da província de Anhui. Em contraste com a maioria dos empregados, não moravam no alojamento, e sim num quarto alugado perto da fábrica. Nos meses de verão, a fábrica beirou a falência, os Tao raras vezes foram chamados para trabalhar. Mas por fim a corte feita pelo Chefe Wang aos clientes começou a compensar. Em agosto, a fábrica tinha cinco compradores constantes. Em setembro, 11 meses depois de a fábrica ter sido projetada, obteve seu primeiro lucro mensal. Em outubro, os negócios estavam de vento em popa, e os Tao trabalhavam longas horas diárias.

A irmã mais velha classificava argolas na linha de montagem da Máquina, e a de 15 anos, Yufeng, manejava os fios metálicos. Punha os fios curvos numa espiral que era mandada para um aquecedor industrial. Era trabalho pago por peça, e em um dia produtivo Yufeng podia acabar 30 mil fios, recebendo 7,50 dólares. Ela era rápida, confiável e segura de si. Enfrentava o Chefe Wang como ninguém. Uma noite, quando uma colega comemorou seu 16o aniversário, Yufeng usou a ocasião para forçar seu supervisor a beber. Ela ia tomando Sprite e incitando o homem a entornar cerveja Double Deer, aos gritos de: "Beba! Beba!" Pediu a mim e aos outros homens à mesa: "Brindem a ele! Quero que fique bêbado, assim não precisarei trabalhar duro amanhã!"

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Joe
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A exemplo da irmã, Yufeng entregava aos pais tudo o que ganhava. Seu sonho era um dia abrir uma fábrica de calçados. Disse-me que, se fosse bem-sucedida, construiria uma casa de três andares no vilarejo de seus avós. Quando lhe perguntei sobre os avós, ela ficou de olhos marejados. Não perguntei mais.

Em novembro, a Máquina estava produzindo 100 mil argolas por dia, e os chefes haviam instalado uma linha de montagem maior para os fios metálicos internos. Porém, como todos em Lishui, eles haviam apostado no crescimento rápido, e esperavam aumentar a força de trabalho para 60 empregados no fim do primeiro ano. Só tinham 20 por enquanto, e o prédio era três vezes maior que o necessário. "Ainda é muito cedo", Wang resmungou quando perguntei sobre o desenvolvimento de Lishui. "Toda a vez que precisamos de alguma peça ou de qualquer coisa para a Máquina, temos de ir até Wenzhou."

Naquele mês os chefes decidiram transferir a fábrica. Resolveram de supetão, sem consultar o Mecânico Luo ou qualquer outro. Gao encontrou dois prédios disponíveis nos pântanos ao norte de Wenzhou. Foram consultar o especialista em feng shui. Seu conselho foi inequívoco: 28 de novembro era também o oitavo dia do mês lunar, e não há nada melhor que dois números 8.

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Joe
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A maioria dos empregados decidiu mudar junto com a fábrica. Mas para os Tao a situação se complicou. A mãe tinha uma pequena mercearia nas proximidades, e o filho mais novo cursava uma escola secundária local. Se o pai e as filhas mantivessem seus empregos, a família dividiria-se. Na fábrica, a decisão virou assunto de debates diários.

- Você, a esta altura, já deveria ser independente - disse o Mecânico Luo a Yufeng durante um almoço. - Você não tem conta em banco, tem?
- Não - respondeu ela. - Ainda entrego todo o meu dinheiro aos meus pais. Eles precisam da minha ajuda.
- Ajudará mais se você for independente.

Depois caçoou dela, dizendo que saíra de casa com apenas 6 dólares no bolso quando garoto. Pelo modo como falava, parecia que Yufeng era apenas mais uma dessas meninas superprotegidas que trabalham 50 horas por semana numa linha de montagem. Mas o pai não quis deixar a decisão para as filhas. Fez pé firme e disse que partiriam juntos - mas só se o salário fosse negociado.

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Joe
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Na noite da véspera da mudança, os chefes finalmente ofereceram um aumento. O pai pediu mais; os chefes relutaram. Ninguém queria conversar face a face; por isso o Mecânico Luo levava as mensagens de um ao outro. Às 8 horas ele foi ao quarto de paredes de barro dos Tao. As moças saíram; os homens acenderam cigarros West Lake. O pai disse: "Não estou disposto a mudar se eles não fizerem valer a pena". "Eu sei", replicou o Mecânico Luo. "Eu também não estou com disposição para treinar novos empregados." A mãe opinou: "Talvez seja melhor mandá-las trabalhar numa fábrica de calçados."

Ele exigiu o mesmo salário para todos: 127 dólares garantidos por mês mais as horas extras e 6 dólares de ajuda de custo. O Mecânico Luo levou o recado aos chefes, que cortaram a ajuda de custo pela metade, uma diferença de 3 dólares. O pai não deu resposta, e a oferta continuava na mesa quando a noite terminou.

Um bom futuro à espera
Naquele outono, Lishuy solicitou o acréscimo de 35 quilômetros quadrados para a Zona de Desenvolvimento. O progresso era a nova realidade. A expansão demandaria um investimento de quase 900 milhões de dólares, a maior parte proveniente de empréstimos bancários. Planejavam dobrar a população da cidade até 2020. Para atender à crescente demanda por energia, estava sendo construída a represa de Tankeng, nas montanhas ao sul de Lishui. Por isso, 50 mil pessoas estavam sendo realocadas de dez cidades e 80 vilarejos. Assisti à evacuação final de Beishan, a maior cidade, em 25 de outubro de 2005 - data auspiciosa, segundo os especialistas em feng shui. Havia dias propícios para tudo, até para abandonar a cidade natal. As famílias abarrotaram caminhões basculantes com sua mobília e os descarregaram em oito novas comunidades ainda em construção. Em Youzhou, Chen Quiaomei contou-me que tivera dificuldade para encontrar seu apartamento, ainda sem janelas. "Parecem todos iguais!", reclamou ela.

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Joe
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Quando conversei com o diretor Wang sobre os planos de expandir a zona fabril de Lishui, ele admitiu que estava cada vez mais difícil obter aprovação para projetos assim. O governo central receava uma bolha no mercado imobiliário, mas ele, Wang, continuava confiante. "Estamos propondo uma área de desenvolvimento onde a terra não é boa para a agricultura", explicou.

Na parede de seu escritório havia um mapa da expansão proposta: futuras estradas, quarteirões industriais, rede de água. "Teremos de remover mais de 400 montanhas e montes", disse ele. Convidou-me a voltar em janeiro, quando seu filho estaria em casa, de férias. O filho daquele ex-condutor de tanque estava na Universidade de Auckland, estudando finanças internacionais.

Fantasmas da fábrica
Transferiram a fábrica de argolas de sutiã em um dia. Os chefes alugaram uma empilhadeira, quatro caminhões basculantes e sete homens. O Mecânico Luo desmontou a Máquina em três partes. As argolas de sutiã acabadas foram empacotadas em 94 caixas. Removeram tudo o que tinha algum valor, incluindo o carpete e as lâmpadas. Um ano antes, haviam encomendado portas de 10 dólares, e agora as tiravam dos gonzos.

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Joe
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Às 3 horas, as irmãs Tao chegaram de malas prontas. O pai tinha encontrado um emprego mais bem pago em uma fábrica próxima, que produzia couro sintético. Arranjara o trabalho dias antes, em segredo. Sua insistência em ficar com as filhas fora uma manobra da negociação. Não houve lágrimas no portão da fábrica. A última coisa que o pai disse foi: "Vocês precisam se agasalhar. Vai esfriar e, se não tiverem cuidado, vocês vão adoecer, terão de gastar dinheiro com remédios. Por isso, se agasalhem, ok? Adeus".

Dois dias depois, fui à Zona de Desenvolvimento, passando por fileiras de outdoors prontos: Amway, Estruturas de Aço Haishun, Ganchos de Aço Fengchang. A ex-fábrica Yashun estava destrancada. Lá dentro, argolas de sutiã juncavam o chão, entortadas, sujas, quebradas. Havia maços de cigarro amassados, rolos de fita adesiva usados. Um saco vazio de fraldas descartáveis. Um calendário de parede congelado em 22 de novembro. Um amuleto de boa sorte com o rosto de Mao Tsé-tung de um lado e um bodhisattva do outro. E em todo o alojamento, nas paredes brancas de gesso, as inscrições acumuladas por meses. Ao lado de sua cama, um operário listara números de combinações vencedoras de loteria. Outro escrevera: "Encontre o sucesso imediatamente". Outros grafitaram: "Reflita sobre o passado, leve em conta o futuro"; "Seja feliz a cada dia! Um novo dia começa a partir de agora!"; "Enfrente o futuro de peito aberto!"; "É possível ter sucesso em qualquer lugar. Juro que não voltarei para minha terra enquanto não for famoso".

Um vento frio batia nas janelas. Lá fora, era possível ouvir as fábricas vizinhas - o estrépito da produção de vidro, o estertor de moldes de plástico, o silvo pneumático da produção de aquecedores de água. Mas não havia nem um único som humano, apenas as vozes silenciosas nas paredes da fábrica abandonada.

Fonte: http://nationalgeographic.abril.com.br/ ... 786.shtml#

Apocaliptica

Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por Apocaliptica »

São mesmo...

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Joe
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Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por Joe »

Olha, para mim a China é um exemplo das mais promissoras cidades a qual produz cidades instantâneas, porém como eu vejo um enfoque muito grande para a engenharia civil e ela requer leis ambientais, o próprio país degrada-se em uma emissão grande de impactos no solo, gases poluente na produção dessas cidades a curto prazo, sem dúvida é um avanço.


A questão esta muito ligada a geografia, mas o texto friza bem o que eu quero passar, sem mais palavras.

Apocaliptica

Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por Apocaliptica »

Não entendi o que tem a ver com os Engenheiros....

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Joe
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Re: Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por Joe »

Apocaliptica escreveu:Não entendi o que tem a ver com os Engenheiros....


As leis ambientais e a relação que a china faz com as construções. Nem tudo é calculo.

Apocaliptica

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Mensagem por Apocaliptica »

Hum...

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Shanaista
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Re: Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por Shanaista »

Apocaliptica escreveu:
Usuário deletado escreveu:Posta tudo de uma vez, essas postagens fragmentadas são chatas de ler.

São mesmo...

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w ! g
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Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por w ! g »

se forem vários Post, até parece que não há muito para ler

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manoelmac
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Re.: Cidades Instantâneas

Mensagem por manoelmac »

depois eu leio!... :emoticon13:
Manoel Machado Henriques

"...A razão de um povo inteiro, leva tempo a construir..."

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(Pedro Ayres Magalhães - As Brumas do Futuro)

Trancado