Nossa porção animal

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Res Cogitans
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Nossa porção animal

Mensagem por Res Cogitans »

Nossa porção animal

Para primatologista, os humanos têm tanto o instinto assassino dos chimpanzés quanto o lado paz-e-amor dos macacos bonobos

Alexandre Mansur


As melhores pistas sobre a verdadeira natureza humana podem ser fornecidas pelos parentes mais próximos. As referências são duas espécies de macacos africanos, tão distintos quanto água e vinho. De um lado, os guerreiros chimpanzés, que formam bandos dominados por um macho e constroem complexos jogos políticos de aliança, traição e assassinatos. Do outro estão os bonobos, os autênticos hippies do mundo animal. Eles já foram batizados de macacos gays pela freqüência de contatos homossexuais. Mas trata-se, na verdade, de uma espécie totalmente bissexual e promíscua, que vive um matriarcado em que as disputas são decididas de forma pacífica. 'Somos uma mistura dos dois', defende o holandês Frans de Waal, um dos mais respeitados especialistas em primatas do mundo, em seu livro Our Inner Ape (Nosso Macaco Interior), que sairá no ano que vem pela Companhia das Letras.



Frans de Waal


Dados pessoais
Nascido em s-Hertogenbosch,
na Holanda, em 1948. Vive em Atlanta, nos EUA, desde 1981. Casado

Carreira
Professor da Emory University, na Geórgia

Livros
Chimpanzee Politics (Política Chimpanzé) e Peacemaking among Primates (Negociações de Paz entre Primatas), premiado com o Los Angeles Times Book Award

Foto: Cathrine Marin/divulgação


ÉPOCA - Por que os macacos seriam importantes para entender nossa verdadeira natureza?
Frans de Waal - Porque somos macacos. Talvez alguns leitores não concordem com isso. Mas fazemos parte do grupo dos pongídeos, que também inclui os chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos e gibões. São primatas com cérebro maior, postura ereta, sem cauda, com habilidade para fazer ferramentas. Esses macacos são nossos parentes mais próximos. Tanto que é difícil para os biólogos distinguir esses macacos de nós a partir de características anatômicas e DNA. Temos algumas diferenças, mas a maior parte de nosso comportamento é bem semelhante. Além disso, tudo o que temos para imaginar como seriam os homens pré-históricos são fósseis. O comportamento não fossiliza. É por isso que as especulações sobre como eram os humanos na Pré-História geralmente se baseiam no conhecimento de outros primatas.

ÉPOCA - Quais comportamentos são semelhantes entre humanos e macacos?
Waal - É mais fácil perguntar quais são as diferenças. Quase tudo o que descrevemos como características humanas - amor, medo, cooperação, poder, reconciliação e imaginação - existe entre esses macacos. A grande diferença é a nossa capacidade de linguagem. Ela nos abriu várias outras possibilidades, como transmissão de conhecimento e hábitos. Alguns macacos podem ser treinados para entender alguns aspectos de linguagem, mas nenhum deles pode falar como nós. A outra diferença é que temos famílias nucleares. São estruturas sociais em que os machos estão envolvidos na criação dos filhos. Isso é único entre esses grandes primatas.

ÉPOCA - Nossa estrutura familiar é cultural ou fruto da natureza?
Waal - É parte de nossa herança biológica. Isso fica claro pela pequena diferença de tamanho entre homens e mulheres, o que sugere uma relação de poder mais igualitária. Os testículos do homem também são relativamente menores que entre outros machos de primatas. Isso indica que há pouca competição por quem libera mais esperma na cópula com as fêmeas. Também temos hormônios que estimulam sentimentos de apego e amor, que são típicos de espécies que formam casais. Isso também acontece em espécies de aves, como pingüins e cisnes.

'' Temos tendências agressivas, como os chimpanzés. Mas também sabemos construir uma sociedade baseada na cooperação e em relações de troca, como os bonobos ''
ÉPOCA - É verdade que apenas um verniz civilizatório controla nossa natureza agressiva?
Waal - Temos uma tendência de atribuir os comportamentos negativos, como crimes brutais, a instintos da natureza. Dizemos que agimos como animais. Por outro lado, nossas características positivas, como altruísmo e empatia, são tidas como humanas. Mas o estudo dos macacos revela que todos esses tipos de comportamento são ancestrais nos primatas. Outra teoria em voga afirma que nossa agressividade é uma novidade. Argumenta-se que os humanos são os únicos que matam os membros da própria espécie. Como se não tivéssemos nosso instinto assassino sob controle, como ocorreria com outros predadores mais profissionais, como leões. Isso não se sustenta diante das evidências. Quando um gorila assume a liderança de um bando, ele persegue as fêmeas e mata os filhotes do antecessor. É comum chimpanzés machos fazerem alianças para matar outros na intrincada luta pelo poder dentro do grupo.

ÉPOCA - Faz sentido comparar os humanos com espécies tidas como primitivas?
Waal - Em termos biológicos, os macacos atuais são tão modernos quanto nós. Tivemos um ancestral em comum há cerca de 5,5 milhões de anos e, de lá para cá, tanto os macacos quanto os hominídeos evoluíram em paralelo. O que acontece é que provavelmente eles mudaram menos que nós, principalmente em inteligência. Uma vez que os humanos desceram das árvores, aprenderam a andar sobre duas pernas e desenvolveram um cérebro maior. Não sabemos qual espécie atual é mais próxima de nosso ancestral comum com os macacos. Mas provavelmente serão os chimpanzés e os bonobos.

ÉPOCA - O que partilhamos com essas espécies?
Waal - Provavelmente possuímos um pouco de cada um dos dois, tanto chimpanzés quanto bonobos. Temos tendências agressivas e territorialistas, como os chimpanzés. Mas também sabemos construir uma sociedade baseada na cooperação e em boas relações de troca, como os bonobos.

ÉPOCA - Os ancestrais humanos não tinham hábitos agressivos?
Waal - Não há evidência que tenham sido tão violentos quanto os humanos nos últimos milênios. De um ponto de vista evolucionário, esse último período histórico, de guerras e conquistas, é irrelevante. O que interessa é que, durante milhões de anos, nossos ancestrais devem ter levado uma vida pacífica em grupos pequenos de caçadores-coletores, com pouca necessidade de brigar entre si, já que o mundo era pouco povoado. Se eles conquistaram o mundo, pode ter sido por seu sistema imunológico superior ou maior capacidade para conseguir comida. É raro uma espécie suplantar a outra por combate direto.

ÉPOCA - Por que os chimpanzés são tão mais estudados que os bonobos?
Waal - Para começar, porque há apenas 150 bonobos em zôos. É pouco quando se compara com os milhares de chimpanzés. Além disso, eles vivem em partes da África hoje dentro da República Democrática do Congo, um país com conflitos étnicos e guerra civil. O trabalho de campo com os bonobos, que só começou na década de 1970, tem sido impraticável recentemente. Mas há outro motivo. Os bonobos são tão pacíficos que não se encaixam nas teorias que foram construídas para justificar o comportamento humano. Elas nos enquadram como macacos assassinos. Enfatizam aspectos como guerras, violência, luta pelo poder e dominação masculina. Mas as primeiras pesquisas sobre os bonobos mostraram outro quadro. Eles são pacíficos, eróticos e têm uma estrutura de poder dominada pelas fêmeas. E isso é outro problema. Poucos pesquisadores têm coragem de abordar a sexualidade dos bonobos. Na década de 1990, cinegrafistas britânicos foram às florestas mais remotas da África para filmar os macacos. Mas desligavam a câmera toda vez que uma cena embaraçosa aparecia no visor.

ÉPOCA - A característica mais famosa dos bonobos é freqüência de relações entre indivíduos do mesmo sexo. Eles são gays?
Waal - Esse termo não é correto porque soa como se a espécie tivesse alguma preferência homossexual. Eles são mais pansexuais ou bissexuais. Têm sexo em todas as combinações. E não apenas para fins reprodutivos. Eles fazem sexo para reduzir as tensões, estabelecer amizades, fazer as pazes depois de uma briga ou simplesmente mostrar carinho. As fêmeas esfregam seus genitais umas nas outras como forma de expressar amizade e confiança. É um dos principais mecanismos de coesão social na espécie. Os machos fazem o mesmo, embora com menor freqüência. Mas não conheço nenhum bonobo que se restrinja ao sexo com membros do próprio gênero. Ao contrário, eles são promíscuos e bissexuais. Conhecem todas as posições do Kama Sutra, e mais algumas outras, como os dois parceiros pendurados em um galho, de cabeça para baixo.

ÉPOCA - Por que eles são tão promíscuos?
Waal - Uma das características mais interessantes do erotismo entre os bonobos é que o sexo está totalmente integrado à vida social. Enquanto nós usamos apertos de mão e tapinhas nas costas, os bonobos fazem cumprimentos genitais. Uma cena que ilustra isso foi filmada por nós num parque de animais, próximo de San Diego, na Califórnia. O grupo de macacos tinha acabado de receber comida. Mas uma das fêmeas, batizada de Leonore, não se aproximava porque não se dava bem com um dos machos do grupo. Percebendo isso, Loretta, a fêmea mais velha e líder do bando, se aproximou de Leonore e esfregou os genitais no ombro dela. Leonore aceitou o carinho. Depois disso, ela foi aceita no grupo e se juntou a todos para comer.

ÉPOCA - Como é o matriarcado animal dos bonobos?
Waal - Nos grupos de bonobos, ao contrário do que ocorre entre a maioria dos primatas, não existe o chamado macho alfa, o dominante. As fêmeas mantêm o poder coletivamente. Se houver um casal numa jaula, o macho é o dominante. Mas, se outra fêmea entrar no circuito, elas passam a dividir o comando. Entre os machos também há competição por posição social. Os mais destacados ganham privilégios sexuais. Mas quem decide o status de cada macho são as fêmeas. Geralmente, os filhos das macacas bonobos que dominam o grupo são os que têm mais parceiras. Se a mãe fica doente ou perde o poder, eles caem também.

ÉPOCA - Como as fêmeas, que são menores, conseguem essa dominação sobre os machos?
Waal - Porque os machos bonobos não cooperam entre si, como ocorre com os chimpanzés e também com os humanos. Nos outros primatas, os machos estabelecem relações de alianças para conquistar e manter o poder no grupo.

ÉPOCA - O matriarcado bonobo pode indicar algo sobre nossa natureza?
Waal - Difícil dizer. Mas provavelmente nossas origens são de sociedades com dominação masculina. Porque esse é o padrão entre os primatas. Os bonobos são uma exceção. Sei que algumas militantes feministas gostariam que fosse diferente. Mas não há nenhuma evidência de que os ancestrais humanos tenham tido uma fase de dominação feminina, como os bonobos. Apesar das semelhanças na proporção corporal entre machos e fêmeas. Entre os gorilas e orangotangos, as fêmeas têm apenas 50% do tamanho dos machos. Entre os chimpanzés, elas têm 80% do tamanho deles. Já entre os bonobos e humanos, a diferença é ainda menor: as fêmeas têm 85% do tamanho dos machos. Apesar disso, a estrutura familiar dos humanos não se compara à dos bonobos. Eles são uma sociedade sexualmente promíscua. Todos os machos e fêmeas podem ter relações sexuais entre si. Um macho nunca sabe se o filhote é seu, já que aquela fêmea copulou com vários outros. E essa é a defesa dela contra qualquer idéia de infanticídio. Já os humanos se estruturam com famílias nucleares. Seja com monogamia ou poligamia, os machos estão envolvidos na criação dos filhos.

ÉPOCA - Por que os humanos seguiram esse caminho?
Waal - Ao contrário dos macacos, que permaneceram nas florestas, nossos ancestrais tiveram de se adaptar ao ambiente descampado, seco e hostil das savanas. Ali, eles eram presa fácil para hienas e dez espécies de felinos. As fêmeas com crianças eram as mais vulneráveis. Nunca se aventurariam para longe das florestas sem a proteção masculina. Talvez bandos de machos defendessem o grupo nas emergências. Mas isso nunca funcionaria se tivéssemos mantido os sistemas sociais dos bonobos ou chimpanzés. Com um macho dominante, tipo chimpanzé, os outros não cooperariam. E, com a promiscuidade bonobo, nenhum macho teria grande compromisso de defender os filhotes. A sociedade precisou mudar. Não é por acaso que os humanos se apaixonam, sentem ciúme, vergonha e valorizam a privacidade. A relação íntima entre macho e fêmea se desenvolveu naquele período de saída das florestas e ficou gravada em nossos ossos. Acho que isso é o que mais nos diferencia dos outros macacos.

ÉPOCA - Como nossa família nuclear teria surgido?
Waal - Especula-se que o arranjo surgiu a partir de uma tendência dos machos de acompanharem as fêmeas que se acasalaram com eles. Isso para manter os rivais infanticidas a distância. Em troca, a fêmea ajudaria na coleta de alimentos e na confecção de instrumentos. E ofereceria sexo para evitar que o macho fugisse com a primeira fêmea que passasse. O sistema ficou cada vez mais importante à medida que o macho sabia que os filhotes eram dele. O resultado disso foi que a população de humanos explodiu, e a das outras espécies de macacos não. Uma fêmea de chimpanzé tem filhote a cada seis anos. Entre os bonobos, o intervalo é de quatro anos, o menor entre os grandes primatas. As fêmeas geralmente têm de carregar um bebê agarrado no peito e um filhote maior nas costas. Sem ajuda do macho. Já entre os humanos, a participação masculina facilita as coisas, desde que ele acredite que os filhos são dele. Boa parte das restrições morais adotadas por nossa sociedade foi feita para manter essa ordem familiar.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Claudio Loredo
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Re.: Nossa porção animal

Mensagem por Claudio Loredo »

Esses bonobos são um bando de comunistas depravados.

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Najma
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Re.: Nossa porção animal

Mensagem por Najma »

:emoticon5:

Nossa, Claudio...

E o que os Bonobos têm a ver com os comunas e com depravação?
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Claudio Loredo
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Re.: Nossa porção animal

Mensagem por Claudio Loredo »

Eu estava elogiando eles pelo fato deles compartilharem tudo. :emoticon1:

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Najma
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Re: Re.: Nossa porção animal

Mensagem por Najma »

Claudio Loredo escreveu:Eu estava elogiando eles pelo fato deles compartilharem tudo. :emoticon1:


:emoticon4:

Então está bem...

Os bonobos são mesmo fascinantes. Pena que nosso grupo humano não descende de primatas assim. :emoticon16:

Beijos
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