Em Brasília, o auge do poder de ACM
Quatorze presidentes. Do governo de Juscelino Kubitschek ao de Luiz Inácio Lula da Silva, as artimanhas de Antonio Carlos Magalhães pincelaram, em cinco décadas de vida pública, a imagem de um político imune a trocas de governos. Sem reinventar-se, sobreviveu a mudanças de regimes políticos. Apoiou dez presidentes e fez oposição a quatro (Jânio Quadros, João Goulart, Itamar Franco e Lula). Com a carreira impulsionada na ditadura militar, só alcançou o protagonismo depois do reestabelecimento da democracia.
Veja também:
» "Por favor, não me deixem morrer", pedia ACM
Eleito deputado federal em 1958, manteve laços afetivos com Juscelino, amparado nas relações deste com seu pai, Magalhães Neto, ao tempo da Constituinte de 1934. Apesar da idade - ultrapassava os 30 anos -, vinculou-se à Banda de Música da UDN (União Democrática Nacional), ala conservadora do partido que se opunha a JK, onde gorjeavam lideranças como Octávio Mangabeira e Aliomar Baleeiro. Até a eclosão do golpe, seria um deputado obscuro.
Na convenção da UDN, em 1959, apoiou a candidatura de Juracy Magalhães, mas terminou atropelado pela vassoura e pelos tremeliques de Jânio Quadros. Em Salvador, Jânio cobrou seu engajamento na campanha. Rosto colado, declarou-se: "Antonio, meu bem, nosso casamento é de véu e grinalda!". Não era. ACM preferiu ficar no campo da oposição.
Depois da renúncia de Jânio, em 1961, integrou a conspiração contra João Goulart e apoiou o golpe de 1964. A partir de então, seu vínculo com o governo central subiu de patamar, consolidando sua força política na Bahia. Mantinha canais de diálogo com Juscelino e Castelo Branco. Em junho de 64, recebeu a missão espinhosa de informar JK sobre sua cassação, que representava uma quebra do acordo firmado com Castelo e o início de seu ostracismo.
Na conversa telefônica, o ex-presidente xingou Castelo. ACM defendeu o amigo. A conversa era gravada pelo recém-criado SNI (Serviço Nacional de Informação). No relato de Elio Gaspari, em "A Ditadura Envergonhada", Castelo agradeceu a defesa e deu a entender que tivera acesso à gravação. Episódio mais representativo é o de sua nomeação a prefeito de Salvador, em 1967. Por temer que Costa e Silva vetasse o nome de ACM, Castelo antecipou a portaria. Antes disso, tentara emparedar, sem sucesso, a candidatura do ministro da Guerra. Uma das estratégias era exigir a demissão coletiva dos ministros que pretendiam ser candidatos em 1966 - entre eles, Costa e Silva. O chefe da Casa Civil, Luiz Viana Filho, seria o primeiro a sair. Percebendo o risco da manobra, que poderia comprometer a candidatura de Viana ao governo da Bahia, ACM foi até o chefe do SNI, Golbery do Couto e Silva, em 6 de março de 1966.
Na conversa, Golbery se convenceu da vitória de Costa e Silva - o sacrifício de Luiz Viana seria desnecessário. E arrematou o papo com uma frase que ficaria famosa: "Salve-se a Bahia, f... o Brasil!". Salvou-se Viana. Permaneceu ministro e virou governador biônico. Foi sucedido por ACM, ungido pelo ditador Médici, em 1970.
Mas, localmente, ACM perderia a ascendência sobre o sucessor, Roberto Santos (1975-1979), filho do seu antigo protetor, Edgard Santos. Divergências internas na Arena, partido de sustentação da ditadura, contribuíram para o afastamento. Não reatariam. Mas a eleição indireta de Ernesto Geisel, em janeiro de 1974, retirou-o do ostracismo: ganhou a presidência da estatal Eletrobrás. Em 1978, voltou a ser governador do estado da Bahia.
Pela primeira vez, um presidente lhe faria reservas pessoais - o general João Figueiredo (1979-1985). Em entrevista ao jornalista Hélio Contreiras, Figueiredo chegou a declarar: "Nunca confiei em bajuladores como Antonio Carlos Magalhães, um dos mais vitoriosos carreiristas deste País". Havia motivos para o duro julgamento. Em 1985, derrotado na convenção do PDS, que escolheu Paulo Maluf candidato a presidente, ACM abandonou a base governista e ajudou a tecer uma coalizão da Frente Liberal com o PMDB em torno de Tancredo Neves. Venceu com Tancredo no Colégio Eleitoral. Contrariando as expectativas dos opositores, encontrou na democracia o auge do poder. Soube ler o vento.
Leitor de almas
Com a redemocratização do País, na década de 80, ACM passou a ler as almas dos presidentes civis. Em março de 1985, na posse interina de José Sarney (1985-1990), cumprimentou o presidente com frieza. Mas se tornou influente ministro das Comunicações e usou a concessão de canais de rádios e televisões como moeda política.
No curto governo Fernando Collor (1990-1992), integrou a base de sustentação e ficou contra o impeachment do presidente. Em virtude desse apoio, amargou na Bahia um refluxo político. Sucessor de Collor, Itamar Franco só lhe abriu as portas do Planalto para desconstruir sua imagem de criador de dossiê. Sobraçando uma de suas pastas, marcou audiência com o presidente para denunciar os focos de corrupção no governo. Itamar liberou o acesso da imprensa e ACM encurtou a conversa. Blefava. Como vingança, lançou ao ex-anfitrião o epíteto de "estadista de arrabalde".
A composição PSDB-PFL trouxe a aura de "eminência parda" de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Na eleição de 1994,o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL), filho de ACM, foi indicado para ser vice de FHC. Tucanos vetaram a manobra, mas não estancaram a dependência ao PFL. O PFL de ACM. Eleito presidente do Congresso Nacional, demonstrava poder por meio do controle do Legislativo. Tinha a maior bancada pessoal, em 1998: 26 dos 39 deputados federais baianos. Não foi dos aliados mais doces para FHC, alvo de pressões e ameaças veladas.
Em seu livro de memórias, "A arte da política", o ex-presidente registra que, na crise do Banco Econômico, em 1995, quando ACM tentou salvar o grupo baiano, ficou claro o "embate entre dois mundos: um, do mandonismo local e da fidelidade à região, e outro, baseado em uma concepção racional-legal, tendo em vista os interesses gerais do País". Romperam em 2001, no rastro da briga entre ACM e Jader Barbalho.
Apesar de ter apoiado Lula, no segundo turno das eleições 2002, seu trânsito no governo petista não se aprofundou. Foi apoiado pelo PT federal no escândalo dos grampos telefônicos, na Bahia, porém logo retornou à oposição. Depois de longa troca de farpas, reuniu-se com o presidente, em abril de 2007, para um café da manhã. Outros tempos: ao fim, Lula lhe estendeu a mão para que se levantasse do sofá.