
Diretora da ANAC, relaxando fumando um charuto. Quanto aos passageiros que sofrem com o caos aéreo...
por João Luiz Mauad em 27 de julho de 2007
Resumo: O melhor exemplo do estado de "salve-se quem puder" entre os membros do governo após o acidente em Congonhas foi dado por Denise Abreu, diretora da ANAC, em entrevista à Folha de S. Paulo. Segundo ela, pelo fato de o acidente não ter ocorrido no ar, ele não tem nada a ver com o sistema aéreo, como se o tráfego aéreo estivesse funcionando muito bem no país.
Em menos de uma semana, após o trágico acidente com o jato da TAM, as autoridades brasileiras já se envolveram em tantas trapalhadas, já deram tantas demonstrações de escárnio e desapreço pela verdade, que já começo a temer pelo pior. Essa gente não tem qualquer preparo para, sequer, tomar conta de uma birosca em beira de estrada. Eu não os contrataria nem para a zeladoria do meu prédio, quanto mais para zelar pela segurança de milhares e milhares de pessoas que, diariamente, utilizam o transporte aéreo brasileiro.
Primeiro foi a inoperância. Durante as primeiras 48 horas, pareciam todos, desde o Presidente da República, até o mais inferior subalterno, em estado de total catatonia. Não apareceu ninguém para dar qualquer informação oficial às famílias das vítimas e à população em geral. Quando, finalmente, deram as caras, batiam cabeça e nada mais faziam senão tentar empurrar responsabilidades entre si ou jogar sobre as costas da empresa aérea todas as culpas. O melhor exemplo deste estado de "salve-se quem puder" foi dado pela senhora Denise Abreu, diretora da ANAC, em entrevista à Folha de São Paulo, domingo. Perguntada pelo repórter por que a entidade que dirige não tomou medidas antes do acidente de Congonhas, a ilustre autoridade saiu-se com esta:
"Deixa eu te falar uma coisa: o acidente não foi no ar. Ninguém bateu no ar, tá? Então o acidente não tem nada a ver com o número de vôos em Congonhas. Vocês estão confundindo. O acidente é o acidente. O sistema aéreo é o sistema aéreo. Se "linkar" uma coisa à outra, fica um pouco difícil de discutir, né? Não tem nada a ver, nada a ver, "linkar" tráfego aéreo com o acidente."
Viram? O acidente "não foi no ar, ninguém bateu no ar", logo "não tem nada a ver o acidente com o tráfego aéreo". Não, senhores, eu não inventei isto. Está transcrito exatamente como foi dito. Quem não leu pode ir à Folha conferir. Além da arrogância dos poderosos petistas, a resposta é de uma... deixa pra lá. Nem o mais estúpido dos alunos da famosa Escolinha do Professor Raimundo diria algo tão disparatado.
Uns dias antes, "este país" assistiu, perplexo, a uma das cenas mais abjetas de que se tem notícia nesta terra abençoada. Numa mistura de fanfarronice, histrionismo e amoralidade, o senhor Marco Aurélio Garcia, coadjuvado por um de seus mais chegados assessores, mostrou-nos, em rede nacional de TV, todo o seu apreço pelo poder, bem como o mais profundo desapreço pela vida humana. Filmado pela TV Globo no momento em que o Jornal Nacional noticiava que o reverso de uma das turbinas não estava operante no momento do pouso, o indigitado tomou o fato como prova cabal e incontestável de que o governo petista não tem nada com o assunto e encenou, junto com seu assecla, aquela que já se convencionou chamar de "a dança da fudelança petralha". Simplesmente dantesco!
Na sexta-feira, ainda sem que o Ministro da Defesa tivesse se dignado a dar as caras, seus subordinados do Alto Comando (petista) da Aeronáutica, certamente alheios ao clima de revolta e consternação a sua volta, tocavam a rotina, afinal o show tinha que continuar. Em solenidade pública cercada de rapapés, concederam a Medalha do Mérito Aeronáutico, por serviços prestados (?), aos eficientíssimos diretores da ANAC, dentre eles a senhora Denise Abreu. Santos Dumont, cujo rosto está estampado na medalha, deve estar revirado-se no túmulo até agora.
Já o comandante em chefe da petralhada, aquele que só gosta de aplausos e foge das vaias como o diabo da cruz, depois de passar 72 horas em total recolhimento, sem se dignar a aparecer em São Paulo para confortar as famílias das vítimas e dar uma forcinha às equipes de resgate, foi à TV fazer um discurso protocolar, frio e vazio, cujo objetivo era exatamente levar o nada ao lugar algum. Além disso, para não sentir o dissabor das vaias, também cancelou todas as viagens programadas para as regiões sul e sudeste, preferindo o caminho do nordeste, onde certamente cairá nos braços dos seus miseráveis bolsistas.
Enquanto isso, oficiais da Força Aérea (petista) "trabalhavam" na coleta de informações vitais para o esclarecimento das causas do acidente. Como todos sabem, num acidente aéreo o principal elemento de investigação são as famosas caixas-pretas. Por alguma razão técnica, nós não temos expertise para analisá-las, razão pela qual precisam ser enviadas aos EUA (ainda bem, manos uma chance para fraudes). Pois bem: um portador levou-as no fim da semana passada e, para espanto geral, os norte-americanos mandaram dizer que um dos objetos não passava de...sucata. Sim, meus amigos, o órgão técnico do governo, especializado em investigar os acidentes aéreos, não sabe diferenciar uma caixa-preta de um pedaço de ferro retorcido. Como se diz por aí, chamam urubu de meu louro. (posso imaginar a cara dos gringos ao receber o tal pacote – que vergonha, meu Deus!).
Também no fim de semana, uma pane elétrica, derivada da barbeiragem de um mero sargento eletricista, apagou completamente os radares do CINDACTA 4, que cobre toda a região amazônica, suspendendo todos os vôos entre o Brasil e a América do Norte e deixando claro que trivialidades como níveis de segurança redundantes são impensáveis no Brasil. E seja o que Deus quiser...
E a Infraero? Ah! A Infraero, o mais cobiçado cabide de empregos da república passou os dias a gritar que a pista de pouso de Congonhas é segura. Não importa que os pilotos a tenham apelidado de "holiday on ice”, pois, segundo a alta direção daquela empresa, trata-se de uma pista moderníssima e construída dentro das normas de segurança mais rígidas. Ávidos por se livrar de quaisquer responsabilidades e cientes de que, em Pindorama, um pedaço de papel timbrado e carimbado vale mais do que mil palavras, passaram a se apoiar num certo laudo, emitido pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas – de São Paulo, como tábua de salvação. Não importa que o instituto não tenha autoridade para liberar ou interditar nada. Documento oficial é documento oficial.
Depois dessa triste, porém necessária, resenha, creio que os quatro primeiros substantivos do título estão devidamente explicados. Falta apenas o quinto: por que a solução é a privatização?
Aqueles que me lêem com alguma regularidade sabem o que penso de governos em geral e da administração pública em particular. Colocar a gerência e a operação dos aeroportos nas mãos de uma empresa pública monopolista só podia dar no que deu, pois, ao contrário de qualquer empresa privada, os administradores públicos só têm a ganhar com as crises. Enquanto os empresários perdem dinheiro com cada atraso, cada pane técnica, cada greve, o pessoal do governo esfrega as mãos, pois ali está uma baita oportunidade de conseguir açambarcar mais verbas e mais cargos. É a velha política do "quanto pior, melhor".
Quem conhece um pouco o funcionamento da administração pública, especialmente no Brasil, sabe que, normalmente, o bom gestor de recursos, o administrador eficiente que se mantém dentro do orçamento, costuma ser punido, no exercício seguinte, com cortes de verbas, enquanto outros, cuja gestão é problemática e as verbas sempre insuficientes, não raro são agraciados com dinheiro farto no ano seguinte.
Até mesmo no plano salarial, quanto maior a crise, melhor. Vejam o caso dos controladores de vôo. Enquanto um empregado do setor privado precisa mostrar serviço, produtividade e eficiência para obter melhores salários, os funcionários públicos ganham em proporção direta ao barulho que fazem e aos prejuízos que provocam para a população. Quanto maior é o problema, mais chances têm de ver suas reivindicações atendidas.
Se o excesso de demanda é o sonho dourado de qualquer empresa privada, é um pesadelo para o serviço público. Não por acaso, no lugar de tentar oferecer mais conforto e preços acessíveis aos clientes, eles desejam mesmo é livrar-se "desses chatos". Lembram qual foi uma das primeiras providências pensadas pelo governo para amenizar o caos aéreo que tomou conta do país? Reduzir o número de vôos, ora bolas. Danem-se os passageiros que ficarão sem voar ou terão que pagar preços maiores.
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