A vingança do macho beta
Ele era apenas um perdedor. Agora, o homem sensível – que cuida da casa, discute a relação e aceita até ganhar menos que a mulher – é o mais cobiçado
MARTHA MENDONÇA
Daniel Dantas, o Heitor da novela Paraíso Tropical, da TV Globo, é um dos recordistas de cartas da emissora. A maioria delas é de mulheres apaixonadas que afirmam se encantar pela mistura de ator e personagem. O ator Dantas, de 52 anos, é tímido, nunca foi galã nem protagonista. Seu personagem, Heitor, é um homem sensível, próximo às filhas, que larga um emprego estável para trabalhar na cozinha de um restaurante. Não tem medo de expressar seus sentimentos. Dantas diz que não se importa em ter feito papéis secundários nas mais de 15 novelas de que participou. Para vencer a timidez, aos 13 anos, foi fazer teatro com a desculpa de se aproximar das meninas. Agora, experimenta um assédio incomum. É abordado por fãs na rua, distribui autógrafos, posa para fotos.
Heitor é um típico macho beta. Dantas também. O termo, da biologia, significa exatamente o oposto do macho alfa, o líder de um grupo de animais. O alfa exibe sua força, valentia, coragem e é responsável por garantir a caça. São eles que costumam conquistar as melhores fêmeas do bando. O beta é o subordinado, segue os demais e não faz questão de participar das disputas masculinas. A novidade é que, agora, as mulheres parecem mais encantadas com homens beta que com os alfa. Dantas personifica à perfeição os novos homens beta que têm feito mais sucesso entre as mulheres que os tradicionais machos protetores-provedores.
Como é esse novo homem beta? Ele não teme assumir suas fraquezas, não liga para poder ou aparência e é responsável pela casa. “Esse negócio de ser líder da espécie é coisa para os fortões, senhores da guerra, os mister ego. Que os alfa fiquem com o poder, e nós com as mulheres”, diz o roteirista de televisão paulistano André Rodrigues, de 33 anos. Orgulhoso de se intitular um macho beta, Rodrigues criou, há um ano e meio, o site Macho Pero no Mucho. Recentemente, publicou um texto sobre o tema e surpreendeu-se com a repercussão. Nas dezenas de comentários femininos, todas declararam preferir o beta. O roteirista afirma que a única coisa em comum entre o alfa e o beta é o gosto pelo sexo oposto.
No Brasil, onde predomina uma sociedade tradicionalmente patriarcal e machista, essa tendência anda mais devagar que nos Estados Unidos. Lá, o beta mais popular é o comediante Steve Carrel. Conhecido por suas atuações nos filmes O Virgem de 40 anos e Pequena Miss Sunshine, ele encarna como ninguém a figura do loser – o perdedor –, um tradicional rótulo da cultura americana. A popularidade de Carrel é tal que triplicou seu cachê para US$ 5 milhões. Com isso, desbancou o ator Jim Carrey na continuação do filme O Todo-Poderoso, que estreará no Brasil nos próximos meses. As americanas ainda suspiram por Tobey McGuire, o ator que interpreta o Homem-Aranha. Baixinho, cara de menino apesar de seus 32 anos, ele dispensa cigarro, álcool, cafeína e badalações de Hollywood. Quase virou cozinheiro – profissão de seu pai. É com Peter Parker, não com o super-herói personificado no cinema por McGuire, que o público feminino mais se identifica. Bom moço e nerd, Parker conquista as mulheres por sua humanidade, seus conflitos e seu romantismo.
Por que as representantes do sexo feminino estão deixando de lado o provedor, o protetor, para optar pelos mais sensíveis – muitas vezes profissionalmente abaixo delas? Resposta: elas não precisam mais dessas qualidades masculinas. Três décadas de emancipação foram suficientes para que elas construíssem os próprios pilares. “Uma mulher bem resolvida, profissional competente, não deseja um homem que quer mandar, competir, discutir com ela”, diz a antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O que ela quer é um companheiro que a compreenda e a apóie.” Para Mirian, quanto mais independentes forem as mulheres, mais elas poderão libertar o homem desse tipo de masculinidade competitiva que o coloca à prova o tempo inteiro.
Os próprios homens criticam a maneira como foram educados, segundo o psicanalista carioca Sócrates Nolasco, autor do livro De Tarzan a Homer Simpson (editora Rocco) e estudioso do comportamento masculino há 20 anos. “É um modelo sufocante”, diz Nolasco. Para ele, o tradicional papel de provedor-líder-protetor foi necessário por muito tempo para manter um tipo de sociedade sob controle. O mundo mudou, e tal modelo não faz mais sentido. “Vale dizer que ‘beta’ na informática é o nome que se dá a um produto em fase de desenvolvimento. Talvez seja essa a característica desse homem – um modelo em transformação.”
OPÇÃO
Carnevale, de 35 anos, prepara-se para entrar no palco. A profissão lúdica causa estranheza entre os homens
O fotógrafo carioca Isac Luz, de 46 anos, é um exemplo da mudança de papéis trazida para a família pelo novo homem beta. Luz afirma que seu maior prazer sempre foi cuidar dos dois filhos e da vida doméstica. Como sempre teve horário mais flexível s que o da mulher, a professora Rosângela, era ele quem fazia almoço e arrumava a casa. Também dava mamadeira aos pequenos. “Ela nunca acordava”, diz Luz. Os filhos cresceram, mas ainda hoje ele é o motorista de Egon, de 20 anos, e Yuri, de 16. Luz leva e busca em festas, controla os horários, cobra duro nos estudos. O fotógrafo afirma nunca ter se sentido menos masculino por causa disso. “Se minha mulher trabalha e ganha dinheiro, também é minha obrigação cuidar da casa.” Luz vai além da simples divisão de tarefas que alguns homens se predispõem a aceitar. Ele diz esperar a mulher com jantar pronto e, se precisar, passa uma blusa dela na última hora. Incomum? “Não saberia viver de forma diferente”, afirma.
Nas últimas décadas, tanto no trabalho como em casa, a mulher invadiu campos que eram monopólio masculino. A tendência natural é que os homens também possam buscar sua realização, sem cobranças. Carioca de uma família de classe média, Leonardo Carnevale, de 35 anos, poderia ter sido médico, engenheiro ou advogado, profissões que mães tradicionais sonham ver um filho seguir. Ele optou por outro caminho. Carnevale é palhaço. Participa de um grupo e faz espetáculos em teatros, praças e projetos sociais de governos e fundações. “Ser palhaço é se desprender de vaidades e padrões. Quando digo o que faço, as pessoas se surpreendem – em especial os homens”, afirma. Casado há dois anos e meio, Carnevale diz que sempre foi apreciado pelas mulheres por seu humor e sinceridade.
O mundo corporativo, aos poucos, também começa a valorizar os profissionais com características tidas como femininas, como capacidade de conciliação, sensibilidade e habilidade de comunicação. “As empresas já perceberam que é preciso mais cooperação que coação”, diz o consultor de empresas e colunista de ÉPOCA Ricardo Neves. Ele afirma que as mudanças do homem nascem de sua perplexidade diante do mundo atual. Os papéis se misturaram e, muitas vezes, se inverteram. Acabou essa história de ter vergonha de chegar atrasado ao trabalho porque foi levar o filho ao pediatra. “O macho alfa está obsoleto, assim como o velho jogo em que o vencedor leva tudo”, diz Neves.
Se mulheres almejam o mundo alfa e os homens beta estão em alta, isso não significa que o mundo tenha se transformado totalmente. Entre um e outro extremo há uma gama de possibilidades e papéis. As mulheres já não precisam mais ser submissas. Os homens podem libertar sua afetividade. O mundo precisa da liderança do alfa, homem ou mulher, pois a competitividade é saudável e importante para o desenvolvimento. E também da sensibilidade e do afeto do beta.
O perfil do macho beta
Algumas das características dos homens que conquistam uma legião de mulheres
O macho beta não teme
-assumir o fracasso
-pedir perdão
-chorar em público
-dizer “eu te amo”
-discutir a relação com a mulher
-cuidar dos filhos, cozinhar, lavar e passar
Um macho beta nunca
- vai sofrer por não ser o melhor em tudo
- cair em depressão por ser mantido pela mulher
- enganar a companheira por diversão
- depilar o peito brigar na rua
- olhar-se no espelho o tempo todo.