
Sheryl Gay Stolberg
Em Washington
Existem momentos na vida de George Herbert Walker Bush, o 41° presidente dos Estados Unidos e pai do 43°, nos quais as pessoas, totalmente desconhecidas, vêm até ele e dizem-lhes as coisas mais duras - palavras cuja intenção é confortar, mas que acabam causando dor.
"Senhor, eu o adoro, mas o seu filho está totalmente equivocado quanto a isto", podem dizer estas pessoas, de acordo com Ron Kaufman, um antigo assessor de Bush, que testemunhou diversos desses encontros -, às vezes em um evento para arrecadação de verbas políticas, ou em um jantar em um restaurante, ou em um encontro casual nas ruas de Houston, no Texas, ou de Kennebunkport, no Maine. Segundo Kaufman, esta é apenas uma das maneiras como a presidência do filho pesa sobre os ombros do pai.
"É algo que atinge o seu coração e a sua alma", diz Kaufman.
Os dias atuais são perturbadores para o patriarca da família Bush, que é o segundo presidente da história dos Estados Unidos, após John Adams, a ter presenciado o filho assumir a Casa Branca. Aos 83 anos, ele acha difícil ver o filho ser criticado, estando fora do processo político. Muitas vezes o velho Bush se compara a um pai de um jogador de um time infantil cujo filho está enfrentando um jogo difícil. E, assim como o pai zangado do menino-jogador, que não consegue deixar de gritar das arquibancadas, às vezes o ex-presidente não consegue deixar de se envolver.
A versão oficial que circula na Casa Branca é a de que o 41, conforme ele é conhecido nos círculos próximos a Bush, só dá conselhos ao 43 quando este solicita. Mas as entrevistas com um grupo mais amplo de pessoas próximas a ambos os presidentes - incluindo membros da família, como a filha mais velha de Bush, Doro Bush Koch, e assessores que trabalharam para os dois presidentes, como Andrew H. Card Jr. - sugerem uma dinâmica pai-filho muito mais complicada, na qual o ex-presidente não se encontra tão distante como a Casa Branca gostaria que a população acreditasse.
Eles conversam a respeito de quase tudo pelo telefone, e Bush Pai evita cuidadosamente falar qualquer coisa que soe como crítica ao filho, segundo assessores próximos. Mas, reservadamente, ele já expressou irritação com alguns dos assessores do filho. Em determinadas ocasiões, o 41 aconselhou os funcionários da Casa Branca a buscarem conselho externo, e transmitiu as suas próprias opiniões sobre política externa ao presidente, embora sempre frisando que o governo do filho não é o seu governo.
Segundo as palavras de Koch, ele se considera "acima de tudo, um pai amoroso", mas como ele mesmo deu a entender durante um recente jantar na companhia de um grupo de executivos de empresas de seguros em Mineápolis, pais amorosos têm dificuldade para se manterem afastados.
"Qualquer pai nesta platéia sabe exatamente como eu me sinto", disse Bush, respondendo a uma pergunta sobre como é ter um filho presidente. "Não é diferente. É preciso olhar para a situação sob uma ótica estritamente familiar - e não considerar a pessoa um grande astro, mesmo que ele seja o presidente dos Estados Unidos. Trata-se da família. O orgulho de um pai está no seu filho".
Neste final de semana, o velho Bush presidirá a reunião anual de verão do seu clã em Walker's Point, a grande propriedade à beira-mar da família em Kennebunkport. Haverá os tradicionais jogos de ferraduras, pescarias e passeios de barco de corrida, além de uma visita do presidente da França, Nicolas Sarkozy - enfim, um cenário típico da família Bush, mas que não retrata a rota delicada que o velho Bush traçou ao desempenhar ao mesmo tempo os papéis de pai e de ex-presidente.
É um exercício de equilíbrio. O ex-presidente mantém os seus contatos com os líderes mundiais - no ano passado, por exemplo, ele convidou o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, para passar uma noite em Kennebunkport -, mas é discreto. Certa vez, durante um jantar com o rei de Marrocos, ele ligou para a Casa Branca e falou com o presidente ao telefone.
"Ele colocou o rei na linha, de uma maneira simples assim", recorda um convidado que ficou surpreso. "Não havia assessores de segurança nacional, nada do gênero. Apenas o presidente falando com o rei de Marrocos".
Ele é um visitante freqüente da Casa Branca. O velho Bush ainda adora comer no salão de jantar da Casa Branca e tomar café-da-manhã ou uma xícara de café com Karl Rove, o principal estrategista político do presidente, quando quer que faça uma visita, na maioria das vezes para discutir fofocas políticas. De vez em quando ele pega o telefone para conversar sobre política com Joshua B. Bolten, o chefe de gabinete da Casa Branca. Ele também telefona para o antecessor de Bolten, Card, a cada duas semanas.
Na maioria das vezes, diz Card, que foi secretário de Transporte do velho Bush e que se considera "uma ponte" entre as gerações, o pai quer simplesmente saber como está o filho. Mas às vezes o ex-presidente traz à tona uma questão de política externa, ou sugere que a Casa Branca converse com alguém "do seu círculo", como James A. Baker, o ex-secretário de Estado, ou Brent Scowcroft, o ex-assessor de Segurança Nacional, que tem criticado abertamente a guerra no Iraque.
"Ele se assegura de que eu sei que há especialistas por perto que deveriam ser procurados e ouvidos por nós", afirma Card. "Nunca senti que o ex-presidente estivesse tentando se intrometer nas responsabilidades do presidente. Mas ele se preocupa profundamente com o filho".
Recentemente, a Casa Branca inseriu o velho Bush em um novo papel, como facilitador de política externa. Além de recepcionar Sarkozy daqui a alguns dias, o ex-presidente foi anfitrião do presidente Vladimir V. Putin, da Rússia, em Kennebunkport. Putin veio para uma reunião na Casa Branca com o presidente em junho. Isso foi idéia do atual presidente, mas o pai ficou satisfeito em retribuir à responsabilidade de Putin. Alguns anos atrás, quando ele e a mulher, Barbara, viajaram à Rússia, o casal Putin os recebeu no aeroporto e convidou-os para ficarem hospedados em sua casa de campo.
De certa forma, o velho Bush está trilhando um território não mapeado. O primeiro presidente Adams morreu 18 meses após John Quincy Adams tomar posse, e um intervalo de 28 anos separou os governos do pai e do filho. Já no caso atual, apenas oito anos separam os dois governos Bush, e os dois homens têm uma diferença de idade de apenas 22 anos.
O relacionamento entre os dois é sem dúvida o vínculo entre pai e filho mais escrutinado em Washington, especialmente devido a discordâncias dos dois campos quanto a políticas externas.
As tensões entre os assessores do 41 e do 43 aumentaram especialmente quando Baker foi co-diretor do bipartidário Grupo de Estudos do Iraque. Quando o presidente Bush rejeitou as recomendações do grupo, alguns membros do campo do 41 viram nessa atitude uma rejeição total às posições do pai. Quando Scowcroft falou contra a guerra, alguns acharam que o pai estivesse enviando uma mensagem ao filho.
Alguns analistas asseguram que existe uma rivalidade entre os dois. O jornalista Bob Woodward, por exemplo, relatou no seu livro, "Plan of Attack" ("Plano de Ataque"), que quando lhe perguntaram se pediu conselhos ao pai antes de lançar a guerra no Iraque, o presidente respondeu: "Vocês sabem que ele é o tipo errado de pai ao qual recorrer em termos de força. Existe um pai mais alto a quem eu apelo".
A teoria da rivalidade cresceu novamente no ano passado, no batismo do novo porta-aviões da classe Nimitz, George H. W. Bush. O presidente brincou, dizendo que, tendo em vista as qualidades da embarcação - "ela é rígida, inabalável, inflexível" - ela deveria ser batizada com o nome da sua mãe. O comentário provocou risadas, mas algumas pessoas próximas ao velho Bush fizeram uma expressão de desagrado devido àquilo que parecia ser uma alfinetada sutil.
Apesar dos psicólogos de poltrona que especulam a respeito de complexos de Édipo e filhos pródigos, pai e filho são descritos como extremamente próximos. Quando o clã está reunido em Kennebunkport, todos os filhos de Bush pai, o presidente inclusive, entram no quarto dos pais ao nascer do sol para tomarem café. Quando o presidente não está lá, os outros Bush telefonam.
Bob Strauss, ex-presidente do Comitê Nacional Democrata e amigo próximo do velho Bush desde a época do Texas, foi recentemente convidado para jantar com os dois na Casa Branca. Ele disse ter ficado preocupado com a possibilidade de que surgissem tensões, ou que eles pudessem falar sobre política, criando desconforto para um democrata como Strauss.
Mas, segundo ele, nada disso aconteceu. "Eles falaram sobre o oeste do Texas e sobre a família", conta Strauss. "O clima não poderia ser mais tranqüilo".
Quanto ao que é dito nas conversas privadas entre pai e filho, ninguém pode saber com certeza. Quando chegam ligações de Houston ou de Kennebunkport, os assessores da Casa Branca se afastam. Mas Card afirma que para ele é evidente que as conversas de família nem sempre se restringem às questões familiares.
"Para mim era relativamente fácil ler a linguagem corporal do presidente sentado depois que ele conversava com o pai ou com a mãe", conta Card. "Às vezes ele fazia uma pergunta para me sondar. E eu percebia que tal indagação não viera dele".
Muitas vezes perguntam ao ex-presidente como ele consegue deixar de fazer críticas ao filho, e a resposta é invariavelmente a mesma: que ele não está qualificado para criticar porque somente o ocupante do Salão Oval conta com acesso completo aos relatórios de inteligência que informam o presidente para que este tome decisões.
Mesmo assim, as pessoas próximas ao ex-presidente dizem que está claro que o pai não se mostrou satisfeito com o desempenho de alguns dos assessores do filho, especialmente Donald H. Rumsfeld, o ex-secretário de Defesa.
"Creio que se poderia afirmar que existe uma sensação de que vários assessores não auxiliaram bem o presidente - e Rumsfeld é um deles", diz uma pessoa próxima a Bush Pai, que, assim como todas as pessoas entrevistadas sobre este tópico, preferiu que o seu nome não fosse divulgado.
Quase 15 anos se passaram desde que o primeiro presidente Bush deixou a Casa Branca, e embora continue vigoroso - ele saltou de pára-quedas no seu aniversário de 80 anos e promete dar outro salto quando fizer 85 anos -, o seu ritmo perdeu um pouco da intensidade. Após duas cirurgias para colocação de próteses nos quadris, os seus passos ficaram um pouco inseguros. Ele não caminha mais em riachos, e em Kennebunkport atualmente utiliza uma rampa para embarcar na sua lancha.
Os filhos se preocupam com ele. Em dezembro passado, em um evento em homenagem ao filho Jeb durante os seus últimos dias como governador da Flórida, o velho Bush chorou ao lembrar-se da amarga derrota sofrida por Jeb em 1994. Koch diz que o pai está ficando mais emotivo com a idade - "ele tem um coração mole, que está amolecendo ainda mais" -, o que faz com que seja ainda mais difícil suportar as críticas feitas ao filho.
No final do ano passado, durante a cerimônia de batismo do porta-aviões, ele emocionou-se novamente, desta vez na presença do presidente Bush. Perante uma multidão que incluía políticos famosos de ambos os governos, bem como dezenas de familiares e amigos, o pai afirmou: "Apóio o meu filho de todas as formas, com todas as fibras do meu corpo".
Segundo Jim McGrath, que há muito tempo redige os discursos de Bush, as palavras foram intencionais.
"Creio que ele entendeu que contaria com uma audiência nacional, e acredito que quis enviar um sinal claro", afirma McGrath. "Houve muito ensaio de psicologia popular, do tipo, 'será que o pai está tentando enviar uma mensagem?'. Não creio que ele tivesse a intenção de abordar nenhum bobagem desse tipo. Ele só quis dizer que apóia o filho".
Tradução: UOL
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/ ... u7651.jhtm