videomaker escreveu: Kardecismo não EXSTE !
Olá, videomaker
ao contra´rio do que você diz, penso que há, de fato, diferenças entre kardecismo e o espiritismo. Ei-las, extraídas da obra de meu amigo Senhor José Carlos:
“Espiritismo” e “Kardecismo”:
Quanto a isso, na presente obra foram adotadas as seguintes definições, julgadas as mais adequadas aos fenômenos sob análise:
Espiritualismo:
Considera-se aqui “espiritualismo” como qualquer doutrina, quer de cunho religioso, quer de cunho filosófico, que admita o fato de o mundo espiritual (ou seja, o mundo extra-sensorial, metafísico e incorpóreo) possuir realidade efetiva e concomitante com o mundo material (o mundo sensorial, físico, corpóreo), influenciando-o, influenciando-o e sendo por ele influenciado (em que grau, ou de que modo, dependerá da espécie de doutrina “espiritualista” que se siga). Opõe-se o espiritualismo, assim definido, ao materialismo, que não admite a realidade efetiva do mundo espiritual, tudo reduzindo ao material[1].
Espiritismo:
Considera-se aqui “espiritismo” como a doutrina, ou o conjunto de doutrinas, que admitem a possibilidade da comunicação física (ou seja, efetuada a partir de meios físicos, sensoriais, capazes de sensibilizar um, ou vários, dos órgãos dos sentidos) entre os vivos e os mortos, a partir da vontade de pelo menos uma das partes e usualmente utilizando a intermediação de uma pessoa por isso mesmo denominada “médium” (porque apresenta-se como um canal, um “meio” – medium – que possibilita a transmissão das mensagens entre a esfera dos vivos e a dos mortos, entre os mundos espiritual e físico, possuindo para tal faculdades psíquicas especiais ou, ao menos, mais desenvolvidas que as das pessoas comuns)[2]. A partir dessa (pretensa) possibilidade de comunicação entre os vivos e os mortos, e supondo-se tacitamente que os mortos (ou ao menos alguns deles) possuam conhecimentos mais efetivos dos princípios últimos da realidade, também se pode denominar “espiritismo” ao conjunto de doutrinas oriundas de tais comunicações; mas aqui já se está numa fase posterior e derivada – o cerne do “espiritismo”, de qualquer espiritismo, é a possibilidade da comunicação entre os vivos e os mortos, entre os mundos físico e metafísico, a partir da vontade de pelo menos uma das partes; tudo o mais (os fenômenos e mesmo as “doutrinas” reveladas pelos mortos) é conseqüência disso.
Reencarnação:
Reencarnação é aqui considerada como a doutrina, ou o conjunto de doutrinas, as quais admitem que, após a morte (destruição física do corpo material, por velhice, acidente, ou quaisquer outras causas), uma porção do ser vivente (usualmente denominada “alma” ou “espírito”) permanece existindo, de modo temporário ou permanente que seja, podendo voltar a habitar um outro corpo, usualmente sem se lembrar da existência anterior[3]. Há inúmeras teorias acerca da reencarnação, podendo-se, didaticamente e com proveito, listar as seguintes linhas genéricas: a) admitir-se que se dê em todos os seres vivos, ou somente nos seres humanos; b) que o corpo físico da nova existência seja aleatório, não tendo nenhuma relação com o corpo físico anterior ou, ao contrário, que os sucessivos corpos físicos assumidos pela “alma” ou “espírito” do ser vivente guardem entre si algum tipo de relação. A principal distinção entre as várias teorias a respeito da reencarnação, contudo, diz respeito à sua obrigatoriedade (sem contar, evidentemente, a simples negação da reencarnação).
Reencarnacionismo:
É a crença na reencarnação compulsória (ou seja, obrigatória), quer por se tratar simplesmente de uma lei da natureza (dir-se-ia: “é assim porque é assim, porque essa é a natureza intrínseca de uma alma, ou espírito”), quer por se constituir num meio de aprimoramento moral (dir-se-ia: “é assim porque nisso há um propósito último, que é tornar a alma, ou o espírito, sucessivamente melhor”). Desse modo, têm-se dois tipos fundamentais de reencarnacionismo, conforme explicitado a seguir:
- Reencarnacionismo Cíclico: crença na reencarnação compulsória como uma lei à qual está submetida a alma, ou espírito, não tendo necessariamente a função de aprimoramento, embora possuindo a vida anterior influência sobre a atual, e a atual sobre a futura; o principal objetivo da alma, ou espírito, nesse caso, é, quase sempre, libertar-se do ciclo de reencarnações sucessivas, visto como uma prisão, ou sucessão de prisões, devendo para isso conformar-se a uma série de preceitos e disciplinas, mais ou menos complexas. Esse tipo de reencarnacionismo tende a admitir que a reencarnação se dê em todos os seres vivos, e que o corpo físico da nova existência seja aleatório;
- Reencarnacionismo Evolutivo: crença na reencarnação compulsória como um meio de progressivo aprimoramento moral da alma ou espírito, servindo as sucessivas reencarnações como um “filtro” e uma purgação dos baixos instintos e paixões. Esse tipo de reencarnacionismo pode admitir tanto a reencarnação de todos os seres vivos quanto somente a dos seres humanos, mas jamais assumirá uma postura de índole aleatória (ou seja, sempre admitirá que o corpo físico da nova existência tenha algum tipo de relação com o corpo físico anterior e com o estado atual da alma, ou espírito).
Kardecismo:
Também chamado no presente estudo “espiritismo kardecista”, constitui-se num tipo particular de espiritismo reencarnacionista evolutivo, cujos princípios gerais foram codificados pelo francês Hippolyte-Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec[4]; sendo um tipo de espiritismo, admite a possibilidade de comunicação física entre vivos e mortos, usualmente a partir de médiuns; sendo reencarnacionista evolutivo, acredita na reencarnação compulsória como meio de aprimoramento moral da alma, ou espírito; distintivamente, ensina que a “alma” ou “espírito” (mais abaixo tentar-se-á definir melhor esses dois termos) está em constante evolução, podendo, no máximo, permanecer, durante períodos, estacionária, mas nunca involuir; tendo alcançado um determinado estágio evolutivo (ligado a um padrão moral), ligado a um tipo específico de corpo físico (genérico) peculiar, não retornará a estágios anteriores (portanto, tendo um espírito alcançado o estágio humano, reencarnaria sempre, a partir de então, como ser humano, ou como um ser mais evoluído; nunca um ser humano, por mais vil que tenha sido no aspecto moral, retrogradaria, numa próxima vida, ao corpo de um irracional, ou a uma forma física “sub-humana” de inteligência). Ainda de acordo com o kardecismo, mesmo após a morte, os espíritos continuam envolvidos por uma espécie de cápsula sutil, dita “semimaterial”, para a qual utiliza-se o termo “perispírito”, envoltório esse que torna-se tanto mais “sutil” (menos “denso”, por assim dizer) quanto mais evoluído encontra-se o espírito, alcançando, nos espíritos mais avançados, uma espécie de quintessência de sutileza que seria quase que como se não existisse (os espíritos que alcançam, assim, o ápice da evolução – ou seja, que terminam a sua carreira de aprimoramento moral – são, para o kardecismo, entidades, por assim dizer, quintessencialmente etéreas, ou, se se quiser, virtualmente imateriais, e a evolução kardecista, em última análise, constitui-se numa progressiva perda da matéria perecível, total para o corpo, e sutilizada ao mais alto grau de depuração para o “perispírito”)[5].
Não-Reencarnacionismo:
É a doutrina que não admite a reencarnação compulsória, embora possa admitir a ocorrência da reencarnação em certos casos excepcionais (por exemplo, no caso de uma entidade que tenha alguma missão a cumprir no mundo físico e que, para comunicar-se com os outros seres viventes nesse mundo, necessite de um corpo; ou para uma alma que não tenha tido a chance de viver a sua vida, como a de uma criança morta muito cedo, ou a de um retardado mental, ou mesmo, segundo alguns, a de um suicida). Essa é a tendência geral do espiritismo da escola anglo-saxã histórica, em oposição à do espiritismo kardecista (francês). O não reencarnacionismo pode admitir tanto a reencarnação de todos os seres vivos quanto somente a dos seres humanos, mas tende fortemente a assumir uma postura de índole seqüencial (ou seja, sempre admitirá que o corpo físico da nova existência tenha algum tipo de relação com o corpo físico anterior e com o estado atual da alma, ou espírito).
Anti-Reencarnacionismo:
É a negação da existência do mecanismo da reencarnação, quer compulsória, quer não. No Anti-Reencarnacionismo (termo bastante genérico, que engloba inumerabilíssimas escolas, muitas delas bastante díspares entre si) podem ser observadas, didaticamente, duas vertentes: a) uma, materialista radical, que simplesmente não admite a possibilidade da existência de uma realidade não material a ponto de não admitir a existência de uma alma; b) outra, materialista não-radical, ou mesmo espiritualista, que não admite que a “alma” ou “espírito” (seja material, seja imaterial), uma vez abandonado o corpo físico pela morte, possa novamente retornar a um, quer passando a errar no mundo físico, quer passando para “um outro plano”, ou “uma outra esfera”, situada além do mundo material, físico, e, por isso mesmo, denominada esfera (ou ordem, ou plano) metafísica. Os anti-reencarnacionistas (qualquer que seja a sua vertente) são, em geral, anti-espíritas, no sentido de não admitirem a possibilidade de comunicação física, sensorial, entre os vivos e os mortos, usualmente a partir de médiuns: os da vertente materialista radical simplesmente por não acreditarem na realidade da existência não material, constituindo-se o fim do corpo físico, para eles, no fim da própria existência (dir-se-ia: “após a morte, o nada”); os da vertente materialista não-radical e espiritualista por não admitirem a possibilidade da comunicação sensorial, física, já que a “alma” passaria, após a destruição do corpo material, a um outro tipo de estado, não mais tendo controle sobre os sentidos físicos e carecendo, assim, da possibilidade de comunicação sensorial. A única possibilidade de comunicação que algumas vertentes anti-reencarnacionistas (principalmente de cunho espiritualista) admitem dar-se-ia não a partir da vontade das partes (vivos e mortos), mas da existência, da vontade e da conveniência de um Ente Absoluto (que, sendo absoluto, em Si passa a incorporar ao mesmo tempo tanto o físico quanto o metafísico), o qual, a Seu bel-prazer, e de acordo com Seus próprios desígnios (não com a vontade das partes), servisse de “canal”, autorizando e/ou comandando tais manifestações, as quais, no caso, não mais seriam necessariamente sensoriais, e nem careceriam de qualquer intermediário mediúnico.
---(*)---
É possível que alguns dos leitores do presente trabalho contestem algumas das, ou muitas das, ou até todas as, definições acima apresentadas. São livres para o fazer; mais uma vez se frisa que aqui se trata de conhecimento dos termos, e não de conformidade às acepções: desde já os leitores passam a saber o que o autor quer dizer quando emprega determinados nomes, anteriormente elencados. Deve-se-lhe permitir, não obstante, uma palavra de advertência: as definições acima não foram fruto exclusivo do capricho, mas sim do estudo e da reflexão; elas a ele pareceram – parecem – as mais adequadas para a caracterização dos fenômenos em pauta. Principalmente, elas separam cuidadosamente, em conjuntos disjuntos, os conceitos de “espiritualismo/materialismo”, “espiritismo” e “reencarnação”.
Assim, por um lado, de acordo com as definições acima, é perfeitamente possível ser-se “espírita” sem se ser “espiritualista” – ao se adotar uma visão exclusivamente sensitiva e corporeísta dos fenômenos. Igualmente, é perfeitamente possível ser-se “espírita” sem se ser “reencarnacionista”, ou se ser “reencarnacionista” sem se ser “espírita”. De fato, aceitar a reencarnação nada tem a ver, necessariamente, com admitir a possibilidade da comunicação sensorial, física, entre vivos e mortos, usualmente através de médiuns. Uma coisa não tem obrigatoriamente ligação com a outra, e tanto isso é verdade que (conforme comentado rapidamente na definição de “não-reencarnacionismo”) a escola espírita anglo-saxã original não era reencarnacionista – embora aceitasse, como os kardecistas, a possibilidade da comunicação física, sensorial, entre vivos e mortos via médiuns; frise-se que na escola anglo-saxã situa-se o berço do espiritismo, e que seus ensinamentos baseiam-se (ou se dizem basear), tanto quanto os do kardecismo, nas pretensas comunicações dos espíritos dos mortos; ela iniciou-se com o próprio espiritismo, a partir dos fenômenos ligados às irmãs Fox (1848), e faz perfilar entre seus destacados membros o visionário e pioneiro Andrew Jackson Davis (1826-1910), o investigador “científico” sir William Crookes (1832-1919), o entusiasta propagandista sir Arthur Conan Doyle (1858-1930), escritor e criador do famoso detetive Sherlock Holmes, e os médiuns e escritores William Howitt (1792-1879), Daniel Dunglas Home (1833-1886) e William Stainton Moses (1839-1892), entre muitos outros, e apenas para citar alguns dos vultos que são contemporâneos ou imediatamente pós-contemporâneos a Kardec[6]. Por conseguinte, querer circunscrever o termo “espiritismo” ao espiritismo reencarnacionista evolutivo de Kardec (“kardecismo”), como querem alguns, não tem qualquer base sólida, seja conceitual, seja histórica. Se é verdade que o termo “espiritismo” (spiritisme) foi inventado, ou, ao menos, tornado público pela primeira vez, por Kardec (1857, Le Livre des Esprits, prefácio), a simples invenção de um nome não dá a seu inventor o monopólio do seu uso lingüístico; a língua é, por assim dizer, livre em sua evolução, seguindo veredas as mais das vezes imprevisíveis.
De mais a mais, o conceito de “espiritualismo”, bem como a definição genérica de “espiritismo” (do qual o kardecismo é um caso particular) esboçado acima é coerente com as definições usuais dos dicionários, tanto na língua portuguesa quanto na língua francesa (de onde o termo é originário), e, mesmo (embora com algumas particularidades) na língua inglesa[7].
Abraço,
Vitor