O PT e a mania do "nunca antes"
- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato:
O PT e a mania do "nunca antes"
De novidade, o PT só mostrou o cinismo diante do maior mar de lama que já se viu neste país. Os governos anteriores procuravam esconder as sujeiras.
O Brasil não foi descoberto por Lula.
--------------------------------------------------------
"O Globo" 19/09/07
A quatro mãos
Míriam Leitão
O ponto mais curioso do momento atual é que governo e oposição têm sido sócios nos avanços brasileiros — e nos problemas. A união fica mais clara nos dados da Pnad. A desigualdade cai desde o Plano Real. O mercado de consumo se amplia e os lares ficam mais bem equipados. Até nos erros, os governos de PSDB e PT se parecem: ambos aumentaram os gastos públicos mais do que o crescimento do PIB.
O PT é prisioneiro da síndrome do “nunca antes”.Por isso não tolera os abundantes fatos que mostram uma continuidade entre os dois governos, que faz o Brasil ser hoje uma sociedade com mais consumidores, menos desigualdade, mais escolarização.
Numa entrevista recente que fiz com Guido Mantega, o ministro da Fazenda defendeu a tese de que está se criando no Brasil o “mercado de consumo de massas”, que na opinião dele é obra exclusiva do atual governo.
Citou o aumento do crédito, o bom momento da construção civil e as vendas de computadores como provas de que é do governo Lula a obra de criação do mercado de consumo de massas.
Haveria ampliação do crédito sem o Plano Real ter dado certo? Poderia haver bom momento da construção civil se os juros não tivessem caído? E os juros cairiam se não fosse mantido tudo aquilo que estava aí quando o governo Lula começou: metas de inflação, câmbio flutuante, autonomia do Banco Central, Lei de Responsabilidade Fiscal, superávit primário? Recordar é viver: Lula, o PT e seus economistas foram contra o Plano Real, queriam acabar com o Copom e baixar os juros bruscamente, entraram no Supremo contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, diziam que o superávit primário era para dar dinheiro aos banqueiros, fizeram um plebiscito para não pagar a dívida externa e interna e foram ferozes inimigos da abertura comercial.
Lula, PT e seus economistas defenderam, durante várias campanhas, que a inflação se controlava com medidas toscas, como câmaras setoriais que negociariam controle de preços e salários. Contra a turbulência externa prescreviam controle cambial. Ainda hoje, o que o PT reunido tem a oferecer ao país é a idéia passadista de reestatizar a Vale do Rio Doce.
O fato mais auspicioso da economia brasileira foi a continuidade. Quando Lula foi eleito e fez o oposto do que durante 20 anos disse que faria quando chegasse ao poder, o país superou um fator de risco que sempre o ameaçara. Assim, o país pôde continuar a colher o que plantara desde o começo dos anos 90, como a privatização, o fim dos bancos estaduais, a abertura da economia, a modernização das empresas, a estabilização, a abertura.
Os avanços sociais se deram em cima da estabilização da economia. Sem uma moeda estável não há recuperação de renda que avance. Sem uma moeda estável e uma economia aberta, não haveria a competição entre as empresas que levou à queda dos preços de bens de consumo duráveis. Foi essa queda de preços que tornou acessíveis os bens eletrônicos às famílias até de renda mais baixa. Foi a privatização da Telebrás que fez o salto dos telefones nas casas e nas mãos dos brasileiros.
Privatização que Lula combateu até na última campanha eleitoral. Hoje existem 106 milhões de celulares no Brasil. Antes da privatização, dois milhões.
O Brasil teria conseguido acompanhar as mudanças vertiginosas nessa área sem a privatização? Hoje existem 74,5% de domicílios com telefone no país.
Na época da estatal eram apenas 19%.
O governo FH foi a era do telefone, o governo Lula está sendo a dos computadores.
Parte do sucesso é a manutenção da moeda forte, e parte é uma redução setorial de impostos aprovada no governo Lula. O resultado é que o mercado de notebooks e desktops no Brasil saiu de três milhões para dez milhões de unidades por ano na era Lula.
O governo Lula tem vários méritos, e eles estão expostos na Pnad, para alegria de todos. Ele só não tem o mérito inaugural que pensa ter em tudo o que está dando certo. Por outro lado, os governos FH e Lula erraram igual em algumas coisas, como o péssimo desempenho na área do saneamento.
A repórter Flávia Barbosa fez uma observação interessante na edição de sábado: o governo FH foi o avanço na educação, o governo Lula, na renda. De fato, a renda, que deu um salto após a queda da inflação, depois caiu por anos seguidos e está se recuperando agora. E o avanço de educação no governo FH é incontestável.
Só um dado: o analfabetismo de 10 a 14 anos era de 12,4% em 92 e, ao final da era FH, era de 3,9%. Agora é de 2,9%. Foi exatamente na educação o pior erro de Lula. O erro foi não ter continuado o trabalho que estava sendo feito. Durante quatro anos o governo Lula tentou inventar um novo caminho, mudar indicadores e prioridades na educação, área onde, nas palavras de Armínio Fraga, o “Brasil não pode perder 15 minutos”. Por causa disso colheu dois números horríveis na Pnad do ano passado: aumento do trabalho infantil, aumento da evasão escolar na adolescência.
Mesmo assim, há alguns fatos a comemorar, como a entrada de mais negros e pobres na universidade através do Prouni e das políticas de inclusão social e racial.
O Brasil tem tanto a fazer que é até ridículo haver disputa de paternidade dos avanços. O país melhora em relação a ele mesmo, mas está longe do que deveria estar nessa altura dos acontecimentos. Uma lição esta Pnad traz: a continuidade das políticas é a mais eficiente das escolhas.
O Brasil não foi descoberto por Lula.
--------------------------------------------------------
"O Globo" 19/09/07
A quatro mãos
Míriam Leitão
O ponto mais curioso do momento atual é que governo e oposição têm sido sócios nos avanços brasileiros — e nos problemas. A união fica mais clara nos dados da Pnad. A desigualdade cai desde o Plano Real. O mercado de consumo se amplia e os lares ficam mais bem equipados. Até nos erros, os governos de PSDB e PT se parecem: ambos aumentaram os gastos públicos mais do que o crescimento do PIB.
O PT é prisioneiro da síndrome do “nunca antes”.Por isso não tolera os abundantes fatos que mostram uma continuidade entre os dois governos, que faz o Brasil ser hoje uma sociedade com mais consumidores, menos desigualdade, mais escolarização.
Numa entrevista recente que fiz com Guido Mantega, o ministro da Fazenda defendeu a tese de que está se criando no Brasil o “mercado de consumo de massas”, que na opinião dele é obra exclusiva do atual governo.
Citou o aumento do crédito, o bom momento da construção civil e as vendas de computadores como provas de que é do governo Lula a obra de criação do mercado de consumo de massas.
Haveria ampliação do crédito sem o Plano Real ter dado certo? Poderia haver bom momento da construção civil se os juros não tivessem caído? E os juros cairiam se não fosse mantido tudo aquilo que estava aí quando o governo Lula começou: metas de inflação, câmbio flutuante, autonomia do Banco Central, Lei de Responsabilidade Fiscal, superávit primário? Recordar é viver: Lula, o PT e seus economistas foram contra o Plano Real, queriam acabar com o Copom e baixar os juros bruscamente, entraram no Supremo contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, diziam que o superávit primário era para dar dinheiro aos banqueiros, fizeram um plebiscito para não pagar a dívida externa e interna e foram ferozes inimigos da abertura comercial.
Lula, PT e seus economistas defenderam, durante várias campanhas, que a inflação se controlava com medidas toscas, como câmaras setoriais que negociariam controle de preços e salários. Contra a turbulência externa prescreviam controle cambial. Ainda hoje, o que o PT reunido tem a oferecer ao país é a idéia passadista de reestatizar a Vale do Rio Doce.
O fato mais auspicioso da economia brasileira foi a continuidade. Quando Lula foi eleito e fez o oposto do que durante 20 anos disse que faria quando chegasse ao poder, o país superou um fator de risco que sempre o ameaçara. Assim, o país pôde continuar a colher o que plantara desde o começo dos anos 90, como a privatização, o fim dos bancos estaduais, a abertura da economia, a modernização das empresas, a estabilização, a abertura.
Os avanços sociais se deram em cima da estabilização da economia. Sem uma moeda estável não há recuperação de renda que avance. Sem uma moeda estável e uma economia aberta, não haveria a competição entre as empresas que levou à queda dos preços de bens de consumo duráveis. Foi essa queda de preços que tornou acessíveis os bens eletrônicos às famílias até de renda mais baixa. Foi a privatização da Telebrás que fez o salto dos telefones nas casas e nas mãos dos brasileiros.
Privatização que Lula combateu até na última campanha eleitoral. Hoje existem 106 milhões de celulares no Brasil. Antes da privatização, dois milhões.
O Brasil teria conseguido acompanhar as mudanças vertiginosas nessa área sem a privatização? Hoje existem 74,5% de domicílios com telefone no país.
Na época da estatal eram apenas 19%.
O governo FH foi a era do telefone, o governo Lula está sendo a dos computadores.
Parte do sucesso é a manutenção da moeda forte, e parte é uma redução setorial de impostos aprovada no governo Lula. O resultado é que o mercado de notebooks e desktops no Brasil saiu de três milhões para dez milhões de unidades por ano na era Lula.
O governo Lula tem vários méritos, e eles estão expostos na Pnad, para alegria de todos. Ele só não tem o mérito inaugural que pensa ter em tudo o que está dando certo. Por outro lado, os governos FH e Lula erraram igual em algumas coisas, como o péssimo desempenho na área do saneamento.
A repórter Flávia Barbosa fez uma observação interessante na edição de sábado: o governo FH foi o avanço na educação, o governo Lula, na renda. De fato, a renda, que deu um salto após a queda da inflação, depois caiu por anos seguidos e está se recuperando agora. E o avanço de educação no governo FH é incontestável.
Só um dado: o analfabetismo de 10 a 14 anos era de 12,4% em 92 e, ao final da era FH, era de 3,9%. Agora é de 2,9%. Foi exatamente na educação o pior erro de Lula. O erro foi não ter continuado o trabalho que estava sendo feito. Durante quatro anos o governo Lula tentou inventar um novo caminho, mudar indicadores e prioridades na educação, área onde, nas palavras de Armínio Fraga, o “Brasil não pode perder 15 minutos”. Por causa disso colheu dois números horríveis na Pnad do ano passado: aumento do trabalho infantil, aumento da evasão escolar na adolescência.
Mesmo assim, há alguns fatos a comemorar, como a entrada de mais negros e pobres na universidade através do Prouni e das políticas de inclusão social e racial.
O Brasil tem tanto a fazer que é até ridículo haver disputa de paternidade dos avanços. O país melhora em relação a ele mesmo, mas está longe do que deveria estar nessa altura dos acontecimentos. Uma lição esta Pnad traz: a continuidade das políticas é a mais eficiente das escolhas.
Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
Mas nunca antes em toda a história desse país alguém continuou de forma tão bem continuada....











The Pensêitor admitindo que estava enganado: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=53315#53315
Eu concordando plenamente em algo com o VM: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=239579#239575

Eu concordando plenamente em algo com o VM: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=239579#239575

- Apo
- Mensagens: 25468
- Registrado em: 27 Jul 2007, 00:00
- Gênero: Feminino
- Localização: Capital do Sul do Sul
"Ninguém Nunca Antes" foi tão aficcionado pelo poder, tão copião, tão gastador, tão viajante, teve tantos amigos de má índole, fez tantos acordões, se elegeu com tamanho estelionato, mentiu tanto, negou tanto, fez tanta cara de paisagem, delirou tanto e se orgulhou tanto de seu analfabetismo e maus hábitos. Realmente o PT tem o mérito da inovação. O voto "secreto" nunca antes foi tão democrático.

Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
Falta base empírica pra sua observação colega...
The Pensêitor admitindo que estava enganado: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=53315#53315
Eu concordando plenamente em algo com o VM: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=239579#239575

Eu concordando plenamente em algo com o VM: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=239579#239575

Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
o FHC foi um presidente que pelo menos fez algo pelo Brasil, não ficou só tagarelando que nem o lula... O lula só tá colhendo os frutos do governo anterior....

Re: Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
Discordo que Fernando Henrique o Garboso tenha feito algo pela Educação que não fosse piorá-la. Afinal foi no governo dele que se inventou a aprovação por decreto. Isso tinha por propósito diminuir as despesas, pois sem alunos repetentes, não se precisa contratar mais professores, nem se fazer mais escolas. Além disso, o Banco Mundial não empresta dinheiro a países com alto índice de repetência...
Também queria se livrar das Universidades públicas. Inventou o tal Provão, cuja proposta era provar que o ensino público era uma merda e o particular o bom. Apesar de todo o apoio da UNE ao plano do Garboso, o que se viu, para a grande ira desse presidente, foi exatamente o contrário. Então veio a decisão:
_ Vamos tirar os recursos para as Universidade Públicas e dá-los para as universidades particulares para melhorar o ensino delas. Havia universidades que até pediam a seus alunos para irem mal no provão e assim elas ganhavam os recursos que antes iam para as universidades públicas...
É por isso que digo que Sociologia é cultura inútil...
Também queria se livrar das Universidades públicas. Inventou o tal Provão, cuja proposta era provar que o ensino público era uma merda e o particular o bom. Apesar de todo o apoio da UNE ao plano do Garboso, o que se viu, para a grande ira desse presidente, foi exatamente o contrário. Então veio a decisão:
_ Vamos tirar os recursos para as Universidade Públicas e dá-los para as universidades particulares para melhorar o ensino delas. Havia universidades que até pediam a seus alunos para irem mal no provão e assim elas ganhavam os recursos que antes iam para as universidades públicas...
É por isso que digo que Sociologia é cultura inútil...
- Apo
- Mensagens: 25468
- Registrado em: 27 Jul 2007, 00:00
- Gênero: Feminino
- Localização: Capital do Sul do Sul
Re: Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
aknatom escreveu:Falta base empírica pra sua observação colega...
A minha? Sei...

- Apo
- Mensagens: 25468
- Registrado em: 27 Jul 2007, 00:00
- Gênero: Feminino
- Localização: Capital do Sul do Sul
Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
Querem empirismo para ver o que está acontecendo no Governo Lula. 


- Ilovefoxes
- Mensagens: 1802
- Registrado em: 20 Fev 2007, 15:44
- Gênero: Masculino
Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
E tem burro que, vendo esse repeteco, assimila que é verdade... fazer o que? Tem crédulo para acreditar e funciona...
- Apo
- Mensagens: 25468
- Registrado em: 27 Jul 2007, 00:00
- Gênero: Feminino
- Localização: Capital do Sul do Sul
Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
Eles se batem e se debatem. " Me deixa o tubo, pelo amor de deus!" E a agonia continua.

- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato:
Re.: O PT e a mania do "nunca antes"
"O Globo" 20/09/07
A nossa corrupção e a deles
DEMÉTRIO MAGNOLI
A então deputada Angela Guadagnin (PT-SP) entregou-se, de corpo e alma, à defesa dos "mensaleiros" nas comissões e no plenário da Câmara.
No fim, quando um colega de partido beneficiou-se da onda de absolvições, ela protagonizou a "dança da impunidade", que lhe valeu fama instantânea e custou-lhe a reeleição.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), operando sob instruções do Planalto, engajou-se furtivamente na missão de reverter intenções de voto favoráveis à cassação de Renan Calheiros. No fim da sessão clandestina, na qual o Senado absolveu o homem das vacas milagrosas, emergiu um Mercadante pálido, que, balbuciando, declarou seu voto de abstenção e, contra as evidências, negou seu engajamento na cabala de votos.
Mercadante não se distingue de Guadagnin por seus atos, mas unicamente por se envergonhar deles - ou, numa interpretação cínica, por um cálculo eleitoral superior.
Tanto quanto a deputada dançarina, o senador imprimiu à sua biografia política o credo indelével segundo o qual é tolerável a conversão do mandato popular num passaporte para o tráfico de interesses e a fabricação de patrimônios privados.
O PT não absolveu sozinho o pecuarista milagreiro - e nem todos os senadores do partido se curvaram ao credo de Mercadante. Mas o partido de Lula soldou a maioria parlamentar que hasteou nas sombras a bandeira do escárnio.
Das entranhas do partido que acusava e condenava numa única sentença, brandindo a espada de fogo da "ética na política", nasceu um partido que tudo tolera e justifica - e que, hoje, em nome da coerência, teria de recusar o processo de impeachment de Fernando Collor.
Coerência é o que busca o ministro Tarso Genro, quando declara que seu partido cometeu o erro histórico de se apresentar como o guardião solitário da "ética na política".
Na tardia retratação, há algo mais que a marca inconfundível do oportunismo. De fato, a política democrática não comporta uma narrativa do confronto da virtude contra o vício, cuja lógica exclui o horizonte da alternância de poder.
O jogo democrático se faz, na maior parte do tempo, pelo exercício da razão instrumental, que inclui a negociação, a conciliação e a acomodação de legítimos interesses eleitorais.
A retratação de Genro veicula uma reivindicação razoável. O PT quer ser avaliado à luz dos critérios comuns da política democrática - não pelos parâmetros inatingíveis da ética absoluta que cobrava dos outros. Mas há um limite para o exercício da razão instrumental, que é o respeito à regra legal e à integridade das instituições. Esse limite foi, uma vez mais, ultrapassado.
Coerência é também o que busca, por um outro caminho, a filósofa petista Marilena Chaui. No auge da crise do "mensalão", Chaui teceu o discurso da negação, que proporcionou aos petistas um ponto de fuga teórico.
Ela explicou que o balcão tentacular de negócios não existia, a não ser na forma de uma "construção fantasmagórica da mídia". Agora, depois que o STF aceitou a denúncia contra a quadrilha do "mensalão", a filósofa cortesã reformou seu diagnóstico, mas apenas para fabricar uma peça de delinqüência intelectual em dois atos.
O primeiro ato é uma filosofia da corrupção: "Nenhum governante governa sem fazer alianças e negociações com outros partidos. Essa negociação tende à corrupção. Essa compra e venda ocorreu sistematicamente nos governos José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC." O segundo é uma corrupção da filosofia:
"Mas o PT e seu presidente operário, como ousam fazer o mesmo que os partidos da classe dominante? Que ousadia absurda!
Os meios de comunicação transformaram a situação em um caso único cone construíram a imagem do governo mais corrupto da História do Brasil."
Descontadas as inverdades óbvias, Chaui está dizendo que corrupção é destino e que nos resta escolher entre a corrupção viciosa dos outros e a corrupção virtuosa dos seus.
O círculo se fecha e uma coerência se refaz. A virtude é uma imanência do PT e de Lula: reflete as essências do partido e de "seu presidente operário", que não podem ser contaminadas pelas suas ações. Os virtuosos estavam certos quando, com ou sem evidências, denunciavam o vício - pois isso abreviava a chegada da virtude ao poder.
Os virtuosos estão certos quando, contra todas as evidências, protegem a corrupção no seu meio e no meio dos aliados - pois disso depende a continuidade da união entre a virtude e o poder.
Na operação de cabala de votos, Mercadante não disse aos colegas que o homem das vacas quentes e das notas geladas é inocente, mas que sua cassação correspondia a um interesse da oposição e a uma tentativa de desestabilizar o governo.
A sua razão instrumental não tem limites. É que, na nova ordem da filosofia, poder é virtude.
DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP. Email: demetrio.magnoli@terra.com.br.
A nossa corrupção e a deles
DEMÉTRIO MAGNOLI
A então deputada Angela Guadagnin (PT-SP) entregou-se, de corpo e alma, à defesa dos "mensaleiros" nas comissões e no plenário da Câmara.
No fim, quando um colega de partido beneficiou-se da onda de absolvições, ela protagonizou a "dança da impunidade", que lhe valeu fama instantânea e custou-lhe a reeleição.
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), operando sob instruções do Planalto, engajou-se furtivamente na missão de reverter intenções de voto favoráveis à cassação de Renan Calheiros. No fim da sessão clandestina, na qual o Senado absolveu o homem das vacas milagrosas, emergiu um Mercadante pálido, que, balbuciando, declarou seu voto de abstenção e, contra as evidências, negou seu engajamento na cabala de votos.
Mercadante não se distingue de Guadagnin por seus atos, mas unicamente por se envergonhar deles - ou, numa interpretação cínica, por um cálculo eleitoral superior.
Tanto quanto a deputada dançarina, o senador imprimiu à sua biografia política o credo indelével segundo o qual é tolerável a conversão do mandato popular num passaporte para o tráfico de interesses e a fabricação de patrimônios privados.
O PT não absolveu sozinho o pecuarista milagreiro - e nem todos os senadores do partido se curvaram ao credo de Mercadante. Mas o partido de Lula soldou a maioria parlamentar que hasteou nas sombras a bandeira do escárnio.
Das entranhas do partido que acusava e condenava numa única sentença, brandindo a espada de fogo da "ética na política", nasceu um partido que tudo tolera e justifica - e que, hoje, em nome da coerência, teria de recusar o processo de impeachment de Fernando Collor.
Coerência é o que busca o ministro Tarso Genro, quando declara que seu partido cometeu o erro histórico de se apresentar como o guardião solitário da "ética na política".
Na tardia retratação, há algo mais que a marca inconfundível do oportunismo. De fato, a política democrática não comporta uma narrativa do confronto da virtude contra o vício, cuja lógica exclui o horizonte da alternância de poder.
O jogo democrático se faz, na maior parte do tempo, pelo exercício da razão instrumental, que inclui a negociação, a conciliação e a acomodação de legítimos interesses eleitorais.
A retratação de Genro veicula uma reivindicação razoável. O PT quer ser avaliado à luz dos critérios comuns da política democrática - não pelos parâmetros inatingíveis da ética absoluta que cobrava dos outros. Mas há um limite para o exercício da razão instrumental, que é o respeito à regra legal e à integridade das instituições. Esse limite foi, uma vez mais, ultrapassado.
Coerência é também o que busca, por um outro caminho, a filósofa petista Marilena Chaui. No auge da crise do "mensalão", Chaui teceu o discurso da negação, que proporcionou aos petistas um ponto de fuga teórico.
Ela explicou que o balcão tentacular de negócios não existia, a não ser na forma de uma "construção fantasmagórica da mídia". Agora, depois que o STF aceitou a denúncia contra a quadrilha do "mensalão", a filósofa cortesã reformou seu diagnóstico, mas apenas para fabricar uma peça de delinqüência intelectual em dois atos.
O primeiro ato é uma filosofia da corrupção: "Nenhum governante governa sem fazer alianças e negociações com outros partidos. Essa negociação tende à corrupção. Essa compra e venda ocorreu sistematicamente nos governos José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC." O segundo é uma corrupção da filosofia:
"Mas o PT e seu presidente operário, como ousam fazer o mesmo que os partidos da classe dominante? Que ousadia absurda!
Os meios de comunicação transformaram a situação em um caso único cone construíram a imagem do governo mais corrupto da História do Brasil."
Descontadas as inverdades óbvias, Chaui está dizendo que corrupção é destino e que nos resta escolher entre a corrupção viciosa dos outros e a corrupção virtuosa dos seus.
O círculo se fecha e uma coerência se refaz. A virtude é uma imanência do PT e de Lula: reflete as essências do partido e de "seu presidente operário", que não podem ser contaminadas pelas suas ações. Os virtuosos estavam certos quando, com ou sem evidências, denunciavam o vício - pois isso abreviava a chegada da virtude ao poder.
Os virtuosos estão certos quando, contra todas as evidências, protegem a corrupção no seu meio e no meio dos aliados - pois disso depende a continuidade da união entre a virtude e o poder.
Na operação de cabala de votos, Mercadante não disse aos colegas que o homem das vacas quentes e das notas geladas é inocente, mas que sua cassação correspondia a um interesse da oposição e a uma tentativa de desestabilizar o governo.
A sua razão instrumental não tem limites. É que, na nova ordem da filosofia, poder é virtude.
DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP. Email: demetrio.magnoli@terra.com.br.