"O Globo" 21/10/07
A inverossímil arte da sobrevivência
Marília Martins
Correspondente • NOVA YORK
Ayaan Hirsi Ali tem as marcas de uma sobrevivente. Sua história de vida coleciona tantas reviravoltas espetaculares que beira o inverossímil. Esta, aliás, é a impressão de quem lê sua autobiografia, “Infiel”, que acaba de ser lançada em português pela Companhia das Letras.
E, no entanto, é tudo verdade: ela aprendeu cedo que, para mulheres de origem muçulmana, na África, a arte da sobrevivência vai muito além das leis da verossimilhança.
Ayaan nasceu em 1969, em Mogadíscio, na Somália. Seu pai, um importante líder da Frente de Salvação Democrática, foi preso pelo ditador Siad Barre, e a família, forçada a ir para o exílio, quando Ayaan tinha 6 anos — apenas um ano depois de se submeter, seguindo a tradição local, a uma dolorosa clitorectomia, a extirpação do clitóris. Ela cresceu entre a Arábia Saudita, a Etiópia e o Quênia.
— Aprendi na África um lado irônico da pobreza: nas famílias muçulmanas pobres, as mulheres têm mais liberdade. É assim no Quênia ou na Somália. Já na Arábia Saudita, por exemplo, onde muitas famílias têm maior poder aquisitivo, as mulheres vivem enclausuradas.
A dominação masculina é um luxo que o dinheiro permite aos homens. A liberdade é um direito que só a pobreza permite às mulheres muçulmanas — contou ela em entrevista ao GLOBO, em Nova York, onde vive atualmente.
De faxineira a deputada pelo Parlamento holandês
Em 1992, o pai arranjaria seu casamento com um primo canadense. Depois da cerimônia, o casal partiu para vida nova no Canadá, mas Ayaan conseguiu fugir do marido, na conexão do vôo, em Dusseldorf, Alemanha.
Pegou um trem, atravessou a fronteira com a Holanda e pediu asilo político, com identidade falsa e informações imprecisas sobre sua fuga. Conseguiu asilo e começou a trabalhar com serviços de faxina. Mas logo, por conta de sua facilidade para o aprendizado de línguas, arrumou emprego como tradutora para serviços sociais e de imigração.
Em 1995, ela já cursava Ciência Política na Universidade de Leiden. Tornou-se pesquisadora do Partido Trabalhista Holandês e ganhou a nacionalidade holandesa em 1997. E passou a fazer uma crítica cada vez mais severa do islamismo.
— Há muitas diferenças religiosas entre xiitas e sunitas, mas essas diferenças desaparecem do ponto de vista político, porque o autoritarismo tem sido a regra nas sociedades muçulmanas de modo geral. Para mim, há algo no islamismo que leva ao autoritarismo e à sociedade machista, que suprime os direitos das mulheres. Por isso voltei as costas ao islamismo.
Quanto mais secular a sociedade, melhor. Os anos seguintes não seriam menos tumultuados. Ayaan escreveu sua autobiografia, fazendo do texto um libelo contra o islamismo e um depoimento contundente sobre a violência a que as mulheres são submetidas nas sociedades muçulmanas, por força da religião.
E o que é mais audacioso: Ayaan denunciou a violência contra mulheres muçulmanas também em países europeus democráticos, inclusive na Holanda.
— Não acredito que a Europa seja assim tão democrática quanto se propaga. Na Alemanha, por exemplo, houve o caso famoso da mulher muçulmana que pediu o divórcio do marido e teve seu pedido negado pelo juiz com base no fato de que o casal não teria o divórcio em seu país de origem, o Marrocos.
De acordo com o juiz, a mulher havia concordado com o casamento naquelas condições e por isso não teria direito a divórcio. Foi um escândalo porque este argumento da discriminação religiosa pode ser usado para proteger a dominação masculina de séculos nos países islâmicos.
Segundo Ayaan, algo semelhante acontece com relação aos direitos dos pais muçulmanos em vários países europeus: — Nos países islâmicos, o pai tem o direito de orientar a educação de seus filhos, sobretudo de sua filha, e de inclusive interromper essa educação se considerar que a escola ameace a sua fé religiosa.
Nos países europeus, quando um pai decide tirar sua filha da escola para que ela não aprenda idéias que ele considera inconvenientes, ele estará exercendo seu direito de ter uma religião e de praticá-la plenamente. Ou seja, na Europa, o argumento da liberdade religiosa também pode ser usado contra as meninas que querem estudar e romper com a tradição da dominação masculina.
Defesa polêmica do direito de ofender
Ayaan elegeu-se deputada do Parlamento holandês em 2003 e ganhou fama internacional no ano seguinte, com o roteiro de um filme polêmico, “Submissão”, sobre mulheres muçulmanas vítimas de violência doméstica.
O diretor do filme, Theo Van Gogh, seria brutalmente assassinado na rua, em Amsterdã, em novembro de 2004, e, junto à adaga fincada em seu peito, havia uma carta do assassino, com ameaça de morte destinada a Ayaan. O motivo: a sua defesa radical da liberdade de expressão.
Por causa dela, aliás, Ayaan deixou um rastro de polêmica, em 2006, ao defender o direito da imprensa de publicar uma série de cartoons ofensivos a Maomé.
— Defendi, sim, o direito de ofender, dentro das regras do jogo democrático, claro. A democracia é isto: o direito de dizer tudo o que se pensa, inclusive expressar idéias que podem ser agressivas e ofensivas para os outros. Só assim existe um verdadeiro debate. Caso contrário, vamos cair na censura, no autoritarismo.
As idéias têm que ser livres. As sociedades que censuram as palavras são aquelas nas quais os conflitos são resolvidos pela violência, pelo desrespeito à liberdade dos indivíduos.
Depois do assassinato de Theo Van Gogh, Ayaan pediu que o Parlamento holandês arcasse com os altos custos da proteção à sua vida. O pedido foi recusado quando se revelou que ela havia solicitado asilo político com base em informações falsas. Ela enfrentou pressões para que renunciasse à cadeira no Parlamento — o que fez — e foi ameaçada de perder a cidadania holandesa, mas o governo voltou atrás.
Isso fez com que Ayaan migrasse novamente, desta vez para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como pesquisadora no American Enterprise Institute for Public Policy Research, instituição tradicional de pensamento político conservador.
— Não vivi em algum outro país mais democrático e livre do que os EUA. Aqui existe liberdade porque a ação do governo tem um limite. Aqui a sociedade civil é forte, e as leis são seculares.
O secularismo é a salvaguarda da liberdade. Só a separação total entre Estado e religião garante a democracia. É aqui que quero viver. É aqui que está o meu futuro — afirma.
Para tocar sua vida, Ayaan teve que contratar seguranças particulares, um serviço muito caro, tanto que ela pretende abrir um fundo para receber doações que possam ajudá-la.
As ameaças dos extremistas acabam cerceando sua circulação, e volta e meia ela cancela viagens, como a que faria há poucos dias ao México, onde participaria do Fórum Universal das Culturas, em Monterrey.
Curiosidade sobre os leitores brasileiros
Embora não tenha dito o motivo, Ayaan também cancelou em cima da hora sua viagem ao Brasil, onde faria ontem o lançamento de seu livro em São Paulo. Ela diz ter muita curiosidade sobre como os brasileiros vão ler o seu livro: — Conheço muito pouco do Brasil. Sei que é uma democracia e que tem uma grande população de origem africana. Por isso, imagino que haja muitas afinidades entre a minha experiência de vida e a de leitores familiarizados com a cultura africana.
Em Nairobi, no Quênia, eu sempre via crianças que viviam em torno de um depósito de lixo e pensava: “Não posso me sentir infeliz porque há gente com muito mais motivo para isso do que eu”. Acho que a África me deu um enorme sentido de sobrevivência, de vontade de superar as minhas condições de vida. E acho que isto também existe no Brasil.
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“MEU COMPROMISSO SEGUINTE FOI NO CENTRO DE RECEPÇÃO DE
Schalkhaar. Traduzi a entrevista de uma gala que morava nas
imediações de Afgoye. Os combatentes hawiye a capturaram e
a encarceraram em um complexo com várias outras mulheres.
Todas estavam lá para ser estupradas, e ainda eram
obrigadas a cozinhar, a fazer a faxina e a ir buscar lenha
para os soldados. Ao contar sua história, ela começou a
tremer. Falava baixo, dizia frases breves, entrecortadas e, ao
traduzi-las, não consegui refrear as lágrimas.
Pedi desculpas à funcionária: ‘Sei que estou atrapalhando.
Lamento, mas é que comecei a trabalhar há pouco tempo. A
senhora me permite sair um minuto para lavar o rosto?’ Mas,
ao erguer a vista, vi que a holandesa também estava chorando”.
[Trecho do livro “Infiel”, de Ayaan Hirsi Ali
Mulheres muçulmanas sofrem também na Europa
- Fernando Silva
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Mas bah, Tche!
E eu me lembro das mulçumanas, protestando contra as restrições do uso do véu na França, uma medida, que pode ser vista, mais como defesa da sua liberdade, do que algo que a tivesse impedindo.
E tinha gente aquí, alinhada com o protesto, como se não conhecesse as condições precárias de liberdade, que elas tinham, até dentro de suas famílias.
Mas bah, Tche!
E eu me lembro das mulçumanas, protestando contra as restrições do uso do véu na França, uma medida, que pode ser vista, mais como defesa da sua liberdade, do que algo que a tivesse impedindo.
E tinha gente aquí, alinhada com o protesto, como se não conhecesse as condições precárias de liberdade, que elas tinham, até dentro de suas famílias.
Sócrates, o pai da sabedoria, 470 aC, dizia:
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...

- francioalmeida
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- Registrado em: 12 Dez 2005, 22:08
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zencem escreveu:.
Mas bah, Tche!
E eu me lembro das mulçumanas, protestando contra as restrições do uso do véu na França, uma medida, que pode ser vista, mais como defesa da sua liberdade, do que algo que a tivesse impedindo.
E tinha gente aquí, alinhada com o protesto, como se não conhecesse as condições precárias de liberdade, que elas tinham, até dentro de suas famílias.
Há quem não goste da liberdade, acredite!
Re.: Mulheres muçulmanas sofrem também na Europa
Incrível como existen variações de gostos, eles preferem mulheres sem prazer sexual

Deus é um só...
...mas com várias caras: uma para cada religião
O homem é um animal inteligente o bastante para criar o seu próprio criador
Ei, porque acreditar em alguem que pune todos os descendentes e também todos os animais por causa da desobediência de dois indivíduos?