Os novos imperialistas na África
Os novos imperialistas na África
Fonte
Greg Mills*
Em Johannesburgo, África do Sul
"Façamos um teste. Vamos ver qual Landcruiser de uma ONG chega primeiro ao estacionamento", disse recentemente um colega em Ruanda.
Não era uma piada. A área de estacionamento de um restaurante sofisticado em qualquer capital africana revela muita coisa a respeito do novo jogo neo-imperialista que se desenrola na África.
Um veículo de tração nas quatro rodas após o outro, cada um trazendo a logomarca de alguma agência doadora ou instituição de caridade voltada para as crianças, disputava o espaço para estacionar.
Não é difícil também identificar o pessoal do setor humanitário. Eles geralmente são brancos e barulhentos, e preferem usar um uniforme do tipo chique-surrado composto de camiseta, calça jeans e sandálias. Mas eles são mais poderosos e geralmente menos benignos do que parecem.
O fato de ter me sentado recentemente no Cafe Bourbon na reluzente área de compras em Kigali abriu os meus olhos - e os meus ouvidos - para algumas das conseqüências disso.
"Precisamos apenas transferir os US$ 8,5 milhões", disse o funcionário norte-americano de uma proeminente organização não governamental. Tal dinheiro confere poder e influência consideráveis a esses indivíduos. O ruandês médio ganha US$ 240 por ano. O orçamento anual do governo é de US$ 650 milhões. Acontecimentos recentes no Chade relativos ao suposto contrabando de crianças órfãs por uma ONG ilustram, para dizer o mínimo, o grau de suspeita provocado por tal poder relativo.
Aqueles que simpatizam com o povo, a maioria jovens, que realizam trabalhos humanitários na África argumentam que fornecem habilidades muito necessárias aos africanos destituídos. A defesa normalmente acrescenta que eles estão abdicando de carreiras promissoras e enfrentando dificuldades ao optar por esse trabalho.
O que eles não enfatizam é o dano menos óbvio que causam. Aqueles que anteriormente prestavam serviços imperialistas sofreram dificuldades, doenças e violência. Naquela época não havia evacuação médica de emergência, a mídia para dramatizar os serviços realizados, nem astros da música pop para fazer campanhas favoráveis àqueles funcionários. E, ainda que aqueles antepassados tenham promovido políticas que hoje em dia são consideradas repulsivas, eles eram mais responsáveis do que os indivíduos engajados nesse novo serviço quase colonial. Os agentes imperialistas do passado pelo menos tinham que prestar contas aos parlamentos e contribuintes, e não a diretorias escolhidas internamente, compostas de líderes ideológicos cheios de auto-importância.
Mas isso não é o pior. Recentemente Paris Hilton anunciou que será realmente corajosa e viajará para Ruanda.
"Sim, estou assustada", disse ela. "Ouvir dizer que é realmente perigoso. Nunca fiz uma viagem como essa".
Ela estaria pretendendo "deixar a sua marca", assim como vários outros antes dela, supostamente ajudando a África enquanto ajuda a si própria. Assim que chegar lá ela pode pensar em fazer uma visita à Millennium Development Village local, uma idéia para ajudar a África formulada pelo professor da Universidade Columbia, Jeffrey Sachs. A celebridade cabeça-de-vento poderia conhecer a celebridade da economia.
Ao explicar o que motivou a idéia da viagem, Hilton declarou: "Existe tanta necessidade nessa área, e sinto que, se for lá, isso atrairá mais atenção para aquilo que as pessoas podem fazer para ajudar".
Se isso de fato ocorrer, tomara que a visita da herdeira do império da hotelaria - uma visita atualmente adiada - seja mais bem-sucedida do que o conceito de vila por meio do qual Sachs quis provar a sua teoria de que, se você fornecer recursos suficientes a uma pequena unidade, os habitantes prosperarão, em um micro-protótipo da tese do "mais ajuda é igual a mais desenvolvimento africano".
O custo dos "serviços" prestados por tais estrangeiros é, como sempre, carregado pelos africanos. As suas ações, técnicas de obtenção de verbas e proeminência fortalecem a percepção de que a África é incapaz de ajudar a si mesmo, uma percepção ao mesmo tempo doméstica, e, especialmente tendo em vista as exigências feitas para o financiamento das ONGs estrangeiras, externa. O trabalho dessas pessoas perpetua a idéia do desamparo e uma mentalidade de vítima.
Em um momento no qual muita gente percebeu que o desenvolvimento da África depende dos africanos determinarem as suas próprias políticas e fazerem essas escolhas, tais ações deslocam poder e ênfase para longe dos tomadores de decisões do continente.
Retratar a África como um objeto de pena é algo que também ignora o progresso bem real que o continente, atualmente no seu quarto ano consecutivo de crescimento de 6% do seu produto interno bruto, fez na solução de conflitos e elevação dos padrões de vida.
O que a África necessita é de um crescimento econômico extraordinário, e não de uma piedade extraordinária. É por isso que a África acabará cansando-se desta nova geração de imperialistas, assim como rejeitou os imperialistas anteriores.
*Greg Mills é diretor da Fundação Brenthurst, com sede em Johannesburgo.
Greg Mills*
Em Johannesburgo, África do Sul
"Façamos um teste. Vamos ver qual Landcruiser de uma ONG chega primeiro ao estacionamento", disse recentemente um colega em Ruanda.
Não era uma piada. A área de estacionamento de um restaurante sofisticado em qualquer capital africana revela muita coisa a respeito do novo jogo neo-imperialista que se desenrola na África.
Um veículo de tração nas quatro rodas após o outro, cada um trazendo a logomarca de alguma agência doadora ou instituição de caridade voltada para as crianças, disputava o espaço para estacionar.
Não é difícil também identificar o pessoal do setor humanitário. Eles geralmente são brancos e barulhentos, e preferem usar um uniforme do tipo chique-surrado composto de camiseta, calça jeans e sandálias. Mas eles são mais poderosos e geralmente menos benignos do que parecem.
O fato de ter me sentado recentemente no Cafe Bourbon na reluzente área de compras em Kigali abriu os meus olhos - e os meus ouvidos - para algumas das conseqüências disso.
"Precisamos apenas transferir os US$ 8,5 milhões", disse o funcionário norte-americano de uma proeminente organização não governamental. Tal dinheiro confere poder e influência consideráveis a esses indivíduos. O ruandês médio ganha US$ 240 por ano. O orçamento anual do governo é de US$ 650 milhões. Acontecimentos recentes no Chade relativos ao suposto contrabando de crianças órfãs por uma ONG ilustram, para dizer o mínimo, o grau de suspeita provocado por tal poder relativo.
Aqueles que simpatizam com o povo, a maioria jovens, que realizam trabalhos humanitários na África argumentam que fornecem habilidades muito necessárias aos africanos destituídos. A defesa normalmente acrescenta que eles estão abdicando de carreiras promissoras e enfrentando dificuldades ao optar por esse trabalho.
O que eles não enfatizam é o dano menos óbvio que causam. Aqueles que anteriormente prestavam serviços imperialistas sofreram dificuldades, doenças e violência. Naquela época não havia evacuação médica de emergência, a mídia para dramatizar os serviços realizados, nem astros da música pop para fazer campanhas favoráveis àqueles funcionários. E, ainda que aqueles antepassados tenham promovido políticas que hoje em dia são consideradas repulsivas, eles eram mais responsáveis do que os indivíduos engajados nesse novo serviço quase colonial. Os agentes imperialistas do passado pelo menos tinham que prestar contas aos parlamentos e contribuintes, e não a diretorias escolhidas internamente, compostas de líderes ideológicos cheios de auto-importância.
Mas isso não é o pior. Recentemente Paris Hilton anunciou que será realmente corajosa e viajará para Ruanda.
"Sim, estou assustada", disse ela. "Ouvir dizer que é realmente perigoso. Nunca fiz uma viagem como essa".
Ela estaria pretendendo "deixar a sua marca", assim como vários outros antes dela, supostamente ajudando a África enquanto ajuda a si própria. Assim que chegar lá ela pode pensar em fazer uma visita à Millennium Development Village local, uma idéia para ajudar a África formulada pelo professor da Universidade Columbia, Jeffrey Sachs. A celebridade cabeça-de-vento poderia conhecer a celebridade da economia.
Ao explicar o que motivou a idéia da viagem, Hilton declarou: "Existe tanta necessidade nessa área, e sinto que, se for lá, isso atrairá mais atenção para aquilo que as pessoas podem fazer para ajudar".
Se isso de fato ocorrer, tomara que a visita da herdeira do império da hotelaria - uma visita atualmente adiada - seja mais bem-sucedida do que o conceito de vila por meio do qual Sachs quis provar a sua teoria de que, se você fornecer recursos suficientes a uma pequena unidade, os habitantes prosperarão, em um micro-protótipo da tese do "mais ajuda é igual a mais desenvolvimento africano".
O custo dos "serviços" prestados por tais estrangeiros é, como sempre, carregado pelos africanos. As suas ações, técnicas de obtenção de verbas e proeminência fortalecem a percepção de que a África é incapaz de ajudar a si mesmo, uma percepção ao mesmo tempo doméstica, e, especialmente tendo em vista as exigências feitas para o financiamento das ONGs estrangeiras, externa. O trabalho dessas pessoas perpetua a idéia do desamparo e uma mentalidade de vítima.
Em um momento no qual muita gente percebeu que o desenvolvimento da África depende dos africanos determinarem as suas próprias políticas e fazerem essas escolhas, tais ações deslocam poder e ênfase para longe dos tomadores de decisões do continente.
Retratar a África como um objeto de pena é algo que também ignora o progresso bem real que o continente, atualmente no seu quarto ano consecutivo de crescimento de 6% do seu produto interno bruto, fez na solução de conflitos e elevação dos padrões de vida.
O que a África necessita é de um crescimento econômico extraordinário, e não de uma piedade extraordinária. É por isso que a África acabará cansando-se desta nova geração de imperialistas, assim como rejeitou os imperialistas anteriores.
*Greg Mills é diretor da Fundação Brenthurst, com sede em Johannesburgo.
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).
- clara campos
- Moderadora
- Mensagens: 3356
- Registrado em: 02 Abr 2006, 15:42
- Contato:
Re.: Os novos imperialistas na África
Quanta arrogância achar que apenas "nós" podemosrealmente fazer alguma coisa por áfrica, só "nós" é que fazemos bem, nós é que temos a solução...
Quanto cinismo.
Estes senhores fariam bem em denunciar os abusos e corrupções de que têm conhecimento, ao invés de lançarem suspeitas vagas e generalizadas sobre qualquer tentativa de ajuda.
Quanto cinismo.
Estes senhores fariam bem em denunciar os abusos e corrupções de que têm conhecimento, ao invés de lançarem suspeitas vagas e generalizadas sobre qualquer tentativa de ajuda.
Só por existir, só por duvidar, tenho duas almas em guerra e sei que nenhuma vai ganhar... (J.P.)
- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato:
Re.: Os novos imperialistas na África
O Brasil está cheio de ONGs que não fazem nada (há muitas e honrosas exceções, claro) e não querem que os problemas se resolvam para não perderem sua razão de ser e as verbas que recebem do governo.
Se cada ONG que cuida das crianças de rua levasse uma ou duas para casa, não haveria mais crianças de rua.
Se cada ONG que cuida das crianças de rua levasse uma ou duas para casa, não haveria mais crianças de rua.
- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato:
Pug! escreveu:O velhinho ditado aplica-se na perfeição: Ensina a pescar em lugar de dar o peixe.
Quando nós criticamos a distribuição demagógica de esmolas do governo Lula, os esquerdinhas caem de porrada em cima da gente nos acusando de elitistas.
“(...) uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. ("Vozes da seca", de Luiz Gonzaga)
Fernando Silva escreveu:Pug! escreveu:O velhinho ditado aplica-se na perfeição: Ensina a pescar em lugar de dar o peixe.
Quando nós criticamos a distribuição demagógica de esmolas do governo Lula, os esquerdinhas caem de porrada em cima da gente nos acusando de elitistas.
“(...) uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. ("Vozes da seca", de Luiz Gonzaga)
A bolsa família dentro do próprio país é necessária. Esta deve ser seguida de um contrato de inserção social como condição à ajuda.
Trata-se de apoiar o aprendizado do acto de pescar até que a pessoa possa fazer com os próprios meios.
No caso das ajudas a África, na maioria das vezes aparentam assistência pura e simples, onde não estão presentes medidas de desenvolvimento para que as populações possam fazer face às dificuldades futuras por seus próprios meios.
Esta politica incompleta ou diria incorrecta leva-me a considerar que os meios implicados pelas ONG's seriam melhor utilizados nos países de origem onde a pobreza também está presente.
- clara campos
- Moderadora
- Mensagens: 3356
- Registrado em: 02 Abr 2006, 15:42
- Contato:
Re: Re.: Os novos imperialistas na África
Fernando Silva escreveu:O Brasil está cheio de ONGs que não fazem nada (há muitas e honrosas exceções, claro) e não querem que os problemas se resolvam para não perderem sua razão de ser e as verbas que recebem do governo.
Se cada ONG que cuida das crianças de rua levasse uma ou duas para casa, não haveria mais crianças de rua.
Como se ensina um homem que está a morrer de fome a pescar?
"aguenta mais três dias velho, se te aguentares sem morrer, pode ser que daqui a quatro ou cinco dias apanhes uma sardinha..."
Como venho dizendo, é uma guerra com várias batalhas, e só porque somos mais aptos com o arco não deveremos menosprezar a cavalaria.
Só por existir, só por duvidar, tenho duas almas em guerra e sei que nenhuma vai ganhar... (J.P.)
Re.: Os novos imperialistas na África
[darwinismo social ou talvez não on] "Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!",
Por Fuser 13/07/2005 às 15:25
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma economista do Quênia
Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependência
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma economista do Quênia
Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependência
Thilo Thielke
Em Hamburgo
O especialista em economia James Shikwati, 35, do Quênia, diz que a ajuda à África é mais prejudicial que benéfica. O entusiástico defensor da globalização falou com a SPIEGEL sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento ocidental na África, sobre governantes corruptos e a tendência a exagerar o problema da Aids.
DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da África...
James Shikwati - Pelo amor de Deus, parem com isso!
DS - Parar? Os países industrializados do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati - Essas intenções estão prejudicando nosso continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África, o continente continua pobre.
DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?
Shikwati - Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao desenvolvimento.
DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.
Shikwati - Mas são os próprios quenianos quem deveria ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de "apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de toneladas de milho são embarcadas para a África...
DS - Milho que vem predominantemente de agricultores europeus e americanos altamente subsidiados...
Shikwati - ... e em algum momento esse milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado negro, onde o milho é vendido a preços extremamente baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus arados; ninguém consegue concorrer com o programa de alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.
DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati - Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos, para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis favorecendo a economia de mercado.
DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses problemas por conta própria?
Shikwati - É claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos países industrializados existe a sensação de que a África naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acredite-me, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem. E não fizemos tudo isso com pobreza.
DS - Mas naquela época não existia a Aids.
Shikwati - Se acreditássemos em todos os relatórios horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje. Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e acontece que os números foram enormemente exagerados. Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um problema equivalente, mas as pessoas raramente falam disso.
DS - E por quê?
Shikwati - A Aids é um grande negócio, talvez o maior negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.
DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais, segundo eles.
Shikwati - Temo, porém, que esse dinheiro ainda será transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar. Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o dinheiro verteu para o país.
DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos específicos.
Shikwati - Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o máximo possível. O falecido tirano da República Centro Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país. Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o gastamos".
DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e mandam roupas usadas em sacolas...
Shikwati - ... e então inundam nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do preço. Isso é loucura!
DS - ... e esperamos que seja uma exceção.
Shikwati - Por que recebemos essas montanhas de roupas? Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e os frágeis mercados africanos entram em colisão.
DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida?
Shikwati - No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo tsunami na Tailândia também podem ser consertados com um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A África, porém, precisa dar os primeiros passos na modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos. Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil se as organizações de ajuda saíssem.
DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos imediatamente.
Shikwati - Empregos que foram criados artificialmente, para começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam. E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal, o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da ajuda, distribuindo comida européia e forçando os agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente loucura!
DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar os receptores de suas verbas.
Shikwati - E qual é o resultado? Um desastre. O governo alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no país vizinho, o Congo.
DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza, deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência. Atualmente a África é como uma criança que chora imediatamente para que a babá venha quando há algo errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés. [/darwinismo social ou talvez não off]
Por Fuser 13/07/2005 às 15:25
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma economista do Quênia
Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependência
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma economista do Quênia
Especialista explica que a ajuda internacional alimenta a corrupção e impede que a economia se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa desemprego, mais miséria e mais dependência
Thilo Thielke
Em Hamburgo
O especialista em economia James Shikwati, 35, do Quênia, diz que a ajuda à África é mais prejudicial que benéfica. O entusiástico defensor da globalização falou com a SPIEGEL sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento ocidental na África, sobre governantes corruptos e a tendência a exagerar o problema da Aids.
DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da África...
James Shikwati - Pelo amor de Deus, parem com isso!
DS - Parar? Os países industrializados do Ocidente querem eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati - Essas intenções estão prejudicando nosso continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África, o continente continua pobre.
DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?
Shikwati - Burocracias enormes são financiadas (com o dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao desenvolvimento.
DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.
Shikwati - Mas são os próprios quenianos quem deveria ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de "apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de toneladas de milho são embarcadas para a África...
DS - Milho que vem predominantemente de agricultores europeus e americanos altamente subsidiados...
Shikwati - ... e em algum momento esse milho acaba no porto de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado negro, onde o milho é vendido a preços extremamente baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus arados; ninguém consegue concorrer com o programa de alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas fatal.
DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati - Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos, para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis favorecendo a economia de mercado.
DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses problemas por conta própria?
Shikwati - É claro. A fome não deveria ser um problema na maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos países industrializados existe a sensação de que a África naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acredite-me, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem. E não fizemos tudo isso com pobreza.
DS - Mas naquela época não existia a Aids.
Shikwati - Se acreditássemos em todos os relatórios horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje. Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e acontece que os números foram enormemente exagerados. Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um problema equivalente, mas as pessoas raramente falam disso.
DS - E por quê?
Shikwati - A Aids é um grande negócio, talvez o maior negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.
DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais, segundo eles.
Shikwati - Temo, porém, que esse dinheiro ainda será transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar. Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o dinheiro verteu para o país.
DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos específicos.
Shikwati - Isso não muda nada. Milhões de dólares destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o máximo possível. O falecido tirano da República Centro Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país. Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o gastamos".
DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e mandam roupas usadas em sacolas...
Shikwati - ... e então inundam nossos mercados com essas coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do preço. Isso é loucura!
DS - ... e esperamos que seja uma exceção.
Shikwati - Por que recebemos essas montanhas de roupas? Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em 2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e os frágeis mercados africanos entram em colisão.
DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida?
Shikwati - No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo tsunami na Tailândia também podem ser consertados com um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A África, porém, precisa dar os primeiros passos na modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos. Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil se as organizações de ajuda saíssem.
DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos imediatamente.
Shikwati - Empregos que foram criados artificialmente, para começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam. E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal, o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da ajuda, distribuindo comida européia e forçando os agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente loucura!
DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar os receptores de suas verbas.
Shikwati - E qual é o resultado? Um desastre. O governo alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no país vizinho, o Congo.
DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza, deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência. Atualmente a África é como uma criança que chora imediatamente para que a babá venha quando há algo errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés. [/darwinismo social ou talvez não off]
Re.: Os novos imperialistas na África
Programas sociais dentro de uma nação é vital e não pode ser comparado com a eterna assistência a determinados países, isto sobretudo se não for aplicado um programa vigilante sobre o uso da ajuda e seus resultados.
