Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

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Res Cogitans
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Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Mensagem por Res Cogitans »

Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Gustavo Ioschpe
Revista Veja - 7/11/2007

O Pisa é atualmente o teste internacional de qualidade da educação mais reconhecido globalmente. Ele é aplicado a cada três anos pela OCDE e sua última edição, sobre a qual temos resultados disponíveis, pintou um quadro aterrador para o Brasil.

Em primeiro lugar, porque nosso desempenho geral foi baixíssimo. Entre os quarenta países participantes (trinta desenvolvidos e dez em desenvolvimento), ficamos em último lugar em matemática, penúltimo em ciências e 37º na área de leitura. Esse resultado não é de todo surpreendente, já que há anos e em vários outros testes internacionais colhemos resultados parecidos.

Há sempre uma tendência do setor mais ilustrado da nossa sociedade de dar de ombros a esses resultados, creditar o fracasso nacional às escolas públicas e imaginar que, colocando o filho em uma boa escola particular, o problema não o afeta. O Pisa demonstra que esse raciocínio não é apenas tacanho, mas também fundamentalmente equivocado - e aí, sim, há uma surpresa digna de nota.

O problema não é apenas das escolas públicas, mas da educação como um todo. Não há ilhas de excelência no mar de lodo. Em matemática, por exemplo, apenas 1,2% dos alunos brasileiros chega aos dois níveis mais altos de desempenho, contra uma média de 15% dos estudantes dos países da OCDE, 19% dos de Macau (China) e 7% dos da Rússia.

A situação fica ainda mais clara quando fazemos o recorte por nível socioeconômico: o desempenho dos 25% mais ricos do Brasil é menor do que a média dos 25% mais pobres dos países da OCDE. Deixe-me repetir: os alunos da nossa elite têm desempenho educacional pior do que os mais pobres dentre os países desenvolvidos.

A idéia de que a escola particular brasileira é boa e protege seus alunos das deficiências da escola pública é falsa. Nossas escolas particulares são apenas menos ruins do que as públicas - mas, se comparadas às escolas de outros países ou a um nível ideal de qualidade, certamente ficam muito distantes.

Os pais que colocam seus filhos em escolas particulares estão, na realidade, pagando por um diferencial que vem mais deles (pais) do que da escola em si. Estudos recentes do economista Naercio Menezes Filho indicam que 80% da diferença de desempenho entre as escolas públicas e as privadas é explicável pelo status socioeconômico da família do aluno. Outros 10% são explicáveis pelo status dos colegas de ensino. Apenas os 10% restantes são atribuíveis à qualidade da própria escola.

Ou seja, de cada 10 pontos de performance superior de um aluno de escola particular, 8 são explicados pelo fato de ele já vir de casa com maior bagagem cultural, ter acesso a livros e viver em um ambiente sem carências materiais agudas; 1 ponto é explicado pelo fato de os colegas dele virem igualmente de ambientes privilegiados - e a literatura empírica é categórica ao apontar os efeitos que os colegas têm sobre o desempenho de um aluno (peer effects) -; e o outro ponto pode ser atribuído à qualidade da escola.

Não é muito difícil entender por que esse quadro é assim. O ator fundamental do processo de ensino é o professor. A boa administração escolar sempre é positiva e surte resultados, mas nem toda a eficiência gerencial do mundo fará com que um mau professor dê uma boa aula.

Segundo o Perfil dos Professores Brasileiros, da Unesco, 81% dos atuais professores cursaram seu ensino fundamental em escolas públicas e quase 70% fizeram o curso secundário em escolas públicas. Se esse professor é formado em instituições de ensino claudicantes, ele tenderá a ser também um professor despreparado, por mais rica e organizada que seja a escola em que leciona.

Não é possível para a nossa elite criar uma blindagem para se proteger das mazelas do setor público. Não apenas porque a escola pública formará a mão-de-obra dessa elite dirigente, mas também porque formará os professores dos seus filhos. Em todos os países do mundo, educação é um projeto público e nacional. Ou todos vão bem, ou o país vai mal.

Isso não significa dizer, obviamente, que a escola particular não tenha razão de existir ou, pior, que deva ser proibida. Em uma sociedade livre, cada família deve ter o direito de dar aos seus filhos a educação que merece - inclusive uma educação que, medida por testes padronizados, seja de qualidade igual ou inferior à da escola gratuita. No caso de um país com as carências educacionais que temos, mesmo que a diferença pró-particulares seja pequena, nenhum pingo de excelência pode ser sacrificado.

O que esses dados sugerem é que esse modelo de ensino chegou ao seu esgotamento. Seus problemas são em larga medida resultantes de uma mesma mentalidade que permeia nossa vida nacional e causa dificuldades por onde passa. Por muito tempo, os que tiveram a responsabilidade de pensar o país pensaram antes de tudo em si mesmos. Assim, criamos um sistema educacional em que a qualidade do ensino ministrado aos mais pobres não importa e o objetivo do ensino destinado aos ricos é ser tão-somente melhor do que o destinado aos pobres.

Enquanto éramos uma sociedade autárquica e agroexportadora, essa miopia não tinha conseqüências maiores. Não é preciso Ph.D. para plantar café e não é preciso preocupar-se com a indústria chinesa em tempos de reserva de mercado. O problema é que nas últimas décadas o mundo mudou e o Brasil quer participar desse mundo novo - sem, porém, mudar a si mesmo.

No momento em que o mercado passa a ser global e não nacional ou estadual e em que a competitividade das nações se dá pela produção de bens e serviços de alto valor agregado, o modelo educacional brasileiro já não dá mais conta do recado. Precisamos colocar mais gente nas escolas e especialmente em nossas universidades, e a saída para isso é apenas uma: a melhoria da qualidade do ensino que nossas crianças recebem. Mau ensino hoje é igual a evasão amanhã.

A conclusão é lógica: mesmo quem coloca os filhos em escolas particulares deve se preocupar com a qualidade da educação pública. E com urgência. Não apenas por espírito cívico, mas por amor-próprio também. Atualmente, 13% dos alunos do ensino básico estão em escolas privadas e os outros 87% estudam em instituições públicas.

O único encontro entre esses dois grupos que gera alguma mobilização do setor mais avantajado é quando os ex-alunos da escola pública entram na escola do crime e cutucam as janelas dos carros dos ricos com os seus revólveres. Aí, já é tarde demais. No Brasil de 2007, voltar nossa atenção para o que acontece na 1ª série do ensino fundamental das escolas de periferia virou questão de sobrevivência - coletiva e individual, figurada e literal.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Res Cogitans
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Re.: Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Mensagem por Res Cogitans »

Resumindo você paga mil reais para seu filho ter uma educação pior que a de um filho de um servente finlandês.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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zencem
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Re: Re.: Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Mensagem por zencem »

Res Cogitans escreveu:Resumindo você paga mil reais para seu filho ter uma educação pior que a de um filho de um servente finlandês.

"Os pais que colocam seus filhos em escolas particulares estão, na realidade, pagando por um diferencial que vem mais deles (pais) do que da escola em si".


Lorênchu, fia da puta: pá dêntu, já te díssi, cassôro...

Chábi, viginhu: si agênti num dá um pôcu di inducaxão pra essis fíu, elis si criam qui nem bíssu.

:emoticon262:

Sócrates, o pai da sabedoria, 470 aC, dizia:

- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".


500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:

- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".

Deu no que deu !!! ... :emoticon147:


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Leonardo
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Re: Re.: Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Mensagem por Leonardo »

Res Cogitans escreveu:Resumindo você paga mil reais para seu filho ter uma educação pior que a de um filho de um servente finlandês.


Isso explica, ao menos em parte, termos o sexto lugar em publicações científicas mas termos os nosso trabalhos, em termos de consultas, na 14ª posição.
Quantidade sem qualidade.
Abç
Leo

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Res Cogitans
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Mensagem por Res Cogitans »

Após um estudo comparativo sobre o ensino da matemática no Japão, Alemanha e Estados Unidos, Stiegler e Hiebert (1997) concluíram que “Muda-se o professor e a qualidade do ensino muda. Alguns professores são competentes e outros não, por isso a forma de melhorar o ensino é recrutar melhores professores. Mas essa perspectiva ignora uma verdade indiscutível sobre o ensino: se o método é limitado, a aprendizagem dos alunos também será limitada independentemente do talento do professor. Os professores são tão bons quanto os métodos que utilizam”


O que isso nos diz? Que existem métodos mais eficazes que outros na hora de educar, o que para mim deveria ser ÓBVIO ULULANTE para qualquer pessoa. Vários aspectos educacionais podem ser estudados com rigores científicos, e muitas vezes o são, mas a passagem da literatura científica para a sala de aula é praticamente inexistente.

Vou citar um dentre mil aspectos da educação: a avaliação. A literatura em educação é bastante sobre a eficiência da avaliação formativa para o aumento de desempenho dos alunos. Bloom, Madaus e Hastings no Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar citam o estudo de Airasian onde o uso de avaliação formativa quaduplicou o número de conceitos A no final de um curso universitário (a saber o curso era sobre fundamentação teórica dos testes). Nos anos seguintes os resultados foram ainda melhores: 90% de conceitos A. A eficácia da avaliação formativa é comprovada desde os anos 70, mas você vê alguém usando??? Aliás você já ouviu falar neste termo???

Domingos Fernandes faz um resumo dos resultados da meta-análise de Black e William da sequinte forma:

1. Os alunos que frequentam salas de aula em que a avaliação é
essencialmente de natureza formativa aprendem significativamente
mais e melhor do que os alunos que frequentam aulas em que a
avaliação é sobretudo sumativa.

2. Os alunos que mais beneficiam da utilização deliberada e
sistemática da avaliação formativa são os alunos que têm mais
dificuldades de aprendizagem.

3. Os alunos que frequentam aulas em que a avaliação é formativa
obtêm melhores resultados em exames externos do que os alunos
que frequentam aulas em que a avaliação é somativa


Esse estudo de Black e William tem quase 10 anos, a avaliação formativa se mostrou tão relevante que virou parte do programa nacional de educação alguns países (não me recordo quais, se não me engano Nova Zelândia estava neste grupo) e foi considerada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) "um dos métodos mais eficazes para favorecer um nível elevado de resultados dos centros escolares". Lembrando que a OCDE que organiza o PISA.

E novamente te pergunto: você já ouviu falar em avaliação formativa?

Muitos reclamam que a profissão de professor não tem o devido reconhecimento. Entretanto, fica difícil reconhecer um profissional onde "qualquer um" exerce a profissão. Ensinar não é sinônimo de "falar sobre", por isso não é qualquer Zé Ruela que pode dar aula. Existe um conjunto de conhecimentos específicos sobre como gerir o processo de ensino-aprendizagem E isso é DIFERENTE de ter o domínio dos conteúdos a serem ensinados. Ou seja, para ensinar física, filosofia ou mandarim você precisa saber física, filosofia ou mandarim & saber como ENSINAR de maneira EFICIENTE física, filosofia ou mandarim.

Quanto mais eu leio sobre educação baseada em evidências científicas, mais me dou conta que a maioria dos que dão aula deveriam ter vergonha do seu trabalho. Eles são qualquer coisa menos professores, PRINCIPALMENTE os universitários. Nunca tive um número tão grande de professores sem a mínima noção de princípios didáticos quanto na universidade. Com "bons" pesquisadores que são, deveriam se dar ao trabalho de procurar quais metodologias são mais eficazes, fazendo enfim, algo que condiga com a profissão que exercem e com o salário que ganham.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Ana Lia
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Re.: Preocupe-se. Seu filho é mal educado.

Mensagem por Ana Lia »

:emoticon15: E o problema não se restringe a educação básica.


O ensino superior em nosso país também se encontra em estado desastroso. :emoticon18:
Existem mentiras sinceras?

Trancado