A coitatização do professor

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Res Cogitans
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A coitatização do professor

Mensagem por Res Cogitans »

O professor desvalorizado

Gustavo Ioschpe
Economista, especialista em educação

Meu artigo na revista VEJA dessa semana fala sobre a "coitadização" do nosso professor - um discurso infantilizador de alguns, que trata o professor brasileiro como um pobre coitado, uma vítima - objeto, e não sujeito, de sua ação.

Parte desse discurso, rotineiramente proferido por membros da categoria e suas lideranças sindicais, diz respeito à desvalorização social do professor. Diz-se que a carreira de professor é desmerecida pela sociedade, e que a baixa auto-estima resultante dessa estigmatização está entre as causas do insucesso docente e do fracasso da nossa educação. Parece-me que é um caso de, na melhor das hipóteses, causalidade reversa.

Digo "na melhor das hipóteses" porque efetivamente não acredito que a profissão de professor seja vítima de preconceito. Pelo contrário, aliás. Onde quer que eu vá, vejo manifestações de apreço e encorajamento aos professores. Há uma série de prêmios, regionais e nacionais, destinados à categoria. Seguidamente jornais, revistas e programas de TV se referem aos professores como heróis. Quando acontece alguma agressão a professores ela logo vira destaque e é vista com espanto e reprovação. Acredito que a sociedade brasileira entende o papel fundamental do professor na formação de seus filhos. Pesquisa realizada pelo Inep (acesse a pesquisa) com os pais de alunos revelou que 83% dos entrevistados acreditam que os professores estão preocupados em ensinar e dar boas aulas, 77% diz que o professor tem paciência para tirar dúvidas dos alunos, 89% declaram que o professor é atencioso com os pais. Quando os pais são instados a dar notas para os professores de seus filhos, estes recebem uma avaliação exemplar: 8,6 para a qualidade do ensino e 8,4 para o conteúdo ensinado.

Essa já seria uma avaliação lisonjeira para qualquer profissão, mas no caso da educação brasileira, que é um fracasso indiscutível, ela é verdadeiramente miraculosa. Os professores brasileiros têm uma situação privilegiada: mesmo sendo os principais responsáveis pelo ensino, não recebem praticamente nenhuma condenação pelo seu fracasso, que recai todo sobre os próprios filhos (os alunos) e os governantes. Deve ser um caso único em que o pai vitima o filho, já vitimado pelo péssimo ensino que recebe.

Se há, em alguma região do país ou contexto específico, reclamações dirigidas aos professores que os façam sentir-se desvalorizados, só podemos dizer que é de se esperar. Poucas categorias profissionais no país apresentam resultados tão decepcionantes como a dos trabalhadores do ensino. E em nenhum outro caso esse desempenho é tão importante para o país. Durante décadas imperou a visão de que os problemas educacionais eram todos exógenos aos profissionais do ensino - causados pelas supostas faltas de interesse e de investimento da sociedade ou por problemas do próprio aluno. Atualmente, com as avaliações às quais o sistema educacional está sujeito, essa visão tornou-se insustentável. É absolutamente transparente que, com os mesmos níveis de recurso e atendendo pais e alunos dos mesmos estratos sociais, escolas diferentes têm resultados muito distintos. Sinal de que a escola, e o que os profissionais fazem dentro dela, importam - e muito - para o desempenho do aluno.

Está na hora de os nossos professores pararem de demonizar o Outro - governantes, diretores, políticos, pais, neoliberalismo, alunos - pelo insucesso da escola. Não vamos chegar a lugar nenhum com transferência de responsabilidades. E não se trata aqui de atribuir culpas - essa linguagem cabe nos confessionários religiosos, não em discussões de políticas públicas. Não interessa o que passou. O que importa é o que podemos fazer daqui pra frente. Tenho certeza de que se os professores tiverem o desprendimento de aceitarem realizar uma instrospecção honesta e conseguirem identificar suas carências, a sociedade brasileira - por meio de seus representantes eleitos, mas não apenas eles - saberá estender-lhes a mão, sem recriminações, e ajudar-lhes na melhoria das nossas escolas.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Jeanioz
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Re: A coitatização do professor

Mensagem por Jeanioz »

Res Cogitans escreveu:E não se trata aqui de atribuir culpas - essa linguagem cabe nos confessionários religiosos


Um texto de um católico não-praticante materialista que beira o podre ateísmo não merece ser lido!!!

Os professores sofrem sim e tudo isso é culpa do estado laico, pois o laicismo não dá o devido valor que os nossos educadores devem ter!

Se o estado fosse subordinado a Igreja a educação seria mais valorizada assim como foi no passado!!! Somente desse forma, a coitadização não teria mais razão de ser!!!
"Uma sociedade sem religião é como um navio sem bússola."
Napoleão Bonaparte


"Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas."
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Dick
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Dick »

Historinha infantil, com competência infantil. O autor sugere que os professores recebem o apoio da comunidade, ao contrário do que "diz-se" e, portanto, seria injustificada a "coitatização". Mas não há problema genuíno aqui. Os profissionais da educação são marginalizados não de forma direta. Realmente, há respeito à categoria, no sentido de se reconhecer seu valor para a sociedade. Mas quem aconselharia seu filho a ser professor? E, principalmente, de escola pública? Aí é que aparece o problema. A profissão de professor é marginalizada por não haver incentivos para tal. E, o problema, aqui, passa a ser completamente exógeno ao professor. Sua iniciativa em se avançar, apesar das vicissitudes acadêmicas, pode ser algo louvável, embora seja impotente perante o sistema educacional como um todo. E, falando em escolas públicas, a boa vontade do professor (se existir) não mudará o fato de que o modelo atual de ensino não permitirá que ele exerça sua profissão com as necessárias medidas enquanto professor. E no final das contas, é hipocrisia achar que o professor não pode reclamar de suas condições profissionais sem fazer seu trabalho de forma competente. Besteira. O professor do estado, na maioria absoluta dos estados brasileiros, tem os menores rendimentos entre os funcionários públicos. Qualquer chance que ele tenha, e abandonará esta profissão de merreca. O que sobra? Quem não conseguiu sair dela. Vai se acumulando então um grupo de profissionais em catarse, que acaba se refletindo, evidentemente, na qualidade da educação. E que mentira mais deslavada a de dizer que o professor não recebe condenção. Típico de quem não sabe do que está falando, para além de meia dúzia de artigos mal escolhidos. Basta um professor querer alertar a incompetência acumulada por meia dúzia de alunos, reprovando-os por absoluta incapacidade de continuar adiante, e o negócio fica feio. Um enxame de pedabobos e diretores de ensino irão cair encima do professor. Sua competência será certamente atacada. Seus métodos diminuídos.Foi bom ler este texto do Gustavo Ioschpe. É bom para vermos como um (suposto) bom profissional em uma área pode ser tão imbecil em outras.
docdeoz escreveu:
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"

CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?

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Jeanioz
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Mensagem por Jeanioz »

Eu não consigo ler isso que você escreveu, let me.

Use parágrafos e frases curtas para tornar o texto mais confortável de ler. :emoticon16:
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Orbe
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Orbe »

Essa piada foi boa... a culpa pelo fracasso dos alunos não recai sobre os professores? Pura conversa fiada.

Deixa um professor reprovar todos que terminam o ano sem saber o que deveriam e vejam o que acontece. O diretor da escola tem ataques histéricos porque a escola dele não pode ter índice de reprovação alto. A secretaria de educação tem ataques histéricos porque precisa mostrar ao povo que a educação do município ou estado é ótima e todos sabem ler e escrever. Como se educação ótima fosse sinônimo de todos os alunos passando de ano...

Esse senhor não tem a menor noção do que é trabalhar em uma escola pública... Antes de escrever esses artigos ele devia passar pela experiência.

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Dick
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Mensagem por Dick »

Jeanioz escreveu:Eu não consigo ler isso que você escreveu, let me.

Use parágrafos e frases curtas para tornar o texto mais confortável de ler. :emoticon16:


Quer conforto? Vá para um SPA!!!!!!!!!!

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:emoticon12:
docdeoz escreveu:
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"

CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?

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Res Cogitans
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Mensagem por Res Cogitans »

Professor não é coitado

Gustavo Ioschpe
Economista, especialista em educação

O professor brasileiro é um herói. Batalha com afinco contra tudo e todos em prol de uma educação de qualidade em um país que não se importa com o tema, ensinando em salas hiperlotadas de escolas em péssimo estado de conservação. Tem de trabalhar em dois ou três lugares, com uma carga horária exaustiva. Ganha um salário de fome, é constantemente acossado pela indisciplina e desinteresse dos alunos e não conta com o apoio dos pais, da comunidade, do governo e da sociedade em geral.

Se você tem lido a imprensa brasileira nos últimos vinte anos, provavelmente é assim que você pensa. Permita-me gerar dúvidas.

Segundo a última Sinopse Estatística do Ensino Superior, em 2005 havia 904.000 alunos matriculados em cursos da área de educação, ou o equivalente a 20% do total de alunos do país. É a área de estudo mais popular, deixando para trás gerenciamento e administração (704.000) e direito (565.000). Ademais, é uma área que só faz crescer: em 2001, eram 653.000 alunos – um aumento de quase 40% em apenas quatro anos.

No mercado profissional, os números do professorado também são mastodônticos. Segundo dados da última Pnad tabulados por Simon Schwartzman, há 2,9 milhões de professores em todo o país. É provavelmente a categoria profissional mais numerosa.

Surge o questionamento: se a carreira de professor é esse inferno que se pinta, por que tantas pessoas optam por ela? Pior: por que esse interesse aumenta ano a ano? Seria uma categoria que atrai masoquistas? Ou desinformados?

A resposta é mais simples: porque a realidade da carreira de professor é bastante diferente da imagem difundida.


A maioria dos professores trabalha em apenas uma escola. Segundo o Perfil dos Professores Brasileiros, ampla pesquisa realizada pela Unesco, 58,5% têm apenas um local de trabalho. Os que fazem dupla jornada são pouco menos de um terço: 32,2%. Só 9%, portanto, trabalham em três escolas ou mais. Sua carga horária também não é das mais massacrantes: 31% trabalham entre uma e vinte horas em sala de aula por semana, 54% ficam entre 21 e quarenta horas e o restante trabalha mais de quarenta horas. Os professores costumam argumentar que seu trabalho se estende para fora da sala de aula, com correção de tarefas, preparação de aulas etc. Nisso, não são diferentes de todos os outros profissionais liberais – qual o médico que não estuda fora do consultório ou o advogado que não pesquisa a legislação nos horários fora do escritório?

O que os representantes da categoria não costumam mencionar são as vantagens da profissão: as férias longas, a estabilidade no emprego e o regime especial de aposentadoria (80% são funcionários públicos) e, sobretudo, a regulamentação frouxa. No estado de São Paulo, 13% dos professores da rede estadual faltam a cada dia, contra 1% daqueles da rede privada. Há um amontoado de proteções jurídicas para que essa ausência não redunde em perda salarial – infelizmente, não conseguimos blindar o aprendizado dos alunos contra as faltas docentes.

Não é correta, também, a idéia de que os professores trabalham em estabelecimentos superlotados. Segundo os dados oficiais, há 27 alunos por turma no ensino fundamental (de 1ª a 8ª série). A relação só sobe nos três anos do ensino médio, para 37 alunos por turma – dentro da normalidade, portanto.

Tampouco procede a idéia de que as escolas não tenham as condições mínimas de infra-estrutura para a realização de aulas. As histórias de escolas de lona ou de lata rendem muito noticiário justamente por serem a exceção, a aberração. Mais de 90% de nossas escolas de ensino fundamental têm banheiro, água encanada e esgoto, e 87% contam com eletricidade. Quase um terço tem quadra esportiva, e 42% dispõem de computadores. Certamente há muito que melhorar, mas é igualmente certo que o nosso professorado não trabalha em condições infra-estruturais sofríveis.

A idéia de um professor acuado pela violência também não se confirma quando contrastada com a frieza dos dados. Questionário respondido pelos professores quando da aplicação do Saeb, o teste do ensino básico, revela que apenas 3% deles haviam visto, em toda a sua carreira, alunos com armas de fogo, que só 5,4% dos professores já foram ameaçados e 0,7% sofreu agressão de aluno. São incidentes lamentáveis e que devem ser punidos com todo o rigor da lei. Essa quantidade de problemas, porém, está longe de indicar uma epidemia de violência tomando conta das nossas escolas.

Finalmente, a questão crucial: o salário. Há uma idéia encravada na mente do brasileiro de que professor ganha pouco, uma mixaria. É verdade que o professor brasileiro tem um salário absoluto baixo – o que se explica pelo fato de ele ser brasileiro, não professor. Somos um país pobre, com uma massa salarial baixa. O professor tem um contracheque de valor baixo, assim como médicos, carteiros, bancários, jornalistas e todas as demais categorias profissionais do país, com exceção de congressistas (e suas amantes). Quando estudos econométricos comparam o salário dos professores com o das outras carreiras, levando em consideração a jornada laboral e as características pessoais dos trabalhadores, não há diferença para a categoria dos docentes. Ou seja, os professores ganham aquilo que é compatível com a sua formação e o seu trabalho, e ganhariam valor semelhante se optassem por outra carreira. Quando se leva em conta a diferença de férias e aposentadoria, o salário do professor é mais alto do que o do restante. Estudo recente de Samuel Pessôa e Fernando de Holanda, da FGV, também mostrou que o salário do professor de escola pública é mais alto do que aquele recebido por seu colega de escola particular. Achados semelhantes emergem quando se compara o professor brasileiro com aquele de outros países. Enquanto aqui ele ganha o equivalente a 1,5 vez a renda média do país, a média dos países da OCDE (que têm a melhor educação do planeta) é de 1,3. Na América do Sul, os países com qualidade de ensino melhor que a brasileira têm professores que recebem menos: 0,85 na Argentina, 0,75 no Uruguai e 1,25 no Chile. Esses são dados um pouco defasados, de 2005. É provável que atualmente o quadro seja ainda melhor, pois os estudos sobre o tema mostram que os rendimentos dos professores vêm aumentando, à medida que mais deles têm diploma universitário. Segundo os dados da última Pnad colhidos por Schwartzman, houve um aumento de 20% nos rendimentos dos professores da rede estadual e de 16% nos da rede municipal apenas entre 2005 e 2006.

Apesar de todos esses dados estarem amplamente disponíveis, perdura a visão de que o professor é um coitado e/ou um herói, fazendo esforços hercúleos para carregar o pobre aluno ladeira acima. Longe de ser uma questão apenas semântica ou psicológica, essa caracterização do professor é extremamente daninha para o progresso do nosso ensino, porque ela emperra toda e qualquer agenda de mudança. A literatura empírica aponta que há muito que professores, diretores e gestores públicos podem fazer para obter melhorias substanciais no aprendizado de nossos alunos, mas é quase impossível ter qualquer discussão produtiva nesse sentido no Brasil, pois, antes de mais nada, seria necessário "recuperar a dignidade do magistério", "dar condições mínimas de trabalho aos professores" etc. A mitificação do nosso professor impede que o vejamos como ele é: um profissional, adulto, consciente de suas decisões e potencialidades, inserido em uma categoria profissional que, como todas as outras, abriga muita gente competente, muita gente incompetente e muitos outros medíocres e que, portanto, deve receber não apenas encorajamento e defesa condescendentes, mas também cobranças e críticas construtivas e avaliações objetivas de seus méritos e falhas. Só assim melhoraremos o desempenho das nossas escolas e daremos um futuro ao país.
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Res Cogitans
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Res Cogitans »

Os professores e a "frieza das estatísticas"

Gustavo Ioschpe
Economista, especialista em educação

Durante o meu mestrado, tive uma aula sobre sistemas de governo e crescimento econômico. Ministrada por um professor brasileiro em Yale, José Antonio Cheibub, começava, se me lembro bem, municiando os alunos com vários artigos de pensadores políticos defendendo as vantagens da democracia como indutora do crescimento. Finda a primeira metade do semestre, tivemos uma semana de férias, para a qual saímos convencidos de que a democracia é o regime mais propício para o crescimento econômico sustentado. Na segunda metade do semestre, lemos outra batelada de pensadores, para os quais a ditadura seria o regime mais indicado para gerar crescimento econômico. A argumentação desses teóricos, assim como aquela de seus antagonistas, era extremamente convincente, recheada de exemplos, com lógica impecável. Tenho certeza de que qualquer pessoa que fosse exposta a apenas um lado da argumentação sairia convencida. No final do semestre, líamos então um livro, Democracy and Development: Political Institutions and Well-Being in the World, 1950-1990, que compilava as taxas reais de crescimento econômico de uma centena de países ao longo de quarenta anos, dividia-os entre ditadura e democracia durante esse intervalo de tempo e dava, então, a resposta definitiva sobre qual sistema tinha maior impacto sobre o crescimento econômico (quem quiser saber, leia o livro).

Não tenho nenhum treinamento em pedagogia, mas essa me parece a aula perfeita: fornece uma vasta quantidade de informações, de qualidade, sobre uma questão. Logo depois fornece o seu oposto, forçando o aluno à dúvida, e então arremata ensinando ao futuro pesquisador como resolver suas dúvidas: pesquisando, obtendo dados e cotejando-os da forma mais rigorosa possível para estabelecer (ou refutar) uma hipótese.

É por isso que fiquei bastante frustrado com a enxurrada de e-mails (uns trezentos) que recebi desde a publicação do artigo "Professor não é coitado". Não porque a maioria dessas missivas é de professores raivosos, com comentários quase que unanimemente negativos, mas sim pela natureza da crítica, que aparece em alguns dos e-mails publicados neste espaço na semana passada: uma recusa a aceitar a veracidade dos fatos. A grande maioria dos professores que escreveram dizem que os dados estão errados, que eu não vivo nesse país, que as minhas posições só podem ser reflexo de nunca ter entrado em uma escola pública de periferia ou que este autor deve ter algum sério transtorno psicológico para denegrir a categoria dos professores dessa maneira. Críticas e mais críticas ao uso "indiscriminado" e "manipulativo" da "frieza dos números", que não traduzem a realidade que ele(a), professor(a), vive no seu dia-a-dia e que portanto não podem ser verdadeiros.

Recebo essas críticas por seu valor de face, sem acreditar que há aí malícia ou conspiração, e me espanto. Não houve sequer uma menção, que me lembre, de qual teria sido a manipulação de que os números foram vítimas, uma indicação de erro das fontes usadas, um questionamento metodológico sobre os estudos mencionados ou uma indicação de qual seria a estatística "certa" a ser usada. E isso mesmo em um formato de total transparência, em que todas as fontes de informação usadas foram citadas e referenciadas no pé do artigo e estão disponíveis em um clicar do mouse. Creio que nenhum dos missivistas se deu ao trabalho de ao menos ler e checar os dados.

Esse é um tratamento preocupante por duas razões. Primeiro, porque parece denotar que os professores vêem um dado como algo separado da realidade que ele representa. Não se pode dizer que se "discorda" que o número de alunos por sala de aula seja x ou que a jornada dos professores seja y ou que o seu salário seja z% superior ou inferior à média nacional. Essas não são questões opiniáticas, mas factuais. Ou o dado está certo, ou está errado. O dado pode ser de boa ou má qualidade, vir de fonte confiável ou não: isso são outros quinhentos (e me preocupo com essas questões, daí a decisão de usar apenas estatísticas oficiais ou estudos de instituições imparciais como a Unesco, FGV, etc.). Essa confusão é perdoável em uma correspondência pessoal, no calor de uma polêmica, mas foi repetida com tal freqüência que me pergunto se nossos mestres não cometem os mesmos equívocos em sala de aula, e não transmitem como fato aos nossos alunos aquilo que não passa da sua opinião sobre eventos, e transmite como se fossem opiniões alguns fatos incontestes.

O segundo motivo de preocupação, que também revela um desconhecimento preocupante, é a insistência na personificação de fenômenos coletivos e a utilização da experiência pessoal como métrica para a análise de uma questão pública. Quando se escreve em uma publicação nacional, traçamos um panorama do país todo, o que necessariamente implica a utilização de totalizações, médias, etc. Me parecia desnecessário dizer, mas vá lá: quando se fala em salário médio, por exemplo, não quer dizer que todos os professores recebem aquele valor. Mais especificamente ainda, quando se diz que a maioria trabalha um certo número de horas, não se está dizendo que todos os professores trabalham um certo número de horas. Portanto, a experiência pessoal de um professor pode ser interessante como ilustração de um grupo (seja ele minoritário ou majoritário, o elemento que se conforma à regra ou a exceção que a comprova), mas jamais confirmará ou invalidará um contexto nacional. Um professor pode ter 50 alunos em sua sala de aula, e mesmo assim a média nacional pode continuar sendo 25. Cinco, dez, vinte, cem, mil professores podem ter o mesmo problema: a média continua válida, continua verdadeira. Uma amostra composta de um caso é uma amostra com representatividade praticamente nula. Por isso são totalmente sem sentido as perguntas dos professores sobre se este autor já passou uma tarde ou um dia ou um turno ou um mês ou um ano em uma escola de periferia, pois por pior que fosse a minha experiência e por mais distante que ela fosse da média nacional, ela jamais invalidaria a média nacional. (Apenas por curiosidade, respondo: devoto parte do meu tempo a viajar e palestrar a professores e autoridades educacionais em todo o país e também fora dele, e vos asseguro que conheço mais escolas, mais professores e mais diretores do que aqueles que mandaram suas invectivas.) Essa inabilidade de abstração e de encarar os dados de frente é igualmente preocupante naqueles que têm a responsabilidade de transmitir o conhecimento acumulado ao longo dos séculos para as futuras gerações. Será que em sala de aula o professor também se recusa a ensinar aquilo que, através da sua vivência, ele "sabe" não ser verdadeiro?

Creio que ao fim e ao cabo esse diálogo poderia ser proveitoso. O desprezo que a maioria dos professores, especialmente os das áreas de humanas, têm pela quantificação da realidade certamente exprime uma lacuna nos seus cursos de formação, que pode e deve ser sanada.

Finalmente, percebo nesse negacionismo antiestatístico mais um capítulo da recusa dos atores do nosso sistema educacional de encarar a nossa - triste, é verdade - realidade. Enquanto nossos professores tratam de erigir muros à visualização das carências do sistema educacional do qual eles são protagonistas, para manter a sua zona de conforto e isenção de responsabilidades, não apenas esses profissionais se condenam ao opróbrio social, mas, o que é mais importante, nosso sistema educacional continuará produzindo os analfabetos e ignorantes que já saem condenados, desde a sua primeira infância, a reproduzir a pobreza e desesperança de seus antepassados.
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Jeanioz
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Mensagem por Jeanioz »

Let me think for a while escreveu:Quer conforto? Vá para um SPA!!!!!!!!!!


SPA de pobre é vizinha. :emoticon12:
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Apo
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Apo »

É vítima do aluno, que é vítima do sistema, que é vítima do capitalismo, que é vítima dos socializantes, que são vítimas da inocência, que é vítima da história, que é vítima de quem a escreve, que é vítima de quem veio antes, que é vítima do sistema, que vitimiza tanto quem estuda quanto quem não estuda, quem ensina e quem não ensina. Vitimizar e culpar são gatos do mesmo saco: a estupidez humana.

Mas uma coisa é certa: quem não chora não mama. Aluno chora, pai de aluno chora, escola chora, professor chora, diretor chora, governos choram. Alguém precisa ser o mantenedor da incompetência.

Argumentem-se todos os lados e todos os envolvidos e sempre estaremos justificando nossos fracassos. O sucesso é o acaso agindo e só isto. HUMPF!
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Dick
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Dick »

"...devoto parte do meu tempo a viajar e palestrar a professores e autoridades educacionais em todo o país e também fora dele, e vos asseguro que conheço mais escolas, mais professores e mais diretores do que aqueles que mandaram suas invectivas".

Só não conhece como é trabalhar quotidianamente lá. Para quem não é, ser pedreiro por um dia é tranqüilo.
docdeoz escreveu:
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"

CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?

Orbe
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Re: Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Orbe »

Let me think for a while escreveu:"...devoto parte do meu tempo a viajar e palestrar a professores e autoridades educacionais em todo o país e também fora dele, e vos asseguro que conheço mais escolas, mais professores e mais diretores do que aqueles que mandaram suas invectivas".

Só não conhece como é trabalhar quotidianamente lá. Para quem não é, ser pedreiro por um dia é tranqüilo.


Pois é... ele passa, conversa um pouquinho, fica sabendo das fofocas e já acha que faz parte da equipe da escola.

Eu queria ver uma palestra dele. Deve ser divertida...

Estou dizendo que esse senhor não tem noção da realidade. Mas continuam entupindo o fórum com os artigos dele.

Orbe
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Re: Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Orbe »

Duplicado.
Editado pela última vez por Orbe em 11 Fev 2008, 16:18, em um total de 1 vez.

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Ilovefoxes
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Ilovefoxes »

"O aluno que faz o professor"

Frase que sempre ouvia dos professores que não sabiam dar aula direito.

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Res Cogitans
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Re: Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Res Cogitans »

Orbe escreveu:Essa piada foi boa... a culpa pelo fracasso dos alunos não recai sobre os professores? Pura conversa fiada.
Deixa um professor reprovar todos que terminam o ano sem saber o que deveriam e vejam o que acontece.
O diretor da escola tem ataques histéricos porque a escola dele não pode ter índice de reprovação alto. A secretaria de educação tem ataques histéricos porque precisa mostrar ao povo que a educação do município ou estado é ótima e todos sabem ler e escrever. Como se educação ótima fosse sinônimo de todos os alunos passando de ano...


Ou seja, você certifica alunos incompetentes e acha que não tem nenhuma responsabilidade nisso. É só mais uma vítima.
O fracasso dos alunos aqui discutido é muito mais amplo é um aluno estar no segundo grau e não dominar operações básicas, é um aluno terminar o segundo grau e não conseguir redigir algo diferente de "Vovó viu a uva". A educação é uma porcaria ninguém sabe porra nenhuma mas a coisa que você menos ouve é que os professores são uma merda.
Reprovaçao é apenas um aspecto do fracasso da educação brasileira.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Res Cogitans
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Res Cogitans »

puta q pariu o fórum pra dar problema...to tentando postar trocentas vezes e aparece erro interno..vtnc
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Dick
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Re.: A coitatização do professor

Mensagem por Dick »

Erro interno direto!!!! :emoticon21:


Agora, Res: sem dúvida há professores incompetentes a dar com o rodo. Mas o analfabetismo funcional que abunda no sistema escolar possui causas muito mais profundas que a mera incompetência pedagógica. O regime educacional atual permite e incentiva a aprovação de um aluno analfabeto. O professor competente, eu te garanto (juro por deus :emoticon12: ), não irá alfabetizar uma classe de quarenta imbecis, imbecilizados pelos regimes políticos escolares. O professor pode não ser mera vítima, mas é, certamente, peça impotente no quadro mais geral.
docdeoz escreveu:
"Você vai apertando a "coisa" e encontra um livro- "Variedades da Experiência Científica" que que CARL SAGAN afirma que há evidências de uma entidade chamada DEUS...
PASMEM!"

CADÊ O TRECHO? EM QUÊ PÁGINA? DE QUAL EDIÇÃO? EM QUAL CONTEXTO? SUA HONESTIDADE INTELECTUAL É IGUAL A UMA TEMPERATURA DE - 274 GRAUS CENTÍGRADOS, NÃO É MESMO?

Trancado