Vou entrar na discussão sem ter lido todos os posts, portanto se eu colocar algum argumento que já foi utilizado e rebatido me perdoem.
Primeiro, é preciso salientar o absurdo do argumento das tais feministas no congresso ao afirmar que a votação foi influenciada pela religião, e portanto teria seguido critérios racionais. Desde que religião virou sinônimo de irracionalidade e ciência virou de racionalidade, os defensores de assuntos polêmicos como aborto, eutanásia, suicídio assistido etc. muitas vezes apelam para as "forças ocultas" religiosas que impediriam a sociedade de aprovar leis favoráveis a esses temas, manobra que tenta fazer com que o interlocutor acredite que exista algum tipo de consenso científico a respeito de tais temas, o que além de ser falso faz parecer que é a ciência que deve ditar os caminhos por onde a sociedade deve seguir, quando de fato deveria ser o contrário.
Segundo, o procedimento do aborto não é um procedimento totalmente seguro como fica subentendido na discussão. Dependendo de quando for tomada a decisão, ele pode ser um procedimento muito perigoso, já que o "entrelaçamento" entre os vasos sanguíneos da mãe e do feto é muito grande em algumas fases da gravidez. Segundo esse artigo
http://www.scielo.cl/scielo.php?script= ... so&tlng=esa taxa de mortalidade materna por aborto em cuba no ano 2000 foi de 2,8 a cada 100000 nascidos vivos, enquanto nos EUA foi de 0,3 e no chile foi de 4,6. Se pensarmos que, dos 3, o chile é o único onde o aborto não é legalizado, parece que a legalização realmente diminui a morte materna por aborto. Porém, é preciso notar que a diferença não é tão significativa entre o chile e cuba, fato que mostra como o procedimento legalizado não significa o fim do risco. Pode-se argumentar que é falta de capacidade do sistema de saúde cubano de oferecer um serviço de qualidade para as mulheres, porém esse será exatamente o caso no Brasil, então deveríamos pensar em melhorar o sistema de atendimento muuuuito antes de legalizar. Outra observação relevante é que o dado sobre a mortalidade materna nos EUA foi de apenas 0,3, mas é uma estatística que não é fidedigna para fins de comparação. Isso porque não são todos os estados americanos que aprovam o aborto, então a taxa de mortalidade deveria ter sido dividida não pelos nascidos vivos em todo o país, mas sim pelos nascidos vivos apenas nos estados praticantes do aborto legalizado, e o artigo não fala nada a respeito desse procedimento na metodologia (isso é pra vocês verem como médico é ruim de estatística). Quem tiver tempo pode refazer os cálculos, basta ir nas referências do artigo e pegar os dados certos, além de descobrir quais os estados americanos onde o aborto é legalizado. Mas já dá pra ter uma noção de como essa taxa vai subir quando se fizer isso, já que vai uma grande diferença entre dividir as mortes por aborto pelos nascidos vivos de um país inteiro e os de apenas alguns estados. Se ela subir um pouquinho, digamos que pra 0,7, já é igual à taxa de mortalidade por hemorragia. Só que em medicina nós não podemos fazer procedimentos arriscados se eles não forem para a manutenção da vida. Ou seja, se uma cirurgia plástica apresentasse essa taxa de mortalidade, ela não poderia ser utilizada como procedimento, já que é eletiva. Logo, o aborto legalizado entraria nessa lista de procedimentos que, por serem eletivos mas com alta taxa de mortalidade, seriam proscritos. Bom, o fato é que isso joga por terra o argumento de que o aborto legalizado é mais seguro que o ilegal. Ele é mais seguro, mas ele ainda apresenta um risco para a mulher que não é aceitável para um procedimento que não é absolutamente necessário para a continuidade da vida.
Sinceramente, minha posição nessa questão é a de que deveria se fazer com o aborto o mesmo que se fez com a questão dos usuários de drogas: as mulheres que praticam tais atos, em momentos de profundo desequilíbrio emocional (não me venham dizer que há possibilidade de se tomar uma decisão dessas de cabeça fria: esse é o tipo de coisa que abala qualquer pessoa, independente de como ela expresse esse abalo), não deveriam ser consideradas criminosas, talvez pegar um bocado de serviços comunitários. Mas os pseudo-profissionais de saúde que arriscam a vida dessas mulheres e tiram a vida dessas crianças unicamente para retirar proveito financeiro de uma situação dolorosa, esses precisam acertar suas contas com a sociedade, se possível tornar tal prática crime hediondo.