Direito ilimitado a propriedade desmistificado
Direito ilimitado a propriedade desmistificado
Um fato bem aceito na nossa sociedade é que todos os homens devem estar impedidos de invadir direitos alheios. Para os filósofos da chamada escola dos “direitos naturais”, dois deles supostamente antecederiam a qualquer governo e decisão popular: o direito a propriedade e a liberdade. Ambos estão intimamente ligados, porque sem direito a propriedade estrito não é possível um direito a liberdade formal estrito.
O direito a propriedade privada se refere a capacidade de todo cidadão poder controlar entitulamentos - diversos recursos e títulos de propriedade que surgem de trocas e ações voluntárias com outras pessoas. Ao se inspirar em John Locke, Robert Nozick foi o que, a meu ver, melhor trabalhou a defesa para justificar que o direito a controlar entitulamentos tem que se dá sem restrições e tributos. Na visão dele, o Estado seria legítimo se fosse reduzido ao papel de proteger direitos liberalmente legítimos como as funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, garantia do cumprimento de contratos, etc. E na obra “Anarquia, estado e utopia” (1) foi onde ele explicou detalhadamente porque qualquer outro Estado mais extenso viola os direitos do indivíduo. Por outro lado, a proteção dos indivíduos para além do Estado mínimo é considerada a função de um Estado redistributivista ilegítimo, pois se postula que um indivíduo não pode ser sacrificado como meio para atender a necessidade dos outros, ainda que isso implique num “bem social maior”. É aqui que entra a fundamentação na ética do princípio da não-agressão, onde a justiça decorre tão somente da liberdade. Tudo isso faz parte do que poderíamos chamar de “Liberalismo de processo pleno”, embora outros autores acreditem que a doutrina de Nozick deva ser chamada simplesmente de “Libertarismo”.
É ponto pacífico que os governantes não devem receber seu poder da vontade do povo, como pregam as doutrinas voluntaristas. Realmente, devem existir direitos que antecedem a qualquer governo e decisão popular. Mas será que isso quer dizer que o direito a propriedade estaria situado em patamar superior a qualquer outra norma? De vez em quando, aconteceu de alguém não resistir à pressão de suas dúvidas, expressando abertamente idéias contrárias as das defendidas pelos minarquistas. Assim sendo, com o passar do tempo, restrições e exceções foram se acumulando, acabando por “engolir”, senão toda, a maior parte da doutrina aqui criticada. Sim, porque dentre os vários liberais seguidores do Utilitarismo (John Stuart Mill, Stanley Jevons, Alfred Marshall), da escola da Escolha Pública (James Buchanan, Gordon Tullock), do “Estado Mínimo-plus” (Friedrich Hayek, Milton Friedman) e os de vertentes não-rotuláveis (Adam Smith) não é visto nenhuma defesa da inviolabilidade do princípio da não-agressão. Em qualquer uma dessas vertentes, o máximo que se vê é a defesa de um forte direito a propriedade, mas não a primazia de tal direito em quaisquer circunstâncias.
Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que não tenho objetivo de atacar ou fazer apologia a doutrina liberal. Mas é interessante ver como nada é mais enganoso do que dizer que quanto mais “pró-ausência de coerção” é uma pessoa, mais de “pró-indivíduo” ela pode ser tachada. O mais irônico de tudo é que toda essa confusão não poderia ser mais bem desfeita ao observar as opiniões dos seguidores mais “insuspeitos” do individualismo metodológico quando analisados apenas do ponto de vista da economia normativa.
Como exposto em “Direito, legislação e liberdade” (2), Hayek admite que “segundo um axioma da tradição liberal, a coerção dos indivíduos só é permissível quando necessária a consecução do bem-estar geral ou do bem comum”. Aqui ele se referiu a teoria ética dominante durante muito tempo, o Utilitarismo, cujo fundamento mais conhecido é o “ranking pela soma” - que trata da necessidade da soma da utilidade ou bem-estar dos indivíduos.
Neste contexto, Hayek a confronta expondo a sua idéia de que a ação governamental visando o bem público ideal é “aquela que permite a garantia de condições em que indivíduos e grupos menores tenham oportunidades favoráveis à satisfação mútua de suas respectivas necessidades” (p.2), já que nem a utilidade e nem as circunstâncias que as determinam podem ser conhecidas pelo governo ou por quem que seja. Hayek ainda recorre a afirmação que as regras da sociedade devem ser como um instrumento adaptativo polivalente que permite adaptar certos tipos de ambientes a vários tipos de situação.
Entretanto, como observou Nozick (p.178), o “a cada um de acordo com o benefício conferido aos demais” também é uma concepção padronizada de justiça distributiva, ainda que não seja a constituição de todo um padrão que confere direitos, mas apenas um elemento padronizado. O argumento usado por ele é que, numa concepção sobre o direito irrestrito a entitulamentos, não há espaço para considerar produção e distribuição como duas coisas distintas e separadas. Isso remete ao fato que tudo que o indivíduo recebe vem de algo que ele obtém em troca ou ganha de presente. Não se está numa situação de crianças que reclamam de uma distribuição mal-feita de torta. Isso é exatamente acontece quando há qualquer utilização de fundos públicos para qualquer fim que não seja o de assegurar os direitos negativos do cidadão. Isso por si só viola os direitos de propriedade.
Ainda sobre a abordagem clássica do Utilitarismo, ela não trata apenas do ranking pela soma. Existem ainda dois pilares fundamentais. Um é o que se chama de “welfarismo”, o princípio que postula que o que importa para avaliação da bondade de um estado de coisas são as utilidades individuais naqueles estados. O terceiro pilar é o “consequencialismo”, aquele princípio que requer que toda escolha - seja de ações, instituições, motivações, regra- siga o princípio que considera que qualquer ação é moralmente julgada segundo os estados conseqüentes dela.
Segundo Amartya Sen, o critério de otimalidade de Pareto satisfaz o “welfarismo” e o conseqüencialismo (3). A Economia do Bem-Estar utiliza a otimalidade de Pareto como critério de avaliação do bem-estar. Uma situação econômica é ótima no sentido de Pareto quando é impossível melhorar a utilidade de um agente sem piorar a utilidade de qualquer outro agente econômico, uma situação que acontece em livre-mercado desde que cumprida certas condições. Sendo assim, tanto os liberais utilitaristas, quanto os seguidores da Economia Pública Welfarista elogiam o mercado pela sua eficiência para o bem-estar e fazem crítica ao mesmo seguindo o mesmo critério. O Liberalismo de processo pleno considera indesejável (além de inútil) qualquer tentativa de melhora na alocação de recursos em relação ao livre-mercado, já que o critério moral da liberdade é o utilizado para julgar como deve ser a relação entre o governo e mercado. Hayek e Friedman são mais ecléticos e querem o mercado em primeiro lugar para a liberdade, mas quando o vêem falhar adotam como o padrão o bem-estar, admitindo um papel pequeno para o governo. Idem para Karl Popper e seu utilitarismo negativo, que postula que os governos devem ter como alvo, não aumentar diretamente a felicidade global, mas reduzir o sofrimento conhecido.
O que dizer da ética libertária? A despeito do esforço de Nozick e de outros minarquistas para mostrar o contrário, considerar a liberdade de processo como o único valor final ético torna a doutrina libertária limitada. Para entender isso, vejamos um exercício de imaginação exposto num exemplo de Álvaro de Vita em sua obra “Justiça Liberal” e que foi citado desta forma pelo cientista político Sergio Morresi:
“Imagine-se um indivíduo ‘A’ que assiste ao intento de ‘B’ de assassinar uma terceira pessoa, a quem chamaremos de ‘C’. ‘A’ não tem a obrigação de impedi-lo, mas apesar de tudo quer fazê-lo. O problema é que para chamar a polícia deve utilizar o telefone de ‘D’, violando dessa maneira os direitos de privacidade e propriedade deste. O que deve fazer ‘A’? Para Nozick a resposta parece estar clara: nada”. (4)
A simulação da resposta dada por Nozick é óbvia porque no sistema de direitos nozickianos “A” não tem obrigação de ajudar “C” e tem obrigação de não violar os direitos de “D”. Esse não é um caso de “monstro de utilidade”, sobretudo se considerarmos que o caso hipotético não envolveu ato de violência. A pergunta sugerida na citação pode ser reformulada assim: o que “A” deve fazer, se considerarmos que ele tenha senso de ética? Se ética está relacionado sobre o bem, e como buscá-lo, como “A” poderia ser considerada uma pessoa que não faltou com a ética permitindo um assassinato em tal circunstância? A verdade é que o tamanho do dano causado a “D” é tão desprezível (um pequeno aumento no valor da conta telefônica mensal) que ele nem deveria ser comparado ao benefício da prevenção de um homicídio. Mesmo assim, um “horror moral catastrófico” é plenamente compatível com um sistema de direitos libertários. Trata-se, portanto, de uma visão não-conseqüencialista e insatisfatória.
O fato é que uma eventual violação do direito a propriedade alheia nem sempre é uma forma de conceder benefícios particulares previstos para pessoas particulares. Seria razoável supor que todos da Grande Sociedade poderiam defini-la como uma eventual conseqüência de uma aplicação de norma de conduta justa. Uma norma de conduta justa é quando escolhemos as regras com princípios de justiça que definem limitações de modo que, de uma maneira geral, as pessoas que participam da sociedade não tenham queixa contra elas. Vejamos mais uma citação de Hayek, que trata a questão de forma muito mais competente do que eu conseguiria:
“Nossas considerações nos levam, pois, a concluir que deveríamos considerar como a ordem social mais desejável aquela que escolheríamos se soubéssemos que nossa posição inicial seria nela decidida exclusivamente pelo acaso. (...) Embora possamos imaginar alguém que, por exemplo, considere o estilo de vida desfrutado pela aristocracia fundiária o mais atrante que se possa ter, e que escolher uma sociedade em que essa classe existisse se lhe fosse assegurado que ele ou seus filhos a ela pertenceriam, essa pessoa provavelmente faria outra opção se soubesse que tal posição seria determinada por sorteio, havendo, conseqüentemente, maior probabilidade que ela se tornasse trabalhadora agrícola. É bem provável que, nesse caso, escolheria um tipo de sociedade industrial que não oferecesse tais regalias a uns poucos, mas proporcionasse melhores perspectivas à grande maioria.” (2)
O argumento da “posição escolhida ao acaso” também mostra porque a proteção contra a privação aguda – situação que ocorre quando os entitulamentos do indivíduo não são capazes sequer de comprar alimento suficiente ou evitar a morbidez - é compatível com a igualdade perante as regras gerais. A razão é que até famílias mais ricas podem ser vítimas de eventualidades comuns contra as quais elas não podem precaver de forma adequada (enchentes, guerras, etc.). Essa não é uma questão de considerar que a caridade privada é incompatível com a natureza humana. E sim aceitar a proposição simples que as pessoas têm avessão ao risco, da mesma forma que quando compram seguros para qualquer coisa. Esta é a maneira pela qual se expõe a legitimação das políticas compensatórias e/ou aquelas que aumentem a capacidade produtiva dos mais pobres.
E para entender melhor porque isso não é a mesma coisa que exigir uma visão de renúncia aos projetos de vida pessoais, vejamos o que dizem Buchanan e Tullock:
“A incerteza que é necessária para que indivíduos sejam guiados pelos seus interesses, a fim de apoiar as medidas constitucionais que, em geral, são vantajosas para todos os indivíduos e para todos os grupos, parece estar presente em qualquer fase constitucional da discussão.” (5)
É notável que Buchanan e Tullock consideram que mesmo que a função do bem-estar social fosse conhecida, o setor público não seria uma instituição confiável para alcançá-la, já que este setor consistiria num local de difícil conciliação entre o auto-interesse de seus representantes e um ideal social definido. É daí que surge a sugestão de ambos para economia do bem-estar para enfatizar e melhorar as regras políticas e institucionais. Neste contexto, egoísmo e racionalidade são as principais características do indivíduo imaginado no lado da economia constitucional, onde são possíveis consensos maiores do que na fase da escolha sob regras. Indivíduos na “fase constitucional” irão votar em medidas que possa prejudicá-los no curto prazo, porque tais leis provavelmente durarão muito tempo. Para abordagem das expectativas racionais funcionar, a racionalidade teria que garantir que, dado um objetivo, o agente econômico consegue calcular como atingir esse objetivo. Problemas cognitivos associados à incerteza sobre que posição ocupará na sociedade num futuro distante torna possível a escolha de regras adequadas. Isso é especialmente interessante numa teoria amoral cuja razão da proposta de um contrato social não é justiça, mas sim a paz, como é o caso da teoria da escolha pública.
Assim, percebe-se que, mesmo dentro do raciocínio do tipo “caminho da servidão” e do individualismo, se vê a limitação básica da doutrina libertária em não enxergar quais normas de conduta os indivíduos tenderiam a dar mais valor na hora de pensar em maximizar suas vantagens.
Claro que devemos concordar quando é dito que a liberdade é algo importante. A questão tratada aqui é questionar qual peso que ela deve ter. Ela não é somente um valor, mas sim um valor em si e também um meio para o bem-estar. Como já demonstrado, é perfeitamente concebível que um indivíduo egoísta e racional com algum senso de justiça rejeite o ato de projetar o bem-estar em cima da liberdade. Se o tamanho do peso da liberdade dada em qualquer regra constitucional parece insuficiente para a garantia da obtenção do bem-estar, outros meios devem ser utilizados para alcançá-lo. Deve existir um peso em que uma pessoa tenderia a atribuir a liberdade ao julgar sua própria vantagem global, um peso que é apenas uma parte do que está envolvido. Em que grau ter mais liberdade ou direitos negativos aumenta a vantagem pessoal pelo fato de tê-los? É essa pergunta que vem a mente quando se nota que a compulsoriedade de várias proibições não é um problema maior do que os danos que a falta da proibição poderia causar. Pessoas sem diversas habilitações (por exemplo, carteira de motorista) têm vítimas em potencial, e é para evitar que virem vítimas de fato que existem as habilitações. E o senso de justiça? Deveria um pai ter restrita a liberdade de adotar vários filhos e levá-los para morar no lixão ou deveria ser opcional ter emprego e dinheiro para se adotar uma criança?
Referências:
(1) NOZICK, Robert. “Anarquia, Estado e utopia”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
(2) HAYEK, Friedrich August Von. “Direito, Legislação e Liberdade”, vol. II. São Paulo: Visão, 1985.
(3) SEN, Amartya. “Sobre ética e economia”. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
(4) http://www.scielo.br/scielo.php?script= ... 2000100014
(5) BUCHANAN, James; TULLOCK, Gordon. “The calculus of consent”. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962.
O direito a propriedade privada se refere a capacidade de todo cidadão poder controlar entitulamentos - diversos recursos e títulos de propriedade que surgem de trocas e ações voluntárias com outras pessoas. Ao se inspirar em John Locke, Robert Nozick foi o que, a meu ver, melhor trabalhou a defesa para justificar que o direito a controlar entitulamentos tem que se dá sem restrições e tributos. Na visão dele, o Estado seria legítimo se fosse reduzido ao papel de proteger direitos liberalmente legítimos como as funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, garantia do cumprimento de contratos, etc. E na obra “Anarquia, estado e utopia” (1) foi onde ele explicou detalhadamente porque qualquer outro Estado mais extenso viola os direitos do indivíduo. Por outro lado, a proteção dos indivíduos para além do Estado mínimo é considerada a função de um Estado redistributivista ilegítimo, pois se postula que um indivíduo não pode ser sacrificado como meio para atender a necessidade dos outros, ainda que isso implique num “bem social maior”. É aqui que entra a fundamentação na ética do princípio da não-agressão, onde a justiça decorre tão somente da liberdade. Tudo isso faz parte do que poderíamos chamar de “Liberalismo de processo pleno”, embora outros autores acreditem que a doutrina de Nozick deva ser chamada simplesmente de “Libertarismo”.
É ponto pacífico que os governantes não devem receber seu poder da vontade do povo, como pregam as doutrinas voluntaristas. Realmente, devem existir direitos que antecedem a qualquer governo e decisão popular. Mas será que isso quer dizer que o direito a propriedade estaria situado em patamar superior a qualquer outra norma? De vez em quando, aconteceu de alguém não resistir à pressão de suas dúvidas, expressando abertamente idéias contrárias as das defendidas pelos minarquistas. Assim sendo, com o passar do tempo, restrições e exceções foram se acumulando, acabando por “engolir”, senão toda, a maior parte da doutrina aqui criticada. Sim, porque dentre os vários liberais seguidores do Utilitarismo (John Stuart Mill, Stanley Jevons, Alfred Marshall), da escola da Escolha Pública (James Buchanan, Gordon Tullock), do “Estado Mínimo-plus” (Friedrich Hayek, Milton Friedman) e os de vertentes não-rotuláveis (Adam Smith) não é visto nenhuma defesa da inviolabilidade do princípio da não-agressão. Em qualquer uma dessas vertentes, o máximo que se vê é a defesa de um forte direito a propriedade, mas não a primazia de tal direito em quaisquer circunstâncias.
Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que não tenho objetivo de atacar ou fazer apologia a doutrina liberal. Mas é interessante ver como nada é mais enganoso do que dizer que quanto mais “pró-ausência de coerção” é uma pessoa, mais de “pró-indivíduo” ela pode ser tachada. O mais irônico de tudo é que toda essa confusão não poderia ser mais bem desfeita ao observar as opiniões dos seguidores mais “insuspeitos” do individualismo metodológico quando analisados apenas do ponto de vista da economia normativa.
Como exposto em “Direito, legislação e liberdade” (2), Hayek admite que “segundo um axioma da tradição liberal, a coerção dos indivíduos só é permissível quando necessária a consecução do bem-estar geral ou do bem comum”. Aqui ele se referiu a teoria ética dominante durante muito tempo, o Utilitarismo, cujo fundamento mais conhecido é o “ranking pela soma” - que trata da necessidade da soma da utilidade ou bem-estar dos indivíduos.
Neste contexto, Hayek a confronta expondo a sua idéia de que a ação governamental visando o bem público ideal é “aquela que permite a garantia de condições em que indivíduos e grupos menores tenham oportunidades favoráveis à satisfação mútua de suas respectivas necessidades” (p.2), já que nem a utilidade e nem as circunstâncias que as determinam podem ser conhecidas pelo governo ou por quem que seja. Hayek ainda recorre a afirmação que as regras da sociedade devem ser como um instrumento adaptativo polivalente que permite adaptar certos tipos de ambientes a vários tipos de situação.
Entretanto, como observou Nozick (p.178), o “a cada um de acordo com o benefício conferido aos demais” também é uma concepção padronizada de justiça distributiva, ainda que não seja a constituição de todo um padrão que confere direitos, mas apenas um elemento padronizado. O argumento usado por ele é que, numa concepção sobre o direito irrestrito a entitulamentos, não há espaço para considerar produção e distribuição como duas coisas distintas e separadas. Isso remete ao fato que tudo que o indivíduo recebe vem de algo que ele obtém em troca ou ganha de presente. Não se está numa situação de crianças que reclamam de uma distribuição mal-feita de torta. Isso é exatamente acontece quando há qualquer utilização de fundos públicos para qualquer fim que não seja o de assegurar os direitos negativos do cidadão. Isso por si só viola os direitos de propriedade.
Ainda sobre a abordagem clássica do Utilitarismo, ela não trata apenas do ranking pela soma. Existem ainda dois pilares fundamentais. Um é o que se chama de “welfarismo”, o princípio que postula que o que importa para avaliação da bondade de um estado de coisas são as utilidades individuais naqueles estados. O terceiro pilar é o “consequencialismo”, aquele princípio que requer que toda escolha - seja de ações, instituições, motivações, regra- siga o princípio que considera que qualquer ação é moralmente julgada segundo os estados conseqüentes dela.
Segundo Amartya Sen, o critério de otimalidade de Pareto satisfaz o “welfarismo” e o conseqüencialismo (3). A Economia do Bem-Estar utiliza a otimalidade de Pareto como critério de avaliação do bem-estar. Uma situação econômica é ótima no sentido de Pareto quando é impossível melhorar a utilidade de um agente sem piorar a utilidade de qualquer outro agente econômico, uma situação que acontece em livre-mercado desde que cumprida certas condições. Sendo assim, tanto os liberais utilitaristas, quanto os seguidores da Economia Pública Welfarista elogiam o mercado pela sua eficiência para o bem-estar e fazem crítica ao mesmo seguindo o mesmo critério. O Liberalismo de processo pleno considera indesejável (além de inútil) qualquer tentativa de melhora na alocação de recursos em relação ao livre-mercado, já que o critério moral da liberdade é o utilizado para julgar como deve ser a relação entre o governo e mercado. Hayek e Friedman são mais ecléticos e querem o mercado em primeiro lugar para a liberdade, mas quando o vêem falhar adotam como o padrão o bem-estar, admitindo um papel pequeno para o governo. Idem para Karl Popper e seu utilitarismo negativo, que postula que os governos devem ter como alvo, não aumentar diretamente a felicidade global, mas reduzir o sofrimento conhecido.
O que dizer da ética libertária? A despeito do esforço de Nozick e de outros minarquistas para mostrar o contrário, considerar a liberdade de processo como o único valor final ético torna a doutrina libertária limitada. Para entender isso, vejamos um exercício de imaginação exposto num exemplo de Álvaro de Vita em sua obra “Justiça Liberal” e que foi citado desta forma pelo cientista político Sergio Morresi:
“Imagine-se um indivíduo ‘A’ que assiste ao intento de ‘B’ de assassinar uma terceira pessoa, a quem chamaremos de ‘C’. ‘A’ não tem a obrigação de impedi-lo, mas apesar de tudo quer fazê-lo. O problema é que para chamar a polícia deve utilizar o telefone de ‘D’, violando dessa maneira os direitos de privacidade e propriedade deste. O que deve fazer ‘A’? Para Nozick a resposta parece estar clara: nada”. (4)
A simulação da resposta dada por Nozick é óbvia porque no sistema de direitos nozickianos “A” não tem obrigação de ajudar “C” e tem obrigação de não violar os direitos de “D”. Esse não é um caso de “monstro de utilidade”, sobretudo se considerarmos que o caso hipotético não envolveu ato de violência. A pergunta sugerida na citação pode ser reformulada assim: o que “A” deve fazer, se considerarmos que ele tenha senso de ética? Se ética está relacionado sobre o bem, e como buscá-lo, como “A” poderia ser considerada uma pessoa que não faltou com a ética permitindo um assassinato em tal circunstância? A verdade é que o tamanho do dano causado a “D” é tão desprezível (um pequeno aumento no valor da conta telefônica mensal) que ele nem deveria ser comparado ao benefício da prevenção de um homicídio. Mesmo assim, um “horror moral catastrófico” é plenamente compatível com um sistema de direitos libertários. Trata-se, portanto, de uma visão não-conseqüencialista e insatisfatória.
O fato é que uma eventual violação do direito a propriedade alheia nem sempre é uma forma de conceder benefícios particulares previstos para pessoas particulares. Seria razoável supor que todos da Grande Sociedade poderiam defini-la como uma eventual conseqüência de uma aplicação de norma de conduta justa. Uma norma de conduta justa é quando escolhemos as regras com princípios de justiça que definem limitações de modo que, de uma maneira geral, as pessoas que participam da sociedade não tenham queixa contra elas. Vejamos mais uma citação de Hayek, que trata a questão de forma muito mais competente do que eu conseguiria:
“Nossas considerações nos levam, pois, a concluir que deveríamos considerar como a ordem social mais desejável aquela que escolheríamos se soubéssemos que nossa posição inicial seria nela decidida exclusivamente pelo acaso. (...) Embora possamos imaginar alguém que, por exemplo, considere o estilo de vida desfrutado pela aristocracia fundiária o mais atrante que se possa ter, e que escolher uma sociedade em que essa classe existisse se lhe fosse assegurado que ele ou seus filhos a ela pertenceriam, essa pessoa provavelmente faria outra opção se soubesse que tal posição seria determinada por sorteio, havendo, conseqüentemente, maior probabilidade que ela se tornasse trabalhadora agrícola. É bem provável que, nesse caso, escolheria um tipo de sociedade industrial que não oferecesse tais regalias a uns poucos, mas proporcionasse melhores perspectivas à grande maioria.” (2)
O argumento da “posição escolhida ao acaso” também mostra porque a proteção contra a privação aguda – situação que ocorre quando os entitulamentos do indivíduo não são capazes sequer de comprar alimento suficiente ou evitar a morbidez - é compatível com a igualdade perante as regras gerais. A razão é que até famílias mais ricas podem ser vítimas de eventualidades comuns contra as quais elas não podem precaver de forma adequada (enchentes, guerras, etc.). Essa não é uma questão de considerar que a caridade privada é incompatível com a natureza humana. E sim aceitar a proposição simples que as pessoas têm avessão ao risco, da mesma forma que quando compram seguros para qualquer coisa. Esta é a maneira pela qual se expõe a legitimação das políticas compensatórias e/ou aquelas que aumentem a capacidade produtiva dos mais pobres.
E para entender melhor porque isso não é a mesma coisa que exigir uma visão de renúncia aos projetos de vida pessoais, vejamos o que dizem Buchanan e Tullock:
“A incerteza que é necessária para que indivíduos sejam guiados pelos seus interesses, a fim de apoiar as medidas constitucionais que, em geral, são vantajosas para todos os indivíduos e para todos os grupos, parece estar presente em qualquer fase constitucional da discussão.” (5)
É notável que Buchanan e Tullock consideram que mesmo que a função do bem-estar social fosse conhecida, o setor público não seria uma instituição confiável para alcançá-la, já que este setor consistiria num local de difícil conciliação entre o auto-interesse de seus representantes e um ideal social definido. É daí que surge a sugestão de ambos para economia do bem-estar para enfatizar e melhorar as regras políticas e institucionais. Neste contexto, egoísmo e racionalidade são as principais características do indivíduo imaginado no lado da economia constitucional, onde são possíveis consensos maiores do que na fase da escolha sob regras. Indivíduos na “fase constitucional” irão votar em medidas que possa prejudicá-los no curto prazo, porque tais leis provavelmente durarão muito tempo. Para abordagem das expectativas racionais funcionar, a racionalidade teria que garantir que, dado um objetivo, o agente econômico consegue calcular como atingir esse objetivo. Problemas cognitivos associados à incerteza sobre que posição ocupará na sociedade num futuro distante torna possível a escolha de regras adequadas. Isso é especialmente interessante numa teoria amoral cuja razão da proposta de um contrato social não é justiça, mas sim a paz, como é o caso da teoria da escolha pública.
Assim, percebe-se que, mesmo dentro do raciocínio do tipo “caminho da servidão” e do individualismo, se vê a limitação básica da doutrina libertária em não enxergar quais normas de conduta os indivíduos tenderiam a dar mais valor na hora de pensar em maximizar suas vantagens.
Claro que devemos concordar quando é dito que a liberdade é algo importante. A questão tratada aqui é questionar qual peso que ela deve ter. Ela não é somente um valor, mas sim um valor em si e também um meio para o bem-estar. Como já demonstrado, é perfeitamente concebível que um indivíduo egoísta e racional com algum senso de justiça rejeite o ato de projetar o bem-estar em cima da liberdade. Se o tamanho do peso da liberdade dada em qualquer regra constitucional parece insuficiente para a garantia da obtenção do bem-estar, outros meios devem ser utilizados para alcançá-lo. Deve existir um peso em que uma pessoa tenderia a atribuir a liberdade ao julgar sua própria vantagem global, um peso que é apenas uma parte do que está envolvido. Em que grau ter mais liberdade ou direitos negativos aumenta a vantagem pessoal pelo fato de tê-los? É essa pergunta que vem a mente quando se nota que a compulsoriedade de várias proibições não é um problema maior do que os danos que a falta da proibição poderia causar. Pessoas sem diversas habilitações (por exemplo, carteira de motorista) têm vítimas em potencial, e é para evitar que virem vítimas de fato que existem as habilitações. E o senso de justiça? Deveria um pai ter restrita a liberdade de adotar vários filhos e levá-los para morar no lixão ou deveria ser opcional ter emprego e dinheiro para se adotar uma criança?
Referências:
(1) NOZICK, Robert. “Anarquia, Estado e utopia”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
(2) HAYEK, Friedrich August Von. “Direito, Legislação e Liberdade”, vol. II. São Paulo: Visão, 1985.
(3) SEN, Amartya. “Sobre ética e economia”. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
(4) http://www.scielo.br/scielo.php?script= ... 2000100014
(5) BUCHANAN, James; TULLOCK, Gordon. “The calculus of consent”. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962.
Editado pela última vez por Huxley em 21 Set 2008, 01:21, em um total de 3 vezes.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
Re: Direito ilimitado a propriedade desmistificado
Agradecimentos ao forista “o anátema”, que contribuiu para a formulação do argumento do último parágrafo (devido a uma discussão que presenciei num tópico dele tempos atrás). Inclusive, a frase “Pessoas sem diversas habilitações têm vítimas em potencial, e é para evitar que virem vítimas de fato que existem as habilitações” é dele.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
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Re: Direito ilimitado a propriedade desmistificado
- Pessoas sem diversas habilitações (por exemplo, carteira de motorista) têm vítimas em potencial, e é para evitar que virem vítimas de fato que existem as habilitações.
- Deveria um pai ter restrita a liberdade de adotar vários filhos e levá-los para morar no lixão ou deveria ser opcional ter emprego e dinheiro para se adotar uma criança?
Caro Huxley
- São argumentos onde se questiona a liberdade, mas não consigo ver em que questionam o direito ilimitado à propriedade.
- Se, no exemplo 1, tratar-se de uma habilitação para usar um marca-passo ou um aparelho que injeta insulina automaticamente ou uma prótese, de propriedade do usuário e cujas consequências de mau uso não envolvam terceiros isto seria válido?
- No exemplo 2, isto pode ser aplicável a crianças (que não são mercadorias), mas não é aplicável a propriedade, eu posso comprar quantas vacas eu quiser sem precisar provar que tenho pasto suficiente para elas.
Abraços,
"Grandes Poderes Trazem Grandes Responsabilidades"
Ben Parker
Ben Parker
Re: Direito ilimitado a propriedade desmistificado
Abmael escreveu:- Pessoas sem diversas habilitações (por exemplo, carteira de motorista) têm vítimas em potencial, e é para evitar que virem vítimas de fato que existem as habilitações.
- Deveria um pai ter restrita a liberdade de adotar vários filhos e levá-los para morar no lixão ou deveria ser opcional ter emprego e dinheiro para se adotar uma criança?
Caro Huxley
- São argumentos onde se questiona a liberdade, mas não consigo ver em que questionam o direito ilimitado à propriedade.
- Se, no exemplo 1, tratar-se de uma habilitação para usar um marca-passo ou um aparelho que injeta insulina automaticamente ou uma prótese, de propriedade do usuário e cujas consequências de mau uso não envolvam terceiros isto seria válido?
- No exemplo 2, isto pode ser aplicável a crianças (que não são mercadorias), mas não é aplicável a propriedade, eu posso comprar quantas vacas eu quiser sem precisar provar que tenho pasto suficiente para elas.
Abraços,
Abmael,
Eu realmente quis colocar "Direito ilimitado a liberdade e a propriedade desmistificados" no título, mas vi que não cabia. Mas este título que pus está apropriado e vou explicar o porquê.
A defesa da inviolabilidade estrita do direito à propriedade privada no Liberalismo de Processo Pleno está justificado a partir do ponto de vista que a justiça decorre da liberdade. O conceito de “direito” na doutrina libertária se refere apenas à liberdade de ação: implica estar livre de toda compulsão física, coerção ou interferência de outros homens. Para se dizer que o direito a propriedade tem primazia sobre qualquer outro, dever-se-ia demonstrar também que a liberdade sempre é um fim em si mesmo e que a mesma jamais poderia ser imaginada como um meio insuficiente para se alcançar o bem-estar. A inviabilidade disso foi o que tentei demonstrar.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
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- RicardoVitor
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Re: Direito ilimitado a propriedade desmistificado
tl;dr
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Re: Direito ilimitado a propriedade desmistificado
Interessante o texto.
Infelizmente, meu conhecimento de Nozick e superficial e obtido de terceiros, e nao tive ainda a oportunidade de ler a obra citada de Hayek.
Os problemas levantados parecem ser oriundos da tentativa de eliminar aquilo que todos nos conhecemos como "bom-senso", tentando de alguma forma reduzi-lo a uma determinada quantidade de enunciados fundamentais dos quais possamos extrair todo tipo de conclusao aplicavel.
Na minha opiniao, isso e impossivel. Entendo o bom-senso e a manifestacao realizavel da etica. A etica enquanto filosofia abstrata lida com um certo quadro de situacoes gerais e determina quais sao as acoes mais adequadas, mas a a realidade dificilmente fornece exemplos onde essas situacoes-exemplo da teoria etica sao aplicaveis, seja ela qual for.
O bom-senso envolve, alem do conhecimento dos enunciados eticos, uma boa dose de compreensao local dos fatos, de consideracoes historicas particulares, e sobretudo de intuicao para o Bem, sendo esse ponto o mais importante.
Sao pouco uteis de um modo geral enunciados de perplexidades morais do tipo "pessoa A mente para/rouba/agride/mata pessoa B para salvar pessoa C de pessoa D", pois cada uma dessas acoes nao pode ser examinada de um modo geral, sem levar em consideracoes as especificidades, intensidades e condicoes que levaram a sua realizacao.
O que me leva a defender uma etica individualista compativel com fortes direitos de propriedade e a ideia que eu conservo de que apenas os individuos podem decidir o que e bom para si mesmos, e o fazem atraves do uso que dao para os meios dos quais dispoem para serem felizes. Como me parece absurdo disponbilizar para a coletividade meios escassos cujo uso para a satisfacao so pode ser realizado individualmente, me parece razoavel a existencia da instituicao da propriedade, dentro da qual as pessoas procuraram acumular os meios que melhor lhe servirem, trocando voluntariamente com os demais.
Ha como dar um significado para isso e como praticar como regra geral.
Mas como dar significado para um direito ilimitado de propriedade. O que quer dizer ilimitado? Quer dizer que se alguem me rouba uma moeda eu tenho automaticamente o direito de queimar toda a familia do desgracado?
Penso que muito poucos defendem algo parecido. Por mais pedantes que sejam nas suas consideracoes filosoficas, nas suas acoes, mesmo essas pessoas nao deixarao de lado o bom-senso e partirao para a deducao teorica, pois tal processo e impossivel na diversidade da realidade. O agente deve decidir quais sao os dados mais importantes, aplicando suas valoracoes, para afinal extrair uma conclusao.
Ninguem rouba para dar de comer para seu filho. Esse enunciado e abstrato demais. As pessoas roubam alguma coisa, como um carro, uma carteira ou uma joia, para conseguir dai beneficios tais como comprar comida ou roupas ou armas ou drogas ou presentes para alguem. Mesmo a acao de roubar, pode se dar mediante um simples furto quando a vitima estava destraida ou ausente, como pode se dar mediante o constrangimento e ameaca, ou mesmo execucao de agressao.
Cada uma dessas acoes tem impactos diferentes e devem ser analisadas de formas diferentes. Nao existe um meio possivel de criar teorias eticas gerais que abarquem todas as formas possiveis de interacao entre seres humanos. O bom-senso prevalecera.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem