O contra-senso do “socialismo de boa índole”

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joaomichelazzo
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por joaomichelazzo »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
NadaSei escreveu:
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Burocratas nao precisam gerenciar a caridade. As pessoas poderiam fazer isso atraves de acoes individuais ou do financiamento de ONGs sociais como fazem hoje em dia.

Alias, questoes como cotas raciais, entre outras, deixariam de ser um problema no momento em que passassem a ser financiadas por fundos privados. Se uma ONG subsidiada por cidadaos voluntarios resolvesse oferecer bolsas de estudo universitarias para negros ou estudantes de escolas publicas, o que eu ou voce teriamos a ver com isso?

Hum... é verdade, apesar deu considerar, no caso de cota racial, discriminação.
Concordo no entanto com os outros pontos e pensando mais adiante, existem também opções como o estudo em casa e a opção do excluído se tornar um autodidata.
Temos bibliotecas e hoje em dia internet, bastaria o acesso ao conteúdo, inclusive com vídeo aulas, e um sistema de avaliação e certificação dessas pessoas.

Acho que o caso da educação não é um problema mesmo não... o ponto mais importante e delicado é o que vocês estão discutindo, a saúde.



Voce nao esta errado nas observacoes, mas para um socialista de boa indole a sua solucao "use a internet para aprender" soara como a solucao "comam brioches" para a fome na Franca, dada por Maria Antonieta.

O fato e que o socialista de boa indole so se preocupa com a situacao de penuria dos miseraveis num regime de mercado onde eles sao responsaveis por prover seu sustento.

Eles nao se incomodam nem um pouco se essa situacao de penuria for mantida ou mesmo ampliada por um regime burocratico que ao menos alegue estar ocupado tentando melhorar a situacao do povo. Eles comparam o mercado com um ideal ficticio de bem estar geral que eles nunca conseguiram reproduzir quando implantaram suas ideias socialistas, ainda que fossem estas que declarassem esses ideais como objetivo, e nao a defesa do livre mercado.

E como Milton Friedman disse no livro Free to Chose, existe uma mao invisivel que faz com que mesmo a boa intencao dos agentes burocraticos se converta apenas em ganhos particulares, inversa daquela descrita por Adam Smith onde as intencoes "egoistas" dos agentes livres produzem ganhos para todos no mercado livre.

Um socialista, assim, e alguem mais preocupado com intencoes declaradas do que com resultados reais. E e ai que vale a velha sabedoria popular: "de boas intencoes o inferno esta cheio".


O ser humano é muito individualista e egoísta pra viver uma utopia como o socialismo.
Aquilo praticao na URSS pode melhor ser definido como Capitalismo Estatal, incrementado com algumas idéias da utopia de Marx e Engels.
Nosso egoísmo não nos permite criar uma sociedade que funciona sem alguém com o chicote na mão.
O livro a revolta dos bichos de George Orwell trata deste assunto e mostra que o sistema vai sendo moldade de acordo com a conveniência de um indvíduo e não do coletivo.
Isso é perfeitamente aplicado à raça humana e o mundo já o viu através das mão do Stalin na URSS.
“Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar” (Carl Sagan)

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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

André escreveu:1-O que disse em relação a limites da democracia, e da decisão da maioria se refere ao que faz uma democracia. Vamos supor que a maioria decida que o Estado vai ser governado por uma religião, e os poderes serão dados a membros dessa religião. Se a maioria decidir isso, o regime deixa de ser democrático, e passa a ser teocrático. O limite é justamente aquilo que faz o regime deixar de ser o que se pretende ser. A decisão da maioria não é absoluta, exatamente pq um regime democrático não é apenas isso, para ele ser democrático tem que ser laico, tem que respeitar uma serie de princípios. Não considero que taxar trabalho ou propriedade fira esses princípios, nem nossa constituição, vc achar que fere é sua opinião, nada mais. Nem conceitualmente existe impedimento de democracia fazer isso. Logo o impedimento conceitual vem de uma perspectiva profundamente pessoal e sua, pq vc acha que a sociedade deve se sujeitar a sua vontade.

Ah, meu deus. Eu acho que "a sociedade deve se sujeitar à minha vontade". Essa foi dose.

Já deixei bem claro aqui que o que defendo é que eu sou o soberano com relação às minha coisas, e que cada um é soberano com relação às suas. Mas você segue dizendo que eu penso que a sociedade deve se sujeitar à minha vontade, como se eu defendesse um regime absolutista onde eu fosse o portador dos poderes absolutos. Você está sendo profundamente desonesto.

Eu já argumentei porque penso serem indissociáveis a liberdade individual e a propriedade. Você não falou nada a respeito, mas parece não se preocupar com isso. Parece que essa é a nossa diferença: enquanto eu defendo que o homem é um fim em si mesmo, você defende que ele é, ao menos em certo grau, um meio para os "fins da sociedade", do contrário não teria esse posicionamento com relação à questão da propriedade privada.

2-Não defendo o que foi descrito nem qualquer atitude autoritária. Porém entendo que viver em sociedade implica em direitos e deveres. Outra, o que defendo é bem distinto do que normalmente é caracterizado como coletivismo, logo isso em nada atinge o que escrevo, pois não corresponde ao que escrevo.

Como é que você me diz que nada do que escreve corresponde ao coletivismo? O que é, afinal, ser taxado com o fim de satisfazer as necessidades dos demais senão uma expressão de coletivismo?

O seu problema parece ser o de não ligar "trabalho" com "propriedade privada", como se alguém pudesse ser totalmente livre sem ser ao mesmo tempo totalmente dono de sua própria força de trabalho e seu corpo. Essa é a condição do escravo: ele não é dono nem de si mesmo. Não pode negar trabalho ou exigir algo em troca por ele. Ou trabalha para satisfazer as necessidades de seu dono ou é punido. Ser taxado em alguma quantia com o fim de satisfazer as necessidades alheias é ser, na mesma medida da taxação, um escravo. Não importa se as ordens venham de um ditador ou da decisão da maioria.

Você até pode não ver nada de errado em um homem trabalhar para satisfazer as necessidades dos demais tendo como alternativa a punição - que é o que você está demonstrando aqui -, mas não venha me dizer que isso não é coletivismo. Essa é a própria definição de coletivismo.

3-Determinados pela objetividade de quem? Sua? Isso é um principio e um raciocínio autoritário, típico dos ditadores, que tb acreditavam que direitos poderiam ser determinados por eles, que eles individualmente tinham essa autoridade.

"Objetividade de quem"? O que é objetivo não varia conforme a observação individual, do contrário não seria objetivo.

Se partimos do princípio de que o indivíduo deve ser livre, por exemplo, podemos deduzir logicamente quais devem ser os direitos individuais para que se faça valer este princípio. Não é necessário ter como as duas únicas opções invocar um Deus ou apelar à vontade da maioria, como você faz parecer.

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Sobre o que ocorre no livro, porque você não defenderia qualquer incriminação àqueles que resolvessem não mais fazer parte da sociedade para ter de bancar as necessidades alheias? Qual a diferença entre isso e simplesmente parar de pagar qualquer taxa, mas relacionando-se e mesmo comerciando com outras pessoas pertencentes à "sociedade"?

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André
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por André »

joaomichelazzo escreveu:

O ser humano é muito individualista e egoísta pra viver uma utopia como o socialismo.
Aquilo praticao na URSS pode melhor ser definido como Capitalismo Estatal, incrementado com algumas idéias da utopia de Marx e Engels.
Nosso egoísmo não nos permite criar uma sociedade que funciona sem alguém com o chicote na mão.
O livro a revolta dos bichos de George Orwell trata deste assunto e mostra que o sistema vai sendo moldade de acordo com a conveniência de um indvíduo e não do coletivo.
Isso é perfeitamente aplicado à raça humana e o mundo já o viu através das mão do Stalin na URSS.


João, talvez vc não saiba mas Orwell era de esquerda, só que da esquerda democrática, e por isso criticou duramente o socialismo real. Porém defendeu, por quase toda sua vida, inclusive na obra em questão o socialismo democrático, como ele o entendia.

A Folha de São Paulo publicou, "Orwell Reloaded" e lá especialistas em Orwell escrevem, o que já venho escrevendo a muito tempo por aqui. É na edição de 1 de junho de 2003.

1. Folha de S.Paulo - Capa 01.06 - 01/06/2003
... notícia por e-mail para assinantes do UOL ou da Folha Texto Anterior Próximo Texto Índice ORWELL RELOADED France Presse, American Science e Engineering, Inc - 4.jan.2002 Imagem ...
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0106200304.htm


No mais, não tenho interesse em manter debates longos, pq to sem tempo, e saco, para isso, mantenho minhas convicções, e sei que vão manter tb, como nada de novo está sendo dito, continuar, seria apenas um exercício intelectual, que no momento não desejo perseguir.

Mas essa informação sobre a natureza dos escritos de Orwell, sempre faço questão de registrar, já que a manipulação, desonesta, dos seus escritos, é uma das coisas mais covardes que eu já vi. Infelizmente a maioria é simplesmente ignorante para o fato que ele era da esquerda democrática. Até em revolução dos bichos sua admiração por Trotsky aparece no personagem Bola de Neve, e a crítica dele ao capitalismo é óbvia, assim como a crítica dele ao socialismo soviético, e qualquer tipo de totalitarismo. Sendo que a admiração dele por Trotsky vem da juventude, e ele manteve, pela oposição desse a Stalin ( e outras características menos políticas e mais pessoais), mesmo que depois Orwell tenha desenvolvido um ideário distinto do de Trotsky.
Visite a pagina do meu primeiro livro "A Nova Máquina do Tempo." http://www.andreteixeirajacobina.com.br/

Ou na Saraiva. Disponivel para todo Brasil.

http://www.livrariasaraiva.com.br/produ ... 0C1C301196


O herói é um cientista cético, um pensador político. O livro debate filosofia, política, questões ambientais, sociais, bioética, cosmologia, e muito mais, no contexto de uma aventura de ficção científica.

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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Huxley escreveu:Bem público só poderia ser considerado como passível de ser produzido pelo setor privado - em condições de sistema de preços garantindo a melhor eficiência alocativa possível - se alguém pudesse demonstrar que existem no mundo real incentivos para que as preferências de consumidores para bens não-rivais e não-excluíveis fossem reveladas de forma plena. Samuelson (1954) demonstrou teoricamente que isto é IMPOSSÍVEL fora de um mundo onde não exista grande número de agentes com comportamento free-rider se aproveitando das particularidades da forma de oferta de bens públicos. Empiricamente, nem se fala. As pessoas acreditam nessas “soluções” anarquistas para bens públicos porque querem.




A incapacidade de pensar em formas novas de contrato demonstra apenas carencia de imaginacao, nao impossibilidade pratica de nada.

Voce se prende a um paradigma de negociacao coletiva para se agarrar com toda forca na crenca de que ela e a unica forma de racionalizar o problema, como se telefones ou bilhetes de aviao estivessem sendo vendidos hoje da mesma forma que eram no comeco do seculo.

Seguranca, infraestrutura, educacao, saude, justica e ate mesmo um meio ambiente saudavel ja sao bens privados para muita gente com mais imaginacao e capacidade inovadora que a media das pessoas hipnotizada pelas solucoes dadas pelo status quo.


Cabeção,

Eu não disse que existem bens que não podem ser ofertados pelo setor privado. Teoricamente, todos os bens existentes podem ser ofertados por empreendedores privados. O problema é demonstrar que a otimização da eficiência na alocação de recursos é superior em relação a provisão estatal. Veja que nenhum exemplo de solução anarquista que você pôs avança um milímetro em relação ao problema do "efeito carona". Fora de um mundo onde não haja grande número de agentes com comportamento free-rider, é impossível existir solução privada superior a pública em relação a bens públicos. Quer dizer, para os caroneiros, a provisão privada de bens públicos é uma maravilha. Já para as pessoas honestas...
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”

Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)

"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."

John Maynard Keynes

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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

Alguém já citou a expressão “direito natural”, que inclui o princípio da defesa irrestrita da propriedade e da liberdade. Dizer que a liberdade é um direito que deve estar acima de tudo para o bem da justiça não é verdade. Um pai esfomear um filho recém-nascido até a morte é um ato que não viola a liberdade individual e o princípio da não-agressão, como já argumentava Murray Rothbard. Isso deveria ser descriminalizado? É claro que não.

Deve existir um peso que uma pessoa tenderia a atribuir a liberdade ao julgar sua própria vantagem global, um peso que é apenas uma parte do que está envolvido. Em que grau ter mais liberdade ou direitos negativos aumenta a vantagem pessoal pelo fato de tê-los? É esta pergunta que se deve fazer ao se examinar o valor instrumental da liberdade na sociedade.

Dizer que o direito a propriedade é um direito que tem primazia sobre qualquer outro também é enganoso. Se eu tomo o celular de um conhecido sem seu consentimento só para avisar a polícia sobre um sequestro, isto não é errado, uma vez que o valor da ação também deve ser medido no objetivo que se quer alcançar. E a maioria dos liberais recomendam a provisão estatal para bens públicos porque eles sabem que a maioria das pessoas honestas preferem a otimização da alocação de recursos escassos a perda de liberdade para pagar a conta de agentes com comportamento free-rider.

Não existe direito definido pela natureza humana e sim o direito espontâneo, que não foi planejado, mas emergiu espontaneamente com o passar do tempo para servir como instrumento polivalente que permitem adaptar certos tipos de ambientes a vários tipos de situação.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”

Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)

"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Huxley escreveu:Cabeção, Eu não disse que existem bens que não podem ser ofertados pelo setor privado. Teoricamente, todos os bens existentes podem ser ofertados por empreendedores privados. O problema é demonstrar que a otimização da eficiência na alocação de recursos é superior em relação a provisão estatal. Veja que nenhum exemplo de solução anarquista que você pôs avança um milímetro em relação ao problema do "efeito carona". Fora de um mundo onde não haja grande número de agentes com comportamento free-rider, é impossível existir solução privada superior a pública em relação a bens públicos. Quer dizer, para os caroneiros, a provisão privada de bens públicos é uma maravilha. Já para as pessoas honestas...



A sua mensagem e boa pois ilustra um engano comum no qual costumam cair muita gente esperta.

Muitos acham como voce que o Estado existe para ocupar um lugar que o mercado (ou seja, a ordem livre produzida pelo contrato voluntario das pessoas) nao tem como ocupar ou que nao seria tao eficiente quanto.

Isso deriva de uma profunda ignorancia de historia das instituicoes (assim como de uma ma intuicao economica de como elas se produzem). E obvio que eu nao tenho condicoes de sanar toda essa deficiencia num post. Mas acredito que posso desmontar essa sua crenca de que o Estado emergiu de uma "necessidade pratica do coletivo", uma nocao que sequer faz sentido. Pelo contrario, o Estado e uma reliquia barbara de tempos incivilizados, e sua existencia e permanencia esta em flagrante conflito com os preceitos de liberdade individual que com o tempo se transformaram na base da cultura e pensamento ocidentais.

Os Estados nacionais nao apareceram para cumprir tarefas definidas, eles sao resultantes da evolucao de outras entidades politicas do passado. Essas entidades ja cumpriram varios papeis sociais diferentes. A propria producao de comida ja foi uma dessas coisas: escravos produziam comida para senhores por nao terem outra opcao disponivel. Essa era uma ordem claramente politica: os senhores daquele tempo determinavam que a tarefa dos subalternos era dedicar o tempo todo das suas vidas para o cultivo de alimentos (ou para outros empregos da mao de obra escrava, como construcao civil ou mesmo funcoes militares inferiores).

Alguem desse tempo diria que o regime de dominacao escravista era necessario para que a comida fosse produzida, ruas pavimentadas e guerras vencidas. Explicar-lhe como o desenvolvimento de uma tecnologia de contratos entre individuos livres poderia se encarregar de produzir uma quantidade muito maior e muito mais diversa de comida, de edificacoes e de seguranca seria um exercicio futil, pois a imaginacao dele estaria limitada a estrutura de relacao social na qual ele se encontrava e com a qual estava habituado. Consideracoes desse tipo levaram muitos pensadores que ninguem se atreveria a chamar de tolos a justificar o escravismo, como por exemplo Aristoteles.

Mas com os seculos, o processo de evolucao cultural assimilou varios elementos que permitiram as pessoas perceber aos poucos as vantagens que a livre associacao possuia sobre a coercao ativa. Surgiram diversas instituicoes que aos poucos tomaram a forma conceitual daquilo que chamamos de Estado de direito, de democracia representativa, de liberdade de expressao e consciencia e etc. A entidade estatal atual e apenas a versao moderna da antiga estrutura de hierarquia de poder na sociedade, dentro de um contexto onde as liberdades individuais sao muito mais expressivas, mas ainda longe de serem plenas. Esse Estado moderno herdou varias das atribuicoes passadas dos antigos regimes, como por exemplo a tarefa de providenciar defesa, apenas transformando aquilo que era o dever moral do nobre para com o seu vassalo numa "obrigacao legal" dos burocratas para com os individuos subalternos (eufemisticamente chamados de cidadaos).

O fato do Estado desempenhar um papel social nao o torna necessario exceto no contexto onde ele ja existe e controla monopolisticamente o papel que desempenha. Assim como ha alguns seculos a ordem escravocrata era "necessaria" para alimentar as pessoas, os burocratas hoje sao necessarios para construir e conservar ruas, administrar os servicos de justica e seguranca, ou fornecer determinados servicos de educacao, saude e defesa civil e militar.

Mas um argumento que justifique o Estado pelo Estado corre serio risco de ser circular.

A sua afirmacao de que e necessaria a principio a demonstracao de que os servicos prestados pelo Estado nao possuem determinado carater especifico e por essa razao podem ser executados pelo mercado e uma falsa alegacao; uma vez que esse nunca foi o procedimento empregado para designar tarefas para o Estado ou para o mercado. O Estado nacional simplesmente herdou varias das funcoes desempenhadas pelos regimes aristocraticos, feudais e despoticos, ou tomou para si aquelas que ele considerava estrategicamente interessantes do ponto de vista dos burocratas no poder, "nacionalizando"-as. Consideracoes formais sobre optimalidade e o estabelecimento de criterios rigidos para o que seria uma "eficiencia coletiva" sao constructos muito mais recentes. Nenhum matematico ou economista precisou demonstrar recorrendo a otimizacao combinatoria, a teoria de grafos ou a pesquisa operacional que a fabricacao de pao e melhor desempenhada pelo mercado do que pela burocracia do Estado, para que uma ordem privada se estabelecesse na agro-industria e no comercio de artigos alimenticios. Essa ordem simplesmente emergiu de consideracoes bem menos ambiciosas de agentes sobre os ganhos que teriam ao embarcar numa atividade nesse ramo, desde que estivessem livres para fazer isso.

Outro erro seu e acreditar dogmaticamente que exista uma categoria fixa de "bens publicos" e uma de "bens privados", sendo a primeira melhor ofertada por um Estado burocratico, e a segundo por um mercado livre (ou regulado). Voce nao percebe que e essa afirmacao que precisa ser categoricamente demonstrada.

A principio, para mim, existem apenas bens, que seriam objetos ou servicos uteis do ponto de vista de um consumidor potencial. A sua natureza publica ou privada seria resultado da natureza da imposicao coercitiva ou contrato voluntario que estabeleceriam os termos vinculando o consumidor e o produtor do bem em questao. Assim, a conta d'agua num condominio pode ter carater mais coletivo ou mais privado, se o gasto total for repartido entre todos os condominos ou se cada um pagar apenas a cota que o seu relogio d'agua indicar.

Voce e que esta afirmando que nao existem bens passiveis de serem negociados individualmente, sem que se criem incentivos para que as pessoas se lancem em comportamentos caronistas, se aproveitando do que os outros compraram. Mas da mesma forma que o meu sistema de internet wireless possui um protocolo de seguranca que impede um eventual vizinho caronista de parasita-lo, solucoes alternativas podem ser pensadas para as outras questoes similares da sociedade.

Alem disso, mesmo em questoes onde existem vantagens evidentes numa negociacao coletiva, nao esta claro porque nao poderiam emergir mecanismos privados que se encarregariam de minimizar eles mesmos os efeitos nocivos dos caronistas, assim como de outros tipos de externalidade, atraves de contratos voluntarios. As possibilidades sao diversas: liberdade de discriminacao de caronistas em clausulas contratuais e retaliacoes comerciais, apolices de seguros contra parasitas sociais, diversas possibilidades de leis privadas.

Muitas empresas poderiam se ocupar do design de mecanismos contratuais que fossem eficientes, no sentido de renderem o servico esperado e alocarem os custos satisfatoriamente. Isso nao eliminaria os free-riders, com certeza, pois a tecnologia de parasitagem tambem evoluiria concomitantemente, mas esse e um fato presente na estrutura de lei publica tambem, de forma inclusive mais expressiva. Um sem numero de pessoas se especializam em brechas legais que lhes permitam explorar o coletivo atraves de pensoes e direitos sociais, ou mesmo se engajam em atividades clandestinas como o contrabando, roubo de sinal ou de energia e a pirataria, que subsistem numa zona cinzenta entre crime e contravencao sem serem reprimidas ou legalizadas, as custas de todos os outros.

A principal diferenca e que no sistema de mercado, os parasitas seriam combatidos por profissionais cuja remuneracao dependeria da sua eficiencia em combate-los. No sistema estatal, os free-riders tem que ser tolhidos por burocratas que muitas vezes nao tem o menor incentivo de impedi-los, extraindo mais vantagens politicas ao favorecer-lhes ou mesmo ao tornar-se um deles.

Assim, alegar que esse seria um problema particular de uma economia de mercado livre e simplesmente incorrer no velho erro de comparar uma situacao imperfeita dentro de uma sociedade livre com um hipotetico ideal de perfeicao socialista, onde as coisas funcionariam exatamente como os socialistas querem que funcionem, e nao como elas tendem a funcionar se considerarmos como as pessoas reagem de fato aos incentivos. O mercado livre deve ser comparado com a situacao real, e nesse caso, alegar que existe a possibilidade de free riding ou mesmo de criminosos saindo impunes no mercado livre nao e um contra-argumento aceitavel na medida em que nao se demonstre porque essas situacoes seriam mais comuns numa sociedade livre do que numa sociedade burocratica. E isso voce nao faz, ate porque nao pode.

Anarquistas de mercado nao vem oferecer uma sociedade de abundancia ou de justica perfeita. Isso e uma fantasia mitologica socialista. Os anarquistas propoem apenas uma sociedade livre, baseada na percepcao (consciente ou nao) de cada individuo da eficiencia superior do mecanismo de mercado na alocacao correta dos incentivos. Que os burocratas de hoje nao sao nossos servidores, mas sao apenas os reis, os imperadores, os despotas, os marajas, os khans e os cesares de outras epocas, e que nao precisamos deles tanto quanto nao precisavamos de todos os outros "enviados de Deus para nos governar e nos afastar do Mal".

O mal estara sempre presente devido a imperfeicao do homem, o que nao significa que a unica forma de lidar com ele seja atraves do estabelecimento de uma hierarquia de coercao que misteriosamente se ocupara de colocar os bons no topo e os maus em baixo. E imperativo superar essa mentalidade submissa que tipifica o atraso de uma civilizacao.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem

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Fenrir
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Fenrir »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Fernir escreveu:Um socialista de boa-indole (ou não) não poderia contra-argumentar baseado na idéia de que um estado controlado por burocratas "mais iguais que os outros" não é socialismo de fato e apenas de nome?

Não diria ele que somente quando os tais burocratas fossem tão servidores, trabalhadores (ou coisa que valha) quanto qualquer um de seus demais camaradas não-burocratas e vissem seus cargos/trabalhos em pé de igualdade com qualquer outro, seja lá em termo de qual ou quais perspectivas ele estiver pensando, é que se teria o socialismo de fato (ou comunismo, sei lá)?



Eu trato por socialista de boa indole todo aquele que acredita que as desigualdades de poder produzidas pela atividade de mercado exigem medidas de cancelamento ou atenuacao tomadas por individuos ou grupos de individuos dotados de poderes desiguais instituidos por lei. Ou seja, aquele que acredita que as decisoes descentralizadas que produzem o fenomeno de mercado, com todas as suas particularidades (dentre elas a desigualdade de poder economico entre individuos), devam ser substituidas parcial ou completamente por decisoes arbitradas por comites centralizados dotados portanto de maior poder que os cidadaos subalternos.

Nao estou incluindo como socialistas aqueles que acreditam que determinados servicos necessarios para a existencia e funcionamento do mercado so podem ser exercidos por uma burocracia central (como por exemplo, liberais e conservadores que supoem necessarios servicos estatais de infraestrutura, seguranca e defesa), mas sim aqueles que pressupoem ser moralmente necessario e logico instituir ("ditatorial" ou "democraticamente") poderes politicos desiguais para amenizar ou eliminar os poderes economicos desiguais.

Assim nenhum socialista de boa indole poderia objetar minhas colocacoes nas bases em que voce colocou, pois se ele nao considera necessaria a existencia de uma assimetria de poderes politicos entre burocratas e individuos subalternos ele nao figura como socialista na minha definicao e minhas criticas nao se dirigem a ele portanto.



Entendo.

É estranho criar uma desigualdade (politica) para resolver outra (economica), como parte de uma proposta que almeja reduzir ou eliminar desigualdades... pelo menos assim me pareceu.
Em que base os socialistas justificam ou tentam justificar este fato?
Ao menos para mim, em minha ignorancia do assunto, tudo indica que o socialismo não teve sucesso em seu intento, pois que seus governos foram ou são, sem exceção, ditatoriais (Europa Oriental, Cuba...)
A menos que se considere o sistema dos países escandinavos como socialistas. Mas acho que é um pouco forçado ou não é?
"Man is the measure of all gods"
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"As mentes mentem"
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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

user f.k.a. Cabeção escreveu:

Os Estados nacionais nao apareceram para cumprir tarefas definidas, eles sao resultantes da evolucao de outras entidades politicas do passado. Essas entidades ja cumpriram varios papeis sociais diferentes. A propria producao de comida ja foi uma dessas coisas: escravos produziam comida para senhores por nao terem outra opcao disponivel. Essa era uma ordem claramente politica: os senhores daquele tempo determinavam que a tarefa dos subalternos era dedicar o tempo todo das suas vidas para o cultivo de alimentos (ou para outros empregos da mao de obra escrava, como construcao civil ou mesmo funcoes militares inferiores).

Alguem desse tempo diria que o regime de dominacao escravista era necessario para que a comida fosse produzida, ruas pavimentadas e guerras vencidas. Explicar-lhe como o desenvolvimento de uma tecnologia de contratos entre individuos livres poderia se encarregar de produzir uma quantidade muito maior e muito mais diversa de comida, de edificacoes e de seguranca seria um exercicio futil, pois a imaginacao dele estaria limitada a estrutura de relacao social na qual ele se encontrava e com a qual estava habituado. Consideracoes desse tipo levaram muitos pensadores que ninguem se atreveria a chamar de tolos a justificar o escravismo, como por exemplo Aristoteles.
(...)
O fato do Estado desempenhar um papel social nao o torna necessario exceto no contexto onde ele ja existe e controla monopolisticamente o papel que desempenha. Assim como ha alguns seculos a ordem escravocrata era "necessaria" para alimentar as pessoas, os burocratas hoje sao necessarios para construir e conservar ruas, administrar os servicos de justica e seguranca, ou fornecer determinados servicos de educacao, saude e defesa civil e militar.

Mas um argumento que justifique o Estado pelo Estado corre serio risco de ser circular.

´

Aí você está querendo enrolar. Por mais que o escravismo possa ser algo considerado bom para um Aristóteles, isto não significa que os escravos gostassem de sua situação. Você nunca vai encontrar alguém com mente sã que goste de ser escravo. Por outro lado, de uma forma geral, pagadores de impostos estatais reconhecem que ausência total de governo é algo que contraria seus interesses.


user f.k.a. Cabeção escreveu:

A sua afirmacao de que e necessaria a principio a demonstracao de que os servicos prestados pelo Estado nao possuem determinado carater especifico e por essa razao podem ser executados pelo mercado e uma falsa alegacao; uma vez que esse nunca foi o procedimento empregado para designar tarefas para o Estado ou para o mercado. O Estado nacional simplesmente herdou varias das funcoes desempenhadas pelos regimes aristocraticos, feudais e despoticos, ou tomou para si aquelas que ele considerava estrategicamente interessantes do ponto de vista dos burocratas no poder, "nacionalizando"-as. Consideracoes formais sobre optimalidade e o estabelecimento de criterios rigidos para o que seria uma "eficiencia coletiva" sao constructos muito mais recentes. Nenhum matematico ou economista precisou demonstrar recorrendo a otimizacao combinatoria, a teoria de grafos ou a pesquisa operacional que a fabricacao de pao e melhor desempenhada pelo mercado do que pela burocracia do Estado, para que uma ordem privada se estabelecesse na agro-industria e no comercio de artigos alimenticios. Essa ordem simplesmente emergiu de consideracoes bem menos ambiciosas de agentes sobre os ganhos que teriam ao embarcar numa atividade nesse ramo, desde que estivessem livres para fazer isso.


Eu só estou constatando o peso que as pessoas tenderiam a atribuir a extinção das funções estatais ao julgar sua própria vantagem global se as prováveis consequências das mesmas fossem esclarecidas. E se eu estou certo, estas pessoas teriam o direito de defender a manutenção do status quo, o que significa voltar-se contra a tentativa de se colocar em prática as idéias de anarquia de mercado. Os mecanismos causais que deram origem ao Estado e as suas funções típicas pouco importam diante deste fato.


user f.k.a. Cabeção escreveu:

Outro erro seu e acreditar dogmaticamente que exista uma categoria fixa de "bens publicos" e uma de "bens privados", sendo a primeira melhor ofertada por um Estado burocratico, e a segundo por um mercado livre (ou regulado). Voce nao percebe que e essa afirmacao que precisa ser categoricamente demonstrada.

A principio, para mim, existem apenas bens, que seriam objetos ou servicos uteis do ponto de vista de um consumidor potencial. A sua natureza publica ou privada seria resultado da natureza da imposicao coercitiva ou contrato voluntario que estabeleceriam os termos vinculando o consumidor e o produtor do bem em questao. Assim, a conta d'agua num condominio pode ter carater mais coletivo ou mais privado, se o gasto total for repartido entre todos os condominos ou se cada um pagar apenas a cota que o seu relogio d'agua indicar.

Voce e que esta afirmando que nao existem bens passiveis de serem negociados individualmente, sem que se criem incentivos para que as pessoas se lancem em comportamentos caronistas, se aproveitando do que os outros compraram. Mas da mesma forma que o meu sistema de internet wireless possui um protocolo de seguranca que impede um eventual vizinho caronista de parasita-lo, solucoes alternativas podem ser pensadas para as outras questoes similares da sociedade.

Alem disso, mesmo em questoes onde existem vantagens evidentes numa negociacao coletiva, nao esta claro porque nao poderiam emergir mecanismos privados que se encarregariam de minimizar eles mesmos os efeitos nocivos dos caronistas, assim como de outros tipos de externalidade, atraves de contratos voluntarios. As possibilidades sao diversas: liberdade de discriminacao de caronistas em clausulas contratuais e retaliacoes comerciais, apolices de seguros contra parasitas sociais, diversas possibilidades de leis privadas.


Você não enxergou o problema de suas supostas soluções.

Discriminação contra caronistas? Discriminação gera ineficiência econômica. Se eu fosse um empregador e pagasse 20% a menos de salário para um trabalhador que tenha a mesma produtividade de um não-caronista apenas porque ele é caronista em alguma atividade de uma sociedade anarquista, um concorrente meu perceberia esta possibilidade de lucro não explorada e contrataria este trabalhador. O todo acaba redundando no fato que também seria necessário criar mobilização para a discriminação contra pessoas que transacionam com caronistas (já que estes pressionam as remunerações dos caronistas para cima), o que geraria ainda mais ineficiência econômica. É plausível que esta idéia tivesse tanto futuro quanto a mobilização dos cornos para a implementação de “cláusulas contratuais contra pessoas que cometam infidelidade conjugal”. Por trás desta conseqüência inevitável, está o fato que a divisão do trabalho retira o poder dos elementos pessoais, irracionais e passionais dos cálculos econômicos.

Além disso, é óbvio que ninguém pode reivindicar apólice de seguro para o consumo de bem não-rival, uma vez que, por definição, a propriedade de não-rivalidade significa que o uso do bem por uma pessoa não diminui o bem-estar de outra em usar aquele bem.

Mas isto não é tudo. Veja só o caso de um bem público, uma sirene de tornado, e perceba como ela pode nos fornecer outro argumento interessante. Como excluir uma pessoa de ouvir o barulho de uma sirene de tornado? Obrigar os caronistas a utilizarem tampão de ouvido para que a sirene vire um bem excluível? As coisas não terminam aí. Como poderia haver um sistema de preços para bens indivisíveis? O preço é um índice de escassez, um sinal que coordena as decisões de produtores e consumidores, mas quando se trata de bens divisíveis e rivais. Usar pesquisa de mercado para substituir tal mecanismo é inútil, uma vez que as pessoas não têm incentivos para revelar suas verdadeiras preferências, além de nem sempre elas poderem acertá-las com precisão para um futuro incerto. O argumento “é imprescindível que haja um sistema de preços funcionando como um sinalizador aos empreendedores acerca das necessidades dos consumidores” não vale apenas para comunistas, mas também para anarquistas e seus simpatizantes.
Editado pela última vez por Huxley em 24 Jan 2009, 15:40, em um total de 1 vez.
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Tarcísio
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Tarcísio »

André escreveu:Em qualquer sociedade sempre existem os que não podem pagar pelo essencial, seja comida, educação, ou saúde, negar isso, e dizer que é falta de mérito desses, quando a maioria já nasceu nessa condição, é considerar aceitável que esses nunca tenham chance de se desenvolver.

Talvez, eu esteja entendendo.
O governo dando o essencial, cabe a ele regular sobre índices de natalidade, doenças congênitas?
Essas pessoas sendo mantidas, podem elas exercer cidadania e tomar parte nas decisões do governo?

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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

Huxley,

Por que considerar que todos estarão, necessariamente, melhor com uma sirene de tornado? Digo, a escolha não é simplesmente entre ter uma sirene e não ter - fosse isso, é claro que seria melhor optar por tê-la -, mas sim entre a sirene e a quantia em dinheiro que se precisa pagar para tê-la.

Você diz que eu me beneficio com a sua sirene, e, por isso, pensa que eu deveria pagar X mensais por isso. Mas como se mede o benefício que eu obtenho com ela para que se justifique a quantia cobrada? Quem garante que eu sou um caroneiro? Quero dizer, eu posso realmente achar que os X reais mensais são mais importantes para mim do que o risco que corro sem uma sirene de tornado.

Vejamos outra situação: se eu abrir, em uma rua pacata, um cinema que atraia muita gente, de forma que o comércio do local experimente um grande aumento em suas vendas e os imóveis, em geral, um aumento em sua valorização, isso seria justificativa para recolher taxas de todos os proprietários locais pelo fato de eles terem se beneficiado com o meu empreendimento? Há alguma diferença entre os caroneiros dessa situação e os que não pagam por uma sirene de tornado? A propósito: o patrocínio estatal a grandes eventos (como a passeata gay) e grandes empreendimentos são, muitas vezes, justificados em cima dessa assunção: grandes eventos e grandes empreendimentos beneficiam todos com a vinda de pessoas que consomem e geração de empregos. Com isso, é válido que todos tomem parte neles (por meio do estado).

Enfim: no momento em que se assume que uma pessoa tem o dever de pagar por aquilo que lhe dá benefícios, é inimaginavelmente grande a quantidade de situações onde alguém poderia alegar estar espalhando benefícios com a aquisição de um bem, e, com isso, exigir que os beneficiários tomem parte nos custos. E não há forma de determinar se aquilo que se exige de cada beneficiário vale mais ou menos, do ponto de vista de cada um deles, que a vantagem que cada beneficiário obtém com o bem em questão.

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Aranha
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Aranha »

Herf escreveu:Huxley,

Por que considerar que todos estarão, necessariamente, melhor com uma sirene de tornado? Digo, a escolha não é simplesmente entre ter uma sirene e não ter - fosse isso, é claro que seria melhor optar por tê-la -, mas sim entre a sirene e a quantia em dinheiro que se precisa pagar para tê-la.

Você diz que eu me beneficio com a sua sirene, e, por isso, pensa que eu deveria pagar X mensais por isso. Mas como se mede o benefício que eu obtenho com ela para que se justifique a quantia cobrada? Quem garante que eu sou um caroneiro? Quero dizer, eu posso realmente achar que os X reais mensais são mais importantes para mim do que o risco que corro sem uma sirene de tornado.

Vejamos outra situação: se eu abrir, em uma rua pacata, um cinema que atraia muita gente, de forma que o comércio do local experimente um grande aumento em suas vendas e os imóveis, em geral, um aumento em sua valorização, isso seria justificativa para recolher taxas de todos os proprietários locais pelo fato de eles terem se beneficiado com o meu empreendimento? Há alguma diferença entre os caroneiros dessa situação e os que não pagam por uma sirene de tornado? A propósito: o patrocínio estatal a grandes eventos (como a passeata gay) e grandes empreendimentos são, muitas vezes, justificados em cima dessa assunção: grandes eventos e grandes empreendimentos beneficiam todos com a vinda de pessoas que consomem e geração de empregos. Com isso, é válido que todos tomem parte neles (por meio do estado).

Enfim: no momento em que se assume que uma pessoa tem o dever de pagar por aquilo que lhe dá benefícios, é inimaginavelmente grande a quantidade de situações onde alguém poderia alegar estar espalhando benefícios com a aquisição de um bem, e, com isso, exigir que os beneficiários tomem parte nos custos. E não há forma de determinar se aquilo que se exige de cada beneficiário vale mais ou menos, do ponto de vista de cada um deles, que a vantagem que cada beneficiário obtém com o bem em questão.


- O fato é que a sirene de tornado garante um bem não-valorável (a vida humana) aos caroneiros, enquanto o cinema na rua garante ganhos valoráveis, talvez não seja uma boa analogia.

Abraços,
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


Perceba que nao e uma questao filosofica de valorar a vida humana.

Por mais que voce valorize sua propria vida ou a do seus filhos, voce faz consideracoes orcamentarias quando decide nao contratar um seguro de vida, ou segurancas particulares, ou colocar cameras na sua casa, ou blindar o seu carro; mesmo quando todos esses bens tem por finalidade salvaguardar um bem que voce considera mais precioso do que qualquer dinheiro.

Um alarme para furacoes entraria nessa categoria tambem, com a diferenca de que quando ele e feito por burocratas, eles podem se servir dessa hipocrisia de que "nao ha preco para vida humana" da mesma forma que um pai diria sobre a vida de seus filhos quando fala dos investimentos em seguranca infantil que ele fez na piscina dele e que voce achou caro demais para fazer na sua.

Alias, outro dia eu me deparei com um anuncio da Mutuelle (o plano de saude de adesao obrigatoria na Franca) que dizia exatamente isso "Pas de profit sur votre santé" (nada de lucrar com a sua saude). E ai eu pensei, "mas que canalhice. Eu preferia optar entre dar lucro para alguem ou nao do que ser obrigado por burocratas a comprar um troco (caro) que nao necessariamente me interessaria".

Aquilo que nao se sustenta pela via do lucro necessariamente se sustenta na via da exploracao. No dia que as pessoas se derem conta dessa verdade incrivelmente simples o socialismo estara acabado.
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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

Herf escreveu:Huxley,

Por que considerar que todos estarão, necessariamente, melhor com uma sirene de tornado? Digo, a escolha não é simplesmente entre ter uma sirene e não ter - fosse isso, é claro que seria melhor optar por tê-la -, mas sim entre a sirene e a quantia em dinheiro que se precisa pagar para tê-la.

Você diz que eu me beneficio com a sua sirene, e, por isso, pensa que eu deveria pagar X mensais por isso. Mas como se mede o benefício que eu obtenho com ela para que se justifique a quantia cobrada? Quem garante que eu sou um caroneiro? Quero dizer, eu posso realmente achar que os X reais mensais são mais importantes para mim do que o risco que corro sem uma sirene de tornado.


No caso do bem público, o pseudo-preço transmite um sinal errado acerca das necessidades dos consumidores como um todo. Você não paga um sobrecusto por um bem público numa sociedade anarquista por causa da escassez daquele bem e sim por causa das particularidades das características típicas dos bens públicos. O caronista médio não é alguém que “não precisa” do bem público, e por isso, paga zero unidades monetárias por ele. Se o preço de um bem para um agente representativo é igual a zero, isto significa que aquele bem não é escasso ou não tem utilidade para o mesmo, o que é um absurdo quando se trata de uma sirene de tornado em local onde hajam tornados. O caronista médio é alguém que, por não revelar suas verdadeiras preferências, acaba gerando a externalidade negativa de “rejeitar o ato de pagar pelo bem que consome, esperando que os outros o façam”.

Externalidades ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afetam os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. No caso aqui tratado, ocorre uma externalidade negativa porque o custo para sustentar caronistas implica em sacrifício na utilização de recursos que seriam aproveitados em outros mercados. Também existem as externalidades positivas, como será explicado mais adiante.


Herf escreveu:
Vejamos outra situação: se eu abrir, em uma rua pacata, um cinema que atraia muita gente, de forma que o comércio do local experimente um grande aumento em suas vendas e os imóveis, em geral, um aumento em sua valorização, isso seria justificativa para recolher taxas de todos os proprietários locais pelo fato de eles terem se beneficiado com o meu empreendimento? Há alguma diferença entre os caroneiros dessa situação e os que não pagam por uma sirene de tornado? A propósito: o patrocínio estatal a grandes eventos (como a passeata gay) e grandes empreendimentos são, muitas vezes, justificados em cima dessa assunção: grandes eventos e grandes empreendimentos beneficiam todos com a vinda de pessoas que consomem e geração de empregos. Com isso, é válido que todos tomem parte neles (por meio do estado).

Enfim: no momento em que se assume que uma pessoa tem o dever de pagar por aquilo que lhe dá benefícios, é inimaginavelmente grande a quantidade de situações onde alguém poderia alegar estar espalhando benefícios com a aquisição de um bem, e, com isso, exigir que os beneficiários tomem parte nos custos. E não há forma de determinar se aquilo que se exige de cada beneficiário vale mais ou menos, do ponto de vista de cada um deles, que a vantagem que cada beneficiário obtém com o bem em questão.


Abrir um cinema numa rua pacata causa aquilo o que os economistas chamam de externalidade positiva. São modificações que envolvem melhorias na situação de pelo menos um agente econômico sem piorar a dos demais. Por outro lado, o que causa a ineficiência alocativa na tentativa de privatização de bens públicos em uma sociedade anarquista é uma externalidade negativa.

Externalidade positiva pode ser razão para justificar gasto estatal. Até Friedrich Hayek defendia que o governo deveria financiar pesquisas científicas:
http://www.hanshoppe.com/publications/h ... erview.pdf

A atitude de Hayek pode ser justificada economicamente. Isto ocorre porque a tecnologia (“idéias”), ao contrário de muitos outros bens econômicos, é um bem não-rival: a utilização de certa idéia por um agente econômico não impede que outros a utilizem, enquanto a utilização de um bem rival, por exemplo, um bem de consumo por um consumidor, inviabiliza sua utilização por outro. Diferentemente de bens rivais, que precisam ser produzidos em unidades a serem vendidas, os bens não-rivais só precisam ser produzidos uma vez. Por exemplo, certa tecnologia só é inventada (produzida) uma vez, nas vezes seguintes ela é simplesmente copiada a um custo insignificante (cópias de software, por exemplo). Isto quer dizer que existe um custo fixo relativamente elevado (pesquisa e desenvolvimento) para produzir tecnologia, mas o custo variável é zero ou negligível. Ou seja, há rendimentos crescentes de escala na produção de uma tecnologia: ao dobrar o nível tecnológico, e portanto a produtividade do trabalho, a produção mais que dobra.

Na teoria neoclássica de crescimento de Paul Romer e de outros economistas, o governo é capaz de, através de subsídios aos gastos de pesquisa e desenvolvimento (por exemplo, custeio direto de pesquisas em universidades públicas, abatimento dos gastos de pesquisa e desenvolvimento das empresas no cálculo do lucro tributável, etc.), elevar permanentemente a taxa de progresso tecnológico, a taxa de crescimento da produtividade e, portanto, a taxa de crescimento da renda per capita.
Editado pela última vez por Huxley em 25 Jan 2009, 02:17, em um total de 3 vezes.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Herf escreveu:Huxley,

Por que considerar que todos estarão, necessariamente, melhor com uma sirene de tornado? Digo, a escolha não é simplesmente entre ter uma sirene e não ter - fosse isso, é claro que seria melhor optar por tê-la -, mas sim entre a sirene e a quantia em dinheiro que se precisa pagar para tê-la.

Você diz que eu me beneficio com a sua sirene, e, por isso, pensa que eu deveria pagar X mensais por isso. Mas como se mede o benefício que eu obtenho com ela para que se justifique a quantia cobrada? Quem garante que eu sou um caroneiro? Quero dizer, eu posso realmente achar que os X reais mensais são mais importantes para mim do que o risco que corro sem uma sirene de tornado.

Vejamos outra situação: se eu abrir, em uma rua pacata, um cinema que atraia muita gente, de forma que o comércio do local experimente um grande aumento em suas vendas e os imóveis, em geral, um aumento em sua valorização, isso seria justificativa para recolher taxas de todos os proprietários locais pelo fato de eles terem se beneficiado com o meu empreendimento? Há alguma diferença entre os caroneiros dessa situação e os que não pagam por uma sirene de tornado? A propósito: o patrocínio estatal a grandes eventos (como a passeata gay) e grandes empreendimentos são, muitas vezes, justificados em cima dessa assunção: grandes eventos e grandes empreendimentos beneficiam todos com a vinda de pessoas que consomem e geração de empregos. Com isso, é válido que todos tomem parte neles (por meio do estado).

Enfim: no momento em que se assume que uma pessoa tem o dever de pagar por aquilo que lhe dá benefícios, é inimaginavelmente grande a quantidade de situações onde alguém poderia alegar estar espalhando benefícios com a aquisição de um bem, e, com isso, exigir que os beneficiários tomem parte nos custos. E não há forma de determinar se aquilo que se exige de cada beneficiário vale mais ou menos, do ponto de vista de cada um deles, que a vantagem que cada beneficiário obtém com o bem em questão.




Seu comentario e irretocavel.

Vou apenas adicionar o contexto historico que possibilitou a atual situacao onde as mais simples verdades que voce disse fossem obscurecidas por tanto non-sense random.


A tradicao Marshalliana e Walrasiana que definiu aquilo que se chama pensamento economico neo-classico e do qual o Keynesianismo (favorito do nosso estimado colega Huxley) e muito mais um upgrade "macro" do que uma ruptura, estabelece o mercado como um sistema dinamico determinado no qual os agentes estao submetidos a condicoes incontornaveis de formalismos contratuais e que dentro dessas regras eles precisam procurar formas de maximizar suas dadas "funcoes de utilidades".

Sob certas hipoteses e condicoes observaveis e possivel demonstrar que esses sistemas dinamicos bem definidos apresentam certos equilibrios, ou seja, solucoes para a estrutura de alocacao de recursos que obedecem a algum criterio matematico de estabilidade. Um criterio de equilibrio bastante empregado e o chamado equilibrio de Nash, que estabelece que uma determinada configuracao de mercado e estavel se nenhum agente considerar um desvio unilateral de sua parte lucrativo.

Muitos economistas matematicos menos importantes e inteligentes que John Nash entao se ocuparam de encontrar "equilibrios de Nash" nocivos em diversos mercados existentes, se refestelando na fartura de exemplos existentes. Virtualmente todos os mercados possuiam algum tipo de estrutura propria que produzia um equilibrio que nao era virtuoso, mas vicioso, e estava descoberto entao o santo graal de todos os adeptos do burocracismo: uma definicao matematica da funcao do burocrata.

Alias, isso era de se esperar dado que o artigo de Nash demonstra que jogos de soma nao nula com N jogadores sempre apresentarao equilibrios em estrategias mistas (a definicao precisa desses termos matematicos nao e necessaria no presente momento). A unica tarefa dos economistas era descrever os pay-offs dos jogos do mercado, e entao determinar seus equilibrios de Nash.

O papel do burocrata seria o de regulador extra-mercado: ele se basearia apenas em conceitos formais de optimalidade para corrigir as assimetrias e distorcoes produzidas pela livre interacao dos agentes. Ele usaria seu poder para refrear a compulsao individualista que acabaria produzindo um resultado geral pior para todos.

Passou-se entao a se acreditar que as coisas estavam bem descritas, que a burocracia era em alguma instancia necessaria e que a questao principal agora era descobrir qual a quantidade certa de burocracia seria mesmo necessaria para se conseguir o maximo de "eficiencia social" do mercado. De um lado, os "monetaristas" e "supply-siders", defendiam uma burocracia "pequena", do outro, os keynesianos, neo-keynesianos e tutti quanti defendiam uma burocracia "grande".

Deus do ceu, eles nao poderiam estar mais errados!

Continua...
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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

Huxley escreveu:No caso do bem público, o pseudo-preço transmite um sinal errado acerca das necessidades dos consumidores como um todo. Você não paga um sobrecusto por um bem público numa sociedade anarquista por causa da escassez daquele bem e sim por causa das particularidades das características típicas dos bens públicos. O caronista médio não é alguém que “não precisa” do bem público, e por isso, paga zero unidades monetárias por ele. Se o preço de um bem para um agente representativo é igual a zero, isto significa que aquele bem não é escasso ou não tem utilidade para o mesmo, o que é um absurdo quando se trata de uma sirene de tornado em local onde hajam tornados. O caronista médio é alguém que, por não revelar suas verdadeiras preferências, acaba gerando a externalidade negativa de “rejeitar o ato de pagar pelo bem que consome, esperando que os outros o façam”.

Externalidades ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afetam os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. No caso aqui tratado, ocorre uma externalidade negativa porque o custo para sustentar caronistas implica em sacrifício na utilização de recursos que seriam aproveitados em outros mercados. Também existem as externalidades positivas, como será explicado mais adiante

Ora, mas e isso pode ser considerado uma externalidade negativa? Digo, externalidades negativas ocorrem quando terceiros são afetados prejudicialmente pela atividade de alguém. O fato de eu me negar a participar de um empreendimento, ainda que ele me beneficie de qualquer forma, não pode ser considerado uma externalidade negativa. Não participar do empreendimento é não-ação. É evidente que a minha recusa em participar não é algo bom para quem participa, mas eu não os estou prejudicando por isso (não mais do que eu prejudico um comerciante se resolvo comprar de seu concorrente). O dono da sirene não tem que "sustentar" os demais.

O que podemos dizer é que a aquisição de uma sirene por um gera externalidades positivas sobre os demais, da mesma forma que um novo cinema em uma rua de pouco movimento.
Editado pela última vez por Herf em 25 Jan 2009, 11:44, em um total de 1 vez.

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


Prosseguindo...

O primeiro erro esta na concepcao equivocada do processo de mercado.

Nao que as contribuicoes de Walras e Marshall estivessem erradas em si, elas apenas eram incompletas no que ignoravam os dois fatores cruciais na dinamica dos mercados: a mudanca de condicoes gerais envolvidas e a inovacao dos agentes.

A ideia da dependencia necessaria de um conjunto pre-estabelecido de incentivos e condicoes limitantes para a acao dos agentes e que permite a conclusao de que em muitos casos o mercado converge para um "equilibrio insatisfatorio". Assim, os contratos legais e reparticoes de poder de mercado definiriam situacoes estaticas que privilegiariam um agente as custas dos outros, ou que conduziriam todos os agentes a escolher uma estrategia cujo resultado final fosse ruim para todos.

Assumir essa como uma prerrogativa basica e incorrer num erro muito simplorio. Ainda que certas condicoes locais de determinados mercados conduzam a esses fenomenos de "irracionalidade coletiva", e simplesmente fantasioso acreditar que essa precisa ser uma situacao estatica.

Imaginemos um exemplo simples: um grupo grande amigos decide se reunir num restaurante e fica decidido que a conta sera repartida entre todos. Cada individuo desse grupo entao passa a ter um incentivo para consumir o maximo que puder dos pratos e bebidas mais caras, e no final, a conta repartida entre todos determina um pagamento individual bem maior do a maioria deles estaria disposta a arcar se tivessem ido no restaurante sozinhos sabendo que pagariam por suas proprias despesas.

Esse exemplo e bem conhecido de todos e bem facil de reconhecer como a "racionalidade individual" conduz a uma "irracionalidade coletiva". Outro exemplo analogo seria o caso dos onibus vs automoveis: se todos andam de carro, o transito congestiona e todos estao insatisfeitos, se muitos usam o transporte coletivo ("altruismo"), o transito flui e as pessoas ficam razoavelmente satisfeitas, mas isso cria um incentivo para que as pessoas voltem a andar de carro ("egoismo"), ja que o transito esta livre, o que congestiona o transito novamente.

Sao exemplos desse tipo (na maioria dos casos, recheados com analises estatiscas elaboradas) que parecem convencer muita gente de que e necessaria uma ordem coletiva que seja definida por membros com mais poder e visao para evitar que cada individuo, perseguindo racionalmente seus objetivos particulares, conduzam a sociedade para o caos.

Um grave engano.

O equivoco basico desse tipo de analise e que ela desconsidera o fato de cada agente do mercado, por ser racional, percebe a ineficiencia que aquele contrato produz, e isso gera uma demanda por uma reformulacao desse contrato que nao precisa ser suprida por nenhum burocrata, mas que pode ser fornecida por esses mesmos agentes conscientes do mercado.

Por exemplo, uma vez que a percepcao de que a conta coletiva foi ineficaz, dado um segundo encontro daqueles amigos, e natural que a regra mude, e que cada um pague pela totalidade ou pela parte suplementar que consome. Houve inovacao contratual, sendo produzido uma regra nova, pois foi notada a ineficiencia da anterior. Isso nao teve que ser imposto a todos via decreto, mas emergiu da percepcao individual.

No caso dos automoveis, eventuais proprietarios das vias por onde circulam automoveis e onibus (ou seja, os donos das ruas) poderiam instituir mecanismos de cobranca individual que visassem um controle do fluxo optimal de veiculos (sendo que eles pensariam apenas no seu proprio lucro ao fazer isso).

Assim os contratos se transformam, e coisas que eram comercializadas de uma forma no passado o sao de uma forma completamente diferente hoje. A inovacao se da tambem na incorporacao de novos bens e servicos que substituem ou tornam os bens e servicos ineficientes do passado obsoletos. Condicoes gerais tambem mudam: as preferencias dos consumidores estao sujeitas a perturbacoes aleatorias e sazonais o que impossibilita qualquer planejamento central de longo prazo da satisfacao global dos mesmos.

O fato e que todas as falacias cometidas por essa corrente economica de defesa da burocracia se inserem perfeitamente na estrutura da antiga ficcao do "Bom Ditador". Eles acreditam que uma vez que os mecanismos de mercado falharam para produzir a eficiencia e satisfacao perfeitas segundo algum criterio de optimalidade, cabe a um personagem externo, dotado de poder, sabedoria e moral elevados, corrigir as falhas decorrentes da incapacidade individual de lidar com problemas coletivos.

Esse e um erro grosseiro, que ignora os fatos mais basicos, como o de que os burocratas nao sao agentes externos, mas jogadores inseridos na estrutura que tencionam corrigir, e que respondem a incentivos particulares tambem. Um mercado regulado e apenas um outro tipo de mercado com outros equilibrios nocivos, mas com o grave defeito de delegar poderes arbitrarios a um grupo de jogadores. Nao e atoa que a democracia em muitos casos convirja para a corrupcao generalizada, a cultura da dependencia e do favorecimento, entre outros abusos de poder. Eles tambem nao possuem, por nenhum motivo especial, acesso a mais informacao, nem um equipamento cognitivo mais eficaz do que o de cada um no mercado. A percepcao que eles tem da ineficacia de determinadas situacoes nao tem porque ser passivel apenas da percepcao deles. Logo, nao existe nenhum motivo para supor que eles sejam necessarios para corrigir os problemas que todos podem perceber e repensar solucoes.

O mercado nao e um sistema dinamico determinista que esta fadado a conduzir a um equilibrio ruim se nada for feito (por burocratas) para evitar que isso ocorra. Essa concepcao nao passa de uma aproximacao local que e conveniente para se descobrir como um determinado contrato interfere no comportamento dos agentes e qual e o resultado disso do ponto de vista deles.

O mercado e um processo organico de inovacao e selecao, cuja estrutura se assemelha muito a da evolucao das especies segundo o darwinismo. Nenhum contrato ou produto e perfeito, uma vez que perfeicao e um conceito ideal que nao esta ao alcance das acoes de seres humanos. Aqueles individuos mais engenhosos que propuserem formas de adequar os contratos e produtos as expectativas dos consumidores vigentes serao selecionados como vencedores. Seus contratos e produtos se reproduzirao, os tornando ricos, ate o dia que outros contratos e produtos mais adequados as novas circunstancias se tornem seus substitutos.

A unica lei que governa essa dinamica evolucionaria e a demanda dos consumidores por satisfacao. Em qualquer circunstancia, fazendo a suposicao que os individuos sao racionais, eles optarao pelos contratos e produtos que parecem ser mais satisfatorios. Aos inovadores, cabe a tarefa de desenvolve-los.

A burocracia nao introduz nenhuma funcionalidade nova nesse processo. Ela nao passa de um residuo de uma mentalidade antiga segundo a qual nada poderia ser feito em sociedade sem que uma clara hierarquia de poder entre os homens se estabelecesse, e que por misteriosos meios (quase sempre justificados via crencas religiosas) se encarregaria de colocar apenas os mais sabios e os mais justos no alto. Ou seja, e apenas uma repaginacao do mito antigo do bom ditador.
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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

Ótimo post. :emoticon45:

user f.k.a. Cabeção escreveu:A burocracia nao introduz nenhuma funcionalidade nova nesse processo. Ela nao passa de um residuo de uma mentalidade antiga segundo a qual nada poderia ser feito em sociedade sem que uma clara hierarquia de poder entre os homens se estabelecesse, e que por misteriosos meios (quase sempre justificados via crencas religiosas) se encarregaria de colocar apenas os mais sabios e os mais justos no alto. Ou seja, e apenas uma repaginacao do mito antigo do bom ditador.

Essa mentalidade que prega uma assimetria de poder e de racionalidade tão ilegítima pode ser comparada com outras mentalidades de outras épocas que, uma vez reconhecidas como ilegítimas, jamais voltaram a ser levadas a sério, de tão obviamente ilegítimas que eram. Exemplos são a monarquia e a escravidão. Poucos hoje realmente acreditam que alguns indivíduos são dotados de um direito divino de impor seu arbítrio sobre os demais, poder que é naturalmente transmitido a seus parentes. Também são poucos aqueles que, tendo convivido com pessoas de outras raças, pensam que algumas raças são superiores enquanto outras são inferiores (seja lá o que isso realmente signifique), estas últimas sendo naturalmente servas das primeiras.

Fatos tão óbvios que levaram muito tempo para serem percebidos. Mas uma vez percebidos, dificilmente voltam a ser esquecidos. E os poucos que os esquecem são, com razão, ridicularizados.

Infelizmente, as pessoas tiraram o poder dos reis apenas para concedê-los a outras pessoas. Hoje não é mais o tal do direito divino que concede o poder a alguns, mas uma igualmente mística capacidade de agir em nome do "coletivo", a suposta posse de racionalidade, sensatez e benevolência tão superiores que torna o indivíduo delas dotado mais capaz de decidir o que é melhor para as pessoas do que elas próprias.

Apenas uma outra obviedade que não resiste ao menor sopro de razão. Como foi dito num post atrás, uma vez que as pessoas se aperceberem disso, jamais tornarão a incorrer em tal erro novamente, e todas as variantes do coletivismo estarão acabadas.

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


Nao e uma questao nem de ser comparada: e obviamente a mesma mentalidade primitiva de submissao, mas num contexto onde muitos valores liberais ja emergiram e se transformaram em instituicoes.

O liberalismo e a doutrina que percebe o diacronismo entre liberdade e poder, e defende a liberdade.

A democracia e apenas uma forma de organizar um poder. A democracia pode ser totalitaria, se os poderes que emanam das "decisoes das maiorias" forem ilimitados.

Subsiste ainda uma ideologia de culto a democracia que nao passa de adoracao irracional de um mero processo ritual, que em si nao possui nada de fundamental. As grandes aquisicoes da humanidade com as chamadas democracias representativas estao nos elementos de respeito as liberdades individuais e de limitacao dos poderes vigentes que nao precisam guardar nenhuma relacao com o fato do burocrata ser eleito diretamente, indiretamente, ou ter herdado o trono por pertencer a uma dinastia que chegou ao poder no passado de forma violenta.

As pessoas acreditam que o mal nao esta no poder, mas em quem o exerce, e que assim, a democracia e o meio mais conveniente de alocar o poder na mao dos justos. E se iludem a cada eleicao.

A percepcao fundamental e que a corrupcao esta na propria natureza do poder. E que a justica e feita no momento em que o poder de um homem esta reseravado aquilo que e dele por direito. Direito esse que e natural e espontaneo, pois emerge da percepcao de todos os outros da necessidade do estabelecimento de instituicoes que protejam a pessoa e aquilo que ela adquiriu voluntariamente ou atraves do seu proprio trabalho.

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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

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user f.k.a. Cabeção escreveu:
Sao exemplos desse tipo (na maioria dos casos, recheados com analises estatiscas elaboradas) que parecem convencer muita gente de que e necessaria uma ordem coletiva que seja definida por membros com mais poder e visao para evitar que cada individuo, perseguindo racionalmente seus objetivos particulares, conduzam a sociedade para o caos.

Um grave engano.

O equivoco basico desse tipo de analise e que ela desconsidera o fato de cada agente do mercado, por ser racional, percebe a ineficiencia que aquele contrato produz, e isso gera uma demanda por uma reformulacao desse contrato que nao precisa ser suprida por nenhum burocrata, mas que pode ser fornecida por esses mesmos agentes conscientes do mercado.

Por exemplo, uma vez que a percepcao de que a conta coletiva foi ineficaz, dado um segundo encontro daqueles amigos, e natural que a regra mude, e que cada um pague pela totalidade ou pela parte suplementar que consome. Houve inovacao contratual, sendo produzido uma regra nova, pois foi notada a ineficiencia da anterior. Isso nao teve que ser imposto a todos via decreto, mas emergiu da percepcao individual.

No caso dos automoveis, eventuais proprietarios das vias por onde circulam automoveis e onibus (ou seja, os donos das ruas) poderiam instituir mecanismos de cobranca individual que visassem um controle do fluxo optimal de veiculos (sendo que eles pensariam apenas no seu proprio lucro ao fazer isso).



Se a provisão estatal de bens públicos e bens não-rivais é uma forma de coletivismo, então Hayek também é coletivista. Engraçado, você começou a responder um post do Herf que tratava dos bens públicos e mais uma vez não avançou um único milímetro em responder como a mudança súbita para a provisão privada de bens públicos não implicaria em perda de bem-estar social. Se você não consegue responder a isso, cai por terra seu argumento que a introdução de qualquer burocracia estatal neutraliza qualquer esforço para que se tenha o melhor sistema de incentivos para produzir determinados bens com a maior eficiência possível.

Nenhum dos exemplos que você pôs representa o caso de um bem público. Comida é um bem privado puro. E caso não saiba, uma estrada congestionada que cobra pedágio também representa um caso de bem privado puro, já que ele é um bem rival e excluível (diferentemente de uma estrada não-congestionada, que é um bem público puro). No caso do bem privado puro, há um mecanismo de recompensa/compensação e este se traduz pelo comportamento dinâmico dos preços. No caso de bens públicos, isto não existe.
Editado pela última vez por Huxley em 25 Jan 2009, 23:06, em um total de 1 vez.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

Herf escreveu:
Ora, mas e isso pode ser considerado uma externalidade negativa? Digo, externalidades negativas ocorrem quando terceiros são afetados prejudicialmente pela atividade de alguém. O fato de eu me negar a participar de um empreendimento, ainda que ele me beneficie de qualquer forma, não pode ser considerado uma externalidade negativa. Não participar do empreendimento é não-ação. É evidente que a minha recusa em participar não é algo bom para quem participa, mas eu não os estou prejudicando por isso (não mais do que eu prejudico um comerciante se resolvo comprar de seu concorrente). O dono da sirene não tem que "sustentar" os demais.

O que podemos dizer é que a aquisição de uma sirene por um gera externalidades positivas sobre os demais, da mesma forma que um novo cinema em uma rua de pouco movimento.


Ok. Quanto ao uso dos termos “externalidade positiva” e “externalidade negativa”, tens toda razão. Acho que fui infeliz. O que eu chamei de externalidade positiva e externalidade negativa, vamos mudar agora para, respectivamente, externalidade positiva BENÉFICA e externalidade positiva MALIGNA.

A externalidade positiva, ao contrário do que o senso-comum possa pensar, também acarreta problemas, pois não gera incentivos para que aquele bem possa ser produzido ou explorado de forma eficiente. Por isso, ainda acho que estou com razão em relação à diferenciação dos dois tipos de externalidades: externalidade positiva benéfica e externalidade positiva maligna. Entretanto, para demonstrar melhor isso, vou ter que utilizar um exemplo de outro bem público.

Várias pessoas compram ingressos para ir ao cinema do seu caso hipotético. Como externalidade positiva, as pessoas freqüentam as sorveterias dos vizinhos, tornando os estabelecimentos vizinhos mais lucrativos. Segundo você, eu consideraria este um “problema”.

Não há problema nenhum aí, do ponto de vista da teoria econômica. Há dois bens, um bem rival (mecanismo de atração de clientela) e um bem privado. A produção do bem privado tem como externalidade a produção do bem não-rival. Não há “problema” do free rider. Este caso é uma “melhoria de Pareto”, isto é, modificações que envolvem melhorias na situação de pelo menos um agente econômico sem piorar a dos demais agentes.

Por outro lado, vejamos as conseqüências da presença de determinadas externalidades positivas numa estrada não-congestionada, que é um bem público. O custo marginal de uso dessa estrada, para um veículo adicional, é praticamente nulo e, portanto, não faz sentido racionar a sua utilização. Supondo-se que o governo decida entregar a administração dessa avenida para uma firma privada, esta cobrará pedágio pelo seu uso, então essa cobrança desencorajará o tráfego de veículos (já que agora é preciso pagar pelo uso dessa via) conduzindo, assim, à subutilização da estrada não-congestionada. Essa restrição desnecessária representa uma piora de bem-estar para a sociedade. Quando uma estrada não se encontra congestionada, cobrar pedágio exclui do acesso a um bem público alguns utilizadores potenciais, sem que daí resulte qualquer ganho para os restantes. Como não existe rivalidade entre utilizadores numa estrada não-congestionada, a introdução de um preço tem como efeito a redução do bem-estar coletivo. Pode-se demonstrar formalmente (e matematicamente) que o preço de uma mercadoria de uma firma maximizadora de lucro em mercado plenamente competitivo deve ser igual ao seu custo marginal e isso traz como conseqüencia o nível eficiente de produção do mercado. Logo, o preço do pedágio deveria ser praticamente nulo para que o nível eficiente de oferta do bem público surgisse, uma vez que esse é o tamanho custo adicional resultante da circulação de mais um automóvel numa estrada não-congestionada. Se a introdução do preço restringir significativamente a demanda, é até possível que o custo de cobrar pedágio seja superior à receita gerada pelo pedágio.

De modo algum liberdade deve ser critério para se medir tamanho de bem-estar. Imagine alguém que é dono de um oásis no meio do deserto. Se o dono é um monopolista puro de algo indispensável, então o monopólio com cobrança de preço abusivo representa uma piora de bem-estar em relação a uma situação em que o dono de oásis estivesse condições de concorrência ou a uma situação em que o monopolista é obrigado por lei a se sujeitar a um preço máximo compatível com o que ocorreria em competição. Dado que se sabe os formatos das funções utilidades em situação de concorrência perfeita e em mercado monopolista, pode-se demonstrar as diferenças de medidas de bem-estar através de cálculos das integrais que representa o excedente do consumidor e o excedente do produtor (ambos se somam para formar o "excedente total", que é o índice de bem-estar de um mercado na teoria econômica). Se o preço mais alto não desencorajasse potenciais utilizadores, o ganho súbito de liberdade de um monopolista dono de oásis em fixar seu preço seria equivalente apenas uma redistribuição do "bolo econômico": a perda do excedente do consumidor seria compensada perfeitamente por um aumento do excedente do produtor, deixando inalterado o excedente total. Porém, não é isso que ocorre, dado a existência do efeito substituição (preços maiores de um bem levam a níveis menores de seu consumo a uma dada restrição orçamentária). Como o preço maior desencoraja a aquisição de bens do monopolista, então o preço monopolista reduz o “bolo econômico” (excedente total) como um todo (para maiores explicações ver “Introdução à Economia”, do Gregory Mankiw)

Paul Samuelson demonstrou formalmente que a privatização de bens públicos implicaria em perda de bem-estar semelhante ao meu caso imaginário do monopolista do oásis. Em ambos os casos, há a falta de um mecanismo de recompensa/compensação (que nos bens privados está presente e se traduz pelo comportamento dinâmico dos preços no mercado competitivo). Em caso de defesa nacional, por exemplo, o teoria de Samuelson prevê que os níveis de segurança nacional seriam inferiores àqueles que seriam obtidos por meio da provisão pública, financiada compulsoriamente por meio de tributos.
Editado pela última vez por Huxley em 03 Fev 2009, 02:23, em um total de 3 vezes.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Huxley escreveu:Se a provisão estatal de bens públicos e bens não-rivais é uma forma de coletivismo, então Hayek também é coletivista.



Meu interesse nunca foi apresentar o ponto de vista particular de Hayek ou defender alguma tese sobre suas crencas.

A teoria que eu chamo de Hayekiana e aquela que identifica a ordem catalatica espontanea que emerge nas sociedade humanas, criando suas leis, costumes e mecanismos que permitem ao ser humano alcance coisas inimaginaveis, sem que haja necessidade de um desenho deliberado de uma mente racional.

O hayekianismo estaria para as diversas formas de burocracismo assim como darwinismo esta para o criacionismo: ele propoe um mecanismo espontaneo para o surgimento de algo ordenado e complexo, enquanto que seu rival defende que a ordem e a complexidade dependem da intencao direta de uma inteligencia em gerar algo complexo e ordenado, tendo em vista um determinado fim.

Sua tese era basicamente essa, era a de que a ordem emerge da racionalidade nao intencional de agentes que procuram apenas por meios de melhorar suas proprias vidas, e no interim descobrem que a forma mais eficaz de se conseguir isso e permitindo a exploracao mutua das capacidades de todos os demais no mercado. Que assim como a cultura, a "economia nacional", "social", ou "global" (termos que ele abominava) apesar de apresentar um funcionamento complexo, nao possui nenhum proposito especifico que justifiquem "politicas economicas" voltadas a atender a esses inexistentes objetivos.

E uma tese essencialmente conservadora e modesta, pois lanca um olhar extremamente positivo ao conhecimento adquirido pelas vias da tradicao, contrapondo-se as teses racionalistas revolucionarias que diziam que se "voce quiser boas leis, queime as antigas e as refaca" (Voltaire).

Essa modestia e esse conservadorismo, alem do fato de Hayek pertencer a categoria de pensadores analistas, nao de visionarios ou profetas, e que talvez, eu especulo, tenham contribuido para que ele nao se apresentasse como um completo anarquista, embora suas teorias possam sustentar teses anarquistas.

O Estado e uma solucao tradicional para varios problemas sociais, as pessoas estao acostumadas a contar com a ineficiente e incerta decisao dos burocratas pelo simples fato de que muitos dos mecanismos sociais se desenvolveram ao redor dessas solucoes. Propor uma abolicao subita do Estado e incorrer num expediente essencialmente revolucionario, e esta e a ultima coisa que Hayek seria.

Nao e disso que eu falo aqui. Eu nao proponho como minha politica pessoal o fim do Estado. De certa maneira eu tenho que concordar com a provisao pelo Estado de bens publicos uma vez que essa e a forma estabelecida tradicionalmente. O que eu falo e que nao existem assuntos que sao logicamente melhor organizados por um Estado, nem que houve uma selecao racional por uma solucao burocratica.

Meu ponto de vista e o de que instituicao do Estado e derivada da decomposicao lenta de outras instituicoes de poder do passado. De uma ordem social onde acreditavamos que a unica forma de se conseguir algo era atraves da forca, evoluimos para uma sociedade basicamente estruturada em contratos livres, onde a decisao arbitraria dos governantes desempenha um papel muito menos importante do que desempenhava no passado. E eu nao vejo motivos para ja termos atingido o fim da linha nessa transicao. Sob uma analise mais minuciosa, podemos notar que os poderes instituidos nos quais hoje contamos para que certas coisas importantes sejam realizadas nao passam de uma metamorfose adaptativa dos antigos poderes instituidos que, entre outras coisas, estabeleciam a escravidao e a hierarquia da vassalagem ordens vigentes.

Eu nao acho que um regime essencialmente anarquico emergira da adocao consciente de uma maioria desgostosa do governo, mas da aquisicao nao-intencional de instituicoes cada vez mais livres, no sentido de dependerem cada vez menos da designacao de poderes arbitrarios para burocratas. Nesse sentido, eu sou um anarquista hayekiano, pois atraves do processo descrito por Hayek eu acredito que existe a possibilidade de que uma sociedade desprovida de Estado possa emergir.

Independente do fato de que hoje eu reconheca que, dadas as circunstancias culturais, as diversas estruturas estatais nao podem ser abolidas de uma so vez sem que se produza nada a nao ser caos.

O que nao quer dizer que eu nao possa contribuir, propondo novas solucoes substitutivas, baseadas em contratos voluntarios, que mais tarde venham a ser incorporadas as instituicoes vigentes, ou estimulando outros a fazerem.

E como a burocracia e temporariamente inevitavel, ha ate mesmo o que se propor aos raros mas notaveis representantes nos gabinetes oficiais do pensamento liberal. Esses em geral estao em atraso com relacao as instituicoes que eles oficializam, aplicam ao proprio Estado e transformam em leis, mas eles desempenham um papel importante mesmo assim.


Huxley escreveu:Engraçado, você começou a responder um post do Herf que tratava dos bens públicos e mais uma vez não avançou um único milímetro em responder como a mudança súbita para a provisão privada de bens públicos não implicaria em perda de bem-estar social.



Exatamente porque esse nunca foi o meu ponto.

Eu nao estou aqui dizendo que a mudanca subita para um sistema de lei privada ou de defesa privada representaria um ganho em "bem estar social", seja la o que isso quer dizer.

Nao e assim que as coisas funcionam, seria uma perda de tempo embarcar nesse tipo de empreitada futil.

Essas coisas nao foram selecionadas como bens publicos tendo em vista consideracoes especificas sobre a geracao optimal dessa coisa que voce e outros economistas chamam de "bem estar social". Essas instituicoes resultam de uma evolucao muito mais complexa.

O que eu posso fazer e descrever um mecanismo nao Estatal de provisao de Lei e justica ou de defesa e seguranca. Nao e tao dificil pensar em varias possibilidades, principalmente quando levamos em consideracao que diversas delas JA estao sendo implementadas em niveis variados.

Dai nao seguira que e "aconselhavel" a substituicao subita da ordem estatal por esses mecanismos. Essa e uma frase que sequer faz algum sentido. "Aconselhavel" para quem? De certo nao sera "aconselhavel" para os burocratas, assim como nao era "aconselhavel" para os senhores e mercadores de escravos a abolicao do trabalho compulsorio e do comercio de seres humanos.

Mas aconteceu. E nao foi de forma subita na imensa maioria dos casos.

A prevalecencia da liberdade sobre o poder arbitrario nao e algo que esta sujeito a uma decisao deliberada de alguem encarregado de escolher o que e mais "aconselhavel para todos" do ponto de vista do "bem estar geral". E uma meta-percepcao a qual todos acabam chegando, conscientemente ou nao, cedo ou tarde no curso de suas interacoes sociais, e que em virtude disso e assimilada a cultura que e transmitida para as novas geracoes, ate se transformar em senso comum.

Hoje, e senso comum o carater abjeto da escravidao. Amanha, talvez, seja a vez da burocracia.

Eu nao posso dar certeza disso, pois e impossivel prever com exatidao o transcorrer de eventos sociais complexos. Mas dada a minha atual conviccao na Liberdade Individual como valor maximo e absoluto e que consagra a racionalidade humana, eu presumo que ela prevalecera cedo ou tarde sobre a tirania do status quo.


Huxley escreveu:Se você não consegue responder a isso, cai por terra seu argumento que a introdução de qualquer burocracia estatal neutraliza qualquer esforço para que se tenha o melhor sistema de incentivos para produzir determinados bens com a maior eficiência possível.



Isso porque voce esta lendo errado os meus argumentos.

Eu nunca defendi que a introducao de uma burocracia visava alcancar algum tipo de eficiencia. Eu sequer consigo imaginar como uma frase dessas poderia ter algum sentido. Isso e a religiao dos seus idolos economistas.

A burocracia e o escolio de outras estruturas de poder e dominacao que ja existiram. Suas incumbencias atuais nao sao resultado de ponderacoes diretas sobre a eficiencia dos burocratas em fazer nada.

Pelo contrario, sao o que sobrou de poder depois da adocao espontanea de solucoes liberais que se cristalizaram como a ordem capitalista dentro da qual vivemos.

E claro que essas reminiscencias permitiram certas idas e vindas, e em muitos lugares ate a nacionalizacao de grande parte da economia, sob esses pretextos falaciosos que voce admite de optimalidade social. Hoje vivemos uma dessas epocas, onde muita gente se volta ao miticismo estatolatra como se ele pudesse prover alguma solucao paupavel para a atual crise financeira e economica, e como se ele nao fosse seu principal causador. Ja escolheram inclusive o messias do nosso tempo, Barack Obama. Em outras epocas e lugares, escolheram outros messias (Lenin, Roosevelt, Hitler, Guevara, Lula ja foram ou ainda sao a encarnacao da esperanca messiancia das massas ...). E nos passamos por cima de seus legados, sem deles nada aproveitar.

Isso e apenas uma demonstracao de que ainda existe um longo caminho a percorrer. Que ainda somos primitivos e misticos. Que ainda estamos fortemente vinculados a uma cultura de dependencia.

Mas isso nao me faz perder minha fe na razao humana e nos meritos da Liberdade. Nem teria como.


Huxley escreveu:Nenhum dos exemplos que você pôs representa o caso de um bem público. Comida é um bem privado puro. E caso não saiba, uma estrada congestionada que cobra pedágio também representa um caso de bem privado puro, já que ele é um bem rival e excluível (diferentemente de uma estrada não-congestionada, que é um bem público puro). No caso do bem privado puro, há um mecanismo de recompensa/compensação e este se traduz pelo comportamento dinâmico dos preços. No caso de bens públicos, isto não existe.



Voce pode perceber que sua definicao do que configura um bem publico e meramente convencional. E as convencoes mudam. Ja mudaram e continuarao mudando.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Eu nao acho que um regime essencialmente anarquico emergira da adocao consciente de uma maioria desgostosa do governo, mas da aquisicao nao-intencional de instituicoes cada vez mais livres, no sentido de dependerem cada vez menos da designacao de poderes arbitrarios para burocratas. Nesse sentido, eu sou um anarquista hayekiano, pois atraves do processo descrito por Hayek eu acredito que existe a possibilidade de que uma sociedade desprovida de Estado possa emergir.


E Robert Nozick tem uma teoria que diz que o mecanismo adaptativo-evolucionista guiaria a anarquia ao Estado Mínimo através do mecanismo de mercado. Ela está descrita minuciosamente na sua famosa obra “Anarquia, Estado e Utopia”. Já ouviu falar? Um trecho que peguei sobre a tese:

"De acordo com esta linha, seria factível que dentro do Estado de Natureza surgissem associações
não-estatais de ajuda mútua, e que dentro de algum tempo uma delas se encontrasse em uma posição dominante, por meio das leis do mercado. A esta situação o autor dá o nome de Estado Ultramínimo, instância que se diferencia do Estado Policial por proteger só aqueles que se associaram e pagam voluntariamente pelo serviço. Quando uma agência de proteção alcança uma posição dominante (Estado ultramínimo), é lógico que impeça os independentes de fazer justiça por sua própria mão; então, é imaginável que a agência proíba os independentes de atuar, oferecendo-lhes como compensação amparo gratuito, estamos agora num Estado mínimo. Assim, a transição do Estado ultramínimo para o Estado mínimo ocorre 'moralmente' (Nozick, 1991: 62) e 'sem violar os direitos de ninguém', pois o monopólio da força surge por um processo de mão invisível, de mercado, e 'através de meios moralmente permitidos" (Nozick, 1991: 117-118)."

http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/a14n5556.pdf

Fiz esta citação porque acho que você se interessaria pela obra citada de Nozick.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Isso porque voce esta lendo errado os meus argumentos.

Eu nunca defendi que a introducao de uma burocracia visava alcancar algum tipo de eficiencia. Eu sequer consigo imaginar como uma frase dessas poderia ter algum sentido.


E eu fico coçando a cabeça me perguntando onde eu disse que você falou isso. Vou mostrar minha auto-citação para que fique claro:

“Se você não consegue responder a isso, cai por terra seu argumento que a introdução de qualquer burocracia estatal neutraliza (grifo que demonstra o trecho onde eu deixo entendido que você tem desprezo pelo Estado) qualquer esforço para que se tenha o melhor sistema de incentivos para produzir determinados bens com a maior eficiência possível.”

E é claro que mesmo o Estado Mínimo representa um avanço em relação ao anarco-primitivismo (que foi o primeiro sistema social a surgir na história do homem). Foi o que eu tentei demonstrar até aqui.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Apáte »

A liberdade e a esquerda
14 janeiro 2009 Thomas Sowell

A maior parte das pessoas na esquerda não se opõe à liberdade. Elas apenas são favoráveis a todo tipo de coisas que são incompatíveis com a liberdade.

Liberdade significa, no fim das contas, o direito de as pessoas fazerem coisas que nós não aprovamos. Os nazistas tinham o direito de ser nazistas sob Hitler. Somos livres apenas quando somos capazes de fazer coisas que outros não aprovam.

Um dos mais aparentemente inocentes exemplos das muitas imposições da visão da esquerda sobre os outros é a difundida exigência das escolas e universidades do “serviço comunitário”, para admissão de estudantes.

Há escolas de ensino médio em todo o país em que você não se forma, e faculdades em que você não entra, a menos que tenha se engajado em atividades arbitrariamente definidas como “serviço comunitário”.

A arrogância de se confiscar o tempo dos jovens – em vez de deixá-los (e a seus pais) livres para decidir como usar seu tempo – só não é maior que a arrogância de se impor o que é ou não é um serviço à comunidade.

Trabalhar num abrigo de sem-teto é amplamente considerado um “serviço comunitário” – como se ajudar e se acumpliciar com a vagabundagem fosse necessariamente um serviço, em vez de um desserviço, à comunidade.

Estará a comunidade mais bem servida com mais desempregados vagando pelas ruas, agressivamente mendigando pelas calçadas, urinando nos muros, deixando agulhas e seringas nos parques onde as crianças brincam?

Este é apenas um dos muitos modos em que a distribuição dos vários tipos de benefícios a pessoas que não trabalham rompe a conexão entre produtividade e recompensa.

Mas essa conexão permanece tão inquebrável como sempre esteve para a sociedade como um todo. Você pode fazer de qualquer coisa um “direito” para indivíduos ou grupos, mas nada é um direito para a sociedade como um todo, nem mesmo comida ou abrigo, que têm de ser produzidos pelo trabalho de alguém ou eles não existirão.

Para alguns, o que “direitos” significam é forçar outras pessoas a trabalharem para o benefício deles. Como uma frase de pára-choque de caminhão diz: “Trabalhe duro. Milhões de pessoas on welfare [vivendo dos programas sociais do governo] estão dependendo de você.”

O mais fundamental dos problemas, contudo, não é que atividades particulares são exigidas dos estudantes sob o título “serviços comunitários”.

A pergunta fundamental é: O que, afinal, qualifica professores e membros das comissões de admissão das faculdades a definir o que é bom para a sociedade como um todo, ou mesmo para os estudantes sobre os quais são impostas suas noções arbitrárias?

Qual especialidade eles têm que justifica sobrepor-se à liberdade dos outros? O que suas imposições mostram, exceto que “os idiotas abundam onde os anjos temem pisar” [*]?

Que lições os estudantes aprendem disso, exceto a de submissão a um poder arbitrário?

A finalidade é, supostamente, a de que os estudantes adquiram um sentido de compaixão ou nobreza por meio do serviço aos outros. Mas isso depende de quem define compaixão. Na prática, isso significa forçar os estudantes a se submeterem à propaganda para fazê-los receptivos à visão de mundo da esquerda.

Estou certo de que aqueles favoráveis às exigências de “serviços comunitários” entenderiam o princípio por trás das objeções a esses serviços se exercícios militares fossem exigidos nas escolas de ensino médio.

De fato, muitos que promovem o “serviço comunitário” obrigatório são fortemente contrários ao treinamento militar mesmo voluntário nas escolas de ensino médio e faculdades, embora muitos outros considerem esse treinamento como uma contribuição à sociedade muito maior que alimentar pessoas que se recusam a trabalhar.

Em outras palavras, esquerdistas querem o direito de impor suas idéias do que é bom para toda a sociedade – um direito que eles veementemente negam àqueles cujas idéias do que é bom para a sociedade diferem das deles.

A essência da intolerância é recusar aos outros os direitos que você exige para si próprio. Tal intolerância é inerentemente incompatível com a liberdade, embora muitos esquerdistas fiquem chocados de serem considerados oponentes da liberdade.

[*] No original “fools rush in where angels fear to tread”. Verso de um poema de Alexander Pope, “An essay on Criticism”, de 1709.


Publicado por Townhall.com

Tradução de Antônio Emílio Angueth de Araújo




FONTE: http://www.midiasemmascara.org/?p=7471 ou http://www.midiasemmascara.org/?p=7462
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Aranha »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Perceba que nao e uma questao filosofica de valorar a vida humana.

Por mais que voce valorize sua propria vida ou a do seus filhos, voce faz consideracoes orcamentarias quando decide nao contratar um seguro de vida, ou segurancas particulares, ou colocar cameras na sua casa, ou blindar o seu carro; mesmo quando todos esses bens tem por finalidade salvaguardar um bem que voce considera mais precioso do que qualquer dinheiro.

Um alarme para furacoes entraria nessa categoria tambem, com a diferenca de que quando ele e feito por burocratas, eles podem se servir dessa hipocrisia de que "nao ha preco para vida humana" da mesma forma que um pai diria sobre a vida de seus filhos quando fala dos investimentos em seguranca infantil que ele fez na piscina dele e que voce achou caro demais para fazer na sua.

Alias, outro dia eu me deparei com um anuncio da Mutuelle (o plano de saude de adesao obrigatoria na Franca) que dizia exatamente isso "Pas de profit sur votre santé" (nada de lucrar com a sua saude). E ai eu pensei, "mas que canalhice. Eu preferia optar entre dar lucro para alguem ou nao do que ser obrigado por burocratas a comprar um troco (caro) que nao necessariamente me interessaria".

Aquilo que nao se sustenta pela via do lucro necessariamente se sustenta na via da exploracao. No dia que as pessoas se derem conta dessa verdade incrivelmente simples o socialismo estara acabado.



- Mas a eficiência máxima que se espera de uma sirene de tornado é "salvar o maior número de vidas possível" e não "obter o maior lucro possível", se mudarmos essa lógica cairíamos no absurdo como, por exemplo, empresas aboliriam a sirene e enviariam o sinal por pager ou celular para evitar que não-segurados escutassem.

Abraços,
"Grandes Poderes Trazem Grandes Responsabilidades"
Ben Parker

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Huxley escreveu:Fiz esta citação porque acho que você se interessaria pela obra citada de Nozick.


Sim, me interesso, ja algum tempo planejo comprar esse livro, da ultima vez eu ia comprar na amazon.fr mas acabei nao incluindo, e agora ja tenho coisa demais para terminar de ler, tanto de economia quanto de matematica aplicada e outras coisas.

Mas com certeza Nozick e algo que eu terei que ler cedo ou tarde.


Huxley escreveu:E eu fico coçando a cabeça me perguntando onde eu disse que você falou isso. Vou mostrar minha auto-citação para que fique claro:

“Se você não consegue responder a isso, cai por terra seu argumento que a introdução de qualquer burocracia estatal neutraliza (grifo que demonstra o trecho onde eu deixo entendido que você tem desprezo pelo Estado) qualquer esforço para que se tenha o melhor sistema de incentivos para produzir determinados bens com a maior eficiência possível.”



E preciso separar dois fenomenos:

1. A introducao ou ampliacao da burocracia regulatoria ("big government") que tem marcado alguns momentos politicos especificos dos tempos recentes (como esse exato momento).

2. A emergencia da organizacao burocratica dos Estados nacionais como entidades politicas historicas.

Para que o primeiro fenomeno ocorra, e normal a invocacao das justificativas que voce costuma dar de "optimalidade e eficiencia social".

Ja o segundo fenomeno ocorreu "sem justificativas" de qualquer ordem, nao foi por decisao deliberada de ninguem. Apenas a ordem burocratica se estabeleceu como substituta para as antigas ordens de poder que vigoravam, de forma gradual (ainda que alguns conflitos politicos tenham se produzidos em algumas dessas transicoes e que algumas pessoas favoraveis aos burocratas tenham alcunhado a si proprias de "revolucionarias", e aquelas favoraveis aos aristocratas do antigo regime de "reacionarias").


Huxley escreveu:E é claro que mesmo o Estado Mínimo representa um avanço em relação ao anarco-primitivismo (que foi o primeiro sistema social a surgir na história do homem). Foi o que eu tentei demonstrar até aqui.


De novo, que avanco?

Ainda que o primeiro Estado possa em algum sentido ser chamado de "minimo", o que e discutivel, ele surgiu da autoridade completa e total da forca.

Nao existiam estruturas institucionais que limitavam o poder dos poderosos, eles podiam tudo enquanto fossem os mais fortes.

O Estado minimo do qual falam os liberais nao e um Estado pequeno no sentido absoluto do termo, mas no seu direito de invadir a individualidade das pessoas e de submete-las a constrangimentos. Nao havia qualquer reconhecimento institucional dos direitos basicos do individuo no tal Estado natural do anarco-primitivismo onde vigorava a guerra de todos contra todos, e as primeiras estruturas estatais representaram um pequeno avanco natural nesse sentido.

O anarquismo liberal seria o estado das coisas no qual as instituicoes reconhecidas e transmitidas culturalmente por todos seriam completamente liberais e individualistas. Seriam uma forma avancada daquilo que hoje entendemos hoje por dignidade e amor proprio, vergonha na cara, diligencia, respeito aos demais, empreendedorismo e etc, que sao os componentes basicos da etica capitalista. Elas estao presentes mesmo em pessoas que as vezes nao entendem nem como o capitalismo funcionam, e por isso sao receosas ou hostis a ele (ainda que de forma meramente simbolica e nominativa, ja que costumam desempenhar seu papel na sociedade capitalista e nao necessariamente se engajam em atividades subversivas).

Do meu ponto de vista, a crenca no valor absoluto da liberdade nao esta sujeita a qualquer tipo de ressalva ou restricao que impeca que estas instituicoes venham a emergir.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem

Trancado