Huxley escreveu:Se a provisão estatal de bens públicos e bens não-rivais é uma forma de coletivismo, então Hayek também é coletivista.
Meu interesse nunca foi apresentar o ponto de vista particular de Hayek ou defender alguma tese sobre suas crencas.
A teoria que eu chamo de Hayekiana e aquela que identifica a ordem catalatica espontanea que emerge nas sociedade humanas, criando suas leis, costumes e mecanismos que permitem ao ser humano alcance coisas inimaginaveis, sem que haja necessidade de um desenho deliberado de uma mente racional.
O hayekianismo estaria para as diversas formas de burocracismo assim como darwinismo esta para o criacionismo: ele propoe um mecanismo espontaneo para o surgimento de algo ordenado e complexo, enquanto que seu rival defende que a ordem e a complexidade dependem da intencao direta de uma inteligencia em gerar algo complexo e ordenado, tendo em vista um determinado fim.
Sua tese era basicamente essa, era a de que a ordem emerge da racionalidade nao intencional de agentes que procuram apenas por meios de melhorar suas proprias vidas, e no interim descobrem que a forma mais eficaz de se conseguir isso e permitindo a exploracao mutua das capacidades de todos os demais no mercado. Que assim como a cultura, a "economia nacional", "social", ou "global" (termos que ele abominava) apesar de apresentar um funcionamento complexo, nao possui nenhum proposito especifico que justifiquem "politicas economicas" voltadas a atender a esses inexistentes objetivos.
E uma tese essencialmente conservadora e modesta, pois lanca um olhar extremamente positivo ao conhecimento adquirido pelas vias da tradicao, contrapondo-se as teses racionalistas revolucionarias que diziam que se "voce quiser boas leis, queime as antigas e as refaca" (Voltaire).
Essa modestia e esse conservadorismo, alem do fato de Hayek pertencer a categoria de pensadores analistas, nao de visionarios ou profetas, e que talvez, eu especulo, tenham contribuido para que ele nao se apresentasse como um completo anarquista, embora suas teorias possam sustentar teses anarquistas.
O Estado e uma solucao tradicional para varios problemas sociais, as pessoas estao acostumadas a contar com a ineficiente e incerta decisao dos burocratas pelo simples fato de que muitos dos mecanismos sociais se desenvolveram ao redor dessas solucoes. Propor uma abolicao subita do Estado e incorrer num expediente essencialmente revolucionario, e esta e a ultima coisa que Hayek seria.
Nao e disso que eu falo aqui. Eu nao proponho como minha politica pessoal o fim do Estado. De certa maneira eu tenho que concordar com a provisao pelo Estado de bens publicos uma vez que essa e a forma estabelecida tradicionalmente. O que eu falo e que nao existem assuntos que sao logicamente melhor organizados por um Estado, nem que houve uma selecao racional por uma solucao burocratica.
Meu ponto de vista e o de que instituicao do Estado e derivada da decomposicao lenta de outras instituicoes de poder do passado. De uma ordem social onde acreditavamos que a unica forma de se conseguir algo era atraves da forca, evoluimos para uma sociedade basicamente estruturada em contratos livres, onde a decisao arbitraria dos governantes desempenha um papel muito menos importante do que desempenhava no passado. E eu nao vejo motivos para ja termos atingido o fim da linha nessa transicao. Sob uma analise mais minuciosa, podemos notar que os poderes instituidos nos quais hoje contamos para que certas coisas importantes sejam realizadas nao passam de uma metamorfose adaptativa dos antigos poderes instituidos que, entre outras coisas, estabeleciam a escravidao e a hierarquia da vassalagem ordens vigentes.
Eu nao acho que um regime essencialmente anarquico emergira da adocao consciente de uma maioria desgostosa do governo, mas da aquisicao nao-intencional de instituicoes cada vez mais livres, no sentido de dependerem cada vez menos da designacao de poderes arbitrarios para burocratas. Nesse sentido, eu sou um anarquista hayekiano, pois atraves do processo descrito por Hayek eu acredito que existe a possibilidade de que uma sociedade desprovida de Estado possa emergir.
Independente do fato de que hoje eu reconheca que, dadas as circunstancias culturais, as diversas estruturas estatais nao podem ser abolidas de uma so vez sem que se produza nada a nao ser caos.
O que nao quer dizer que eu nao possa contribuir, propondo novas solucoes substitutivas, baseadas em contratos voluntarios, que mais tarde venham a ser incorporadas as instituicoes vigentes, ou estimulando outros a fazerem.
E como a burocracia e temporariamente inevitavel, ha ate mesmo o que se propor aos raros mas notaveis representantes nos gabinetes oficiais do pensamento liberal. Esses em geral estao em atraso com relacao as instituicoes que eles oficializam, aplicam ao proprio Estado e transformam em leis, mas eles desempenham um papel importante mesmo assim.
Huxley escreveu:Engraçado, você começou a responder um post do Herf que tratava dos bens públicos e mais uma vez não avançou um único milímetro em responder como a mudança súbita para a provisão privada de bens públicos não implicaria em perda de bem-estar social.
Exatamente porque esse nunca foi o meu ponto.
Eu nao estou aqui dizendo que a mudanca subita para um sistema de lei privada ou de defesa privada representaria um ganho em "bem estar social", seja la o que isso quer dizer.
Nao e assim que as coisas funcionam, seria uma perda de tempo embarcar nesse tipo de empreitada futil.
Essas coisas nao foram selecionadas como bens publicos tendo em vista consideracoes especificas sobre a geracao optimal dessa coisa que voce e outros economistas chamam de "bem estar social". Essas instituicoes resultam de uma evolucao muito mais complexa.
O que eu posso fazer e descrever um mecanismo nao Estatal de provisao de Lei e justica ou de defesa e seguranca. Nao e tao dificil pensar em varias possibilidades, principalmente quando levamos em consideracao que diversas delas JA estao sendo implementadas em niveis variados.
Dai nao seguira que e "aconselhavel" a substituicao subita da ordem estatal por esses mecanismos. Essa e uma frase que sequer faz algum sentido. "Aconselhavel" para quem? De certo nao sera "aconselhavel" para os burocratas, assim como nao era "aconselhavel" para os senhores e mercadores de escravos a abolicao do trabalho compulsorio e do comercio de seres humanos.
Mas aconteceu. E nao foi de forma subita na imensa maioria dos casos.
A prevalecencia da liberdade sobre o poder arbitrario nao e algo que esta sujeito a uma decisao deliberada de alguem encarregado de escolher o que e mais "aconselhavel para todos" do ponto de vista do "bem estar geral". E uma meta-percepcao a qual todos acabam chegando, conscientemente ou nao, cedo ou tarde no curso de suas interacoes sociais, e que em virtude disso e assimilada a cultura que e transmitida para as novas geracoes, ate se transformar em senso comum.
Hoje, e senso comum o carater abjeto da escravidao. Amanha, talvez, seja a vez da burocracia.
Eu nao posso dar certeza disso, pois e impossivel prever com exatidao o transcorrer de eventos sociais complexos. Mas dada a minha atual conviccao na Liberdade Individual como valor maximo e absoluto e que consagra a racionalidade humana, eu presumo que ela prevalecera cedo ou tarde sobre a tirania do status quo.
Huxley escreveu:Se você não consegue responder a isso, cai por terra seu argumento que a introdução de qualquer burocracia estatal neutraliza qualquer esforço para que se tenha o melhor sistema de incentivos para produzir determinados bens com a maior eficiência possível.
Isso porque voce esta lendo errado os meus argumentos.
Eu nunca defendi que a introducao de uma burocracia visava alcancar algum tipo de eficiencia. Eu sequer consigo imaginar como uma frase dessas poderia ter algum sentido. Isso e a religiao dos seus idolos economistas.
A burocracia e o escolio de outras estruturas de poder e dominacao que ja existiram. Suas incumbencias atuais nao sao resultado de ponderacoes diretas sobre a eficiencia dos burocratas em fazer nada.
Pelo contrario, sao o que sobrou de poder depois da adocao espontanea de solucoes liberais que se cristalizaram como a ordem capitalista dentro da qual vivemos.
E claro que essas reminiscencias permitiram certas idas e vindas, e em muitos lugares ate a nacionalizacao de grande parte da economia, sob esses pretextos falaciosos que voce admite de optimalidade social. Hoje vivemos uma dessas epocas, onde muita gente se volta ao miticismo estatolatra como se ele pudesse prover alguma solucao paupavel para a atual crise financeira e economica, e como se ele nao fosse seu principal causador. Ja escolheram inclusive o messias do nosso tempo, Barack Obama. Em outras epocas e lugares, escolheram outros messias (Lenin, Roosevelt, Hitler, Guevara, Lula ja foram ou ainda sao a encarnacao da esperanca messiancia das massas ...). E nos passamos por cima de seus legados, sem deles nada aproveitar.
Isso e apenas uma demonstracao de que ainda existe um longo caminho a percorrer. Que ainda somos primitivos e misticos. Que ainda estamos fortemente vinculados a uma cultura de dependencia.
Mas isso nao me faz perder minha fe na razao humana e nos meritos da Liberdade. Nem teria como.
Huxley escreveu:Nenhum dos exemplos que você pôs representa o caso de um bem público. Comida é um bem privado puro. E caso não saiba, uma estrada congestionada que cobra pedágio também representa um caso de bem privado puro, já que ele é um bem rival e excluível (diferentemente de uma estrada não-congestionada, que é um bem público puro). No caso do bem privado puro, há um mecanismo de recompensa/compensação e este se traduz pelo comportamento dinâmico dos preços. No caso de bens públicos, isto não existe.
Voce pode perceber que sua definicao do que configura um bem publico e meramente convencional. E as convencoes mudam. Ja mudaram e continuarao mudando.