Acauan escreveu:Ei Cabeça,
Como você vê a questão da segurança nacional neste contexto?
Forças armadas privadas?
Nobre guerreiro,
Pois e, a "geoestrategia" e talvez o problema mais espinhoso.
Existem solucoes possiveis, culturais e de mercado, que podem inclusive coexistir e mesmo cooperar. Algumas sao inspiradas em solucoes historicas, outras extendem alguns principios basicos ja aplicados em outras questoes similares:
- Uma milicia voluntaria tradicional: Os homens sao treinados para o combate (intensivamente durante um periodo, recebendo periodicas atualizacoes e promocoes na hierarquia militar), conservam seus fuzis com municao em casa para defender suas propriedades e se unir para compor a defesa da comunidade. Receber esse tipo de treinamento faz parte dos ritos tradicionais quase que mandatorios da comunidade (nao ser um miliciano conferiria um status de paria social a todos os adultos saudaveis que rejeitassem a tradicao).
Essa solucao foi adotada durante praticamente toda a Historia por diversos grupos sociais distintos. Foi a base do exercito revolucionario americano, que derrotou a maior potencia militar da epoca. E tambem tradicionalmente adotada na Suica.
- Tropas mercenarias com equipamentos militares pesados. Podem ser contratadas por grande empresarios para proteger propriedades e comboios, ou por condominios e podem atuar em cooperacao com milicianos locais (como articuladores ou fornecendo suprimentos para uma resistencia armada mais eficiente).
Essa solucao parece especialmente apropriada para o controle do espaco aereo sobre areas industriais (alvos preferenciais de ataques) e para a seguranca naval de cidades portuairas, plataformas de petroleo e escolta de navios mercantes.
- Condominios de defesa: Se uma regiao possuir particularidades tais que uma milicia tradicional voluntaria nao seja suficiente para assegurar sua supremacia, podem se desenvolver condominios de defesa, ou seja, um vinculo contratual entre as propriedades estabelecendo os criterios nos quais serao financiados os servicos de defesa daquela localidade, como de maneira similar a os demais tipos de "monopolios naturais".
Condominios nao sao Estados, pois eles se estabelecem atraves de vinculos legais voluntarios especificos de propriedade (como numa sociedade ou clube) [ver a mensagem acima para o Apate]. Condominios sao mecanismos eficientes para lidar com questoes de externalidades locais (pense nos regulamentos de ruido num edificio residencial) e monopolios naturais (pense nos elevadores e demais instalacoes coletivas) em situacoes de alta densidade populacional. Em principio, nao ha limite para o tamanho de um condominio, mas o mais natural, num regime de competicao de mercado, e que eles adquiram exatamente o tamanho optimal para o servico que eles desempenham.
- Empresas de seguro: existem razoes para se acreditar que numa sociedade de livre mercado floreca uma legislacao de restituicao de perdas e danos que permita toda uma enorme framework de seguros, para todos os tipos de situacao. A principal delas e que esse fenomeno ja e observado hoje em sociedades de maior intensidade capitalista. O funcionamento dessas empresas seria o usual: elas absorveriam danos sofridos ou causados por seus clientes (cobrando deles por esse servico, claro). Essas empresas de seguro entao teriam interesse de reduzir a probabilidade de danos de grande escala, como aqueles que ocorrem durante um conflito armado. Ela poderia entao fazer contratos com tropas mercenarias que se ocupariam de dissuadir eventuais ataques e insurgencias, assim como vigiar continuamente certas regioes de risco e propriedades estrategicas, como pontes, estacoes de trem, usinas eletricas, e etc.
Nao e dificil perceber que nenhuma dessas solucoes e auto-excludente (ainda que, naturalmente, possam competir comercialmente entre si). Eu acho que as milicias voluntarias dariam conta de certas areas rurais e cidades pequenas, como fazem os corpos de bombeiro voluntarios em diversos paises. As tropas mercenarias poderiam ser contratadas para proteger determinadas propriedades que figurariam como alvos preferenciais, assim como garantir a inviolabilidade das regioes ao redor, impedindo sitios. Nessas circunstancias, elas poderiam cooperar com milicianos em volta. Condominios de defesa me parecem adequados para cidades relativamente grandes e densamente povoadas, nas quais uma mobilizacao miliciana seria bastante complicada, assim como os limites entre as diferentes propriedades seriam bastante tenues. Empresas de seguro negociariam entre si a contratacao de dispositivos e contingentes de defesa para areas com muitos clientes (e muitos danos potenciais). A negociacao entre grandes coroporacoes de seguro e com certeza muito mais viavel do que entre os milhoes de individuos interessados.
Mas e preciso observar que a maior preocupacao com defesa existe apenas no cenario onde uma comunidade anarquica coexiste com Estados-nacoes hostis. Eu tenho duvidas se este cenario seria realista. Eu vejo uma sociedade sem Estado como um desenvolvimento coerente de uma sociedade de contratos calcada na etica capitalista. Aparentemente, as nacoes capitalistas ja deixaram de se hostilizar ha um bom tempo. Uma famosa teoria de prevencao de conflitos diz que dois paises com filiais do Mc Donald's nao entram em guerras entre si. Talvez essa teoria seja exageradamente otimista, ja que o Mc Donald's entrou penetrando em alguns paises bem instaveis geo-politicamente, mas ela guarda alguma sensatez assim mesmo.
Eu acredito que no momento em que a etica capitalista estiver suficientemente clara para uma determinada sociedade, cristalizada nas suas instituicoes e tradicoes de maneira tao profunda a ponto de prescindir qualquer mecanismo estatal, imagino que as questoes geo-estrategicas importantes ja estariam praticamente superadas, e todas essas solucoes que eu te apresentei sejam apenas lembradas como pitorescos exercicios de ficcao historica.