Para o Encosto Tchutchuco da Silva

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Anna
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Anna »

Darkside escreveu:
Anna escreveu:
Darkside escreveu:Já eu tenho certeza que não morarei aqui por muito tempo. :emoticon1:

Não chega a ser aquele brasileirismo que leva milhões de nossos conterrâneos a invadirem países mais civilizados ( :emoticon12: ), mas me considero um cidadão do mundo antes de ser gaúcho ou brasileiro, e isso com certeza ainda me levará para longe dessas querências...


Eu te entendo perfeitamente pq sempre fui assim, não me sinto de um lugar, sinto o mundo como meu espaço. Mas há lugares e culturas as quais nos adaptamos melhor do que outras. No seu caso, como no meu, o melhor que faz é deixar a vida te levar. Morar em muitos lugares diferentes nos faz crescer bastante e olhar a multiplicidade de tradições e comportamentos com mais compreensão.


Tu consegue muitas oportunidades de conhecer lugares novos na tua área Anna?

Quando eu era menor queria ser biólogo... curtia pra caramba observar e estudar a natureza, passava horas lendo vários livros de ciências diferentes quando tava no primeiro grau... mas com o passar do tempo, minha família conseguiu me convencer a buscar outra área, porque achavam que essa não rendia bem.



Sim. Muito mais do que meus colegas executivos, por exemplo. Vai depender um pouco da área, na zoologia, ecologia e paleontologia além das consequentes interações com as instituições estrangeiras, há a parte de campo que te leva a muitos lugares distintos.

Render bem vai depender de quanto tempo vc vai estar disposto a esperar até passar a receber salários "bons" (coloco entre aspas pq bom não quer dizer que é justo com a sua titulação e qualificação, um doutor tinha que começar a carreira ganhando R$ 10.000,00 no mínimo! mas essa qauntia inicial ocorre apenas pra algumas vagas). Até o doutorado o máximo que vc vai receber R$1. 800,00, no mestrado é menos que isso. Então a maioria não aguenta e desiste mesmo. Eu acho do fundo do meu coração que é a coisa mais acertada a fazer, mesmo que a carreira não dê certo, o seu título te garante que nunca mais na sua vida você vai ganhar pouco. Essas noções eu só tive quando defendi meu doutorado. É um marco mesmo em nossas vidas, a partir dali vc atravessou o grande gargalo. :emoticon16:
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Apo
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Apo »

Credo, se matar estudando nesta área só por amor mesmo... :emoticon8:

Estudar e trabalhar é bom, mas assim fica difícil...
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Anna
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Anna »

Apo escreveu:Credo, se matar estudando nesta área só por amor mesmo... :emoticon8:

Estudar e trabalhar é bom, mas assim fica difícil...


É uma questão de personalidade e mente mesmo Apo. Pra nós não é se matar, pra nós é diversão. Eu tenho sede de saber e tenho ambição intelectual muita alta, aliás sou muito ambiciosa e audaciosa intelecual, portanto SABER me diverte MUITO, enfrentar desafios me estimula e diverte, e assim foi a minha vida. Por isso a maioria de nós é workahoolic. Então não é dever ou obrigação, tirando a parte da burocra quando a gente vira doutor, é muita felicidade, diversão, satisfação, muitas viagens, cultura, é como ampliar a sua época de faculdade por mais 10 anos. Mas óbviamente tem um preço que em geral apenas os de famílias mais abastadas podem sustentar. Por isso acaba sendo uma profissão mais ocupada pela elite do que pela massa crítica, e por isso há tanta desistência.

Eu não estudei 10 anos recebendo uma bolsa de estudante baixa por amor, mas por mim mesma. Eu estudei por que eu gostava, trabalhar em outras coisas me deixava deprimida e infeliz, presa em rotinas entediantes e estáticas, um mundinho repetitivo, convivência com pessoas ridículas e de mente pequena, conversas bestas, chefes incompetentes e burros, salários iniciais não tanto mais alto que as bolsas iniciais, e quem estacionariam logo, enquanto o salário de um doutor é muito mais alto, pouca estabilidade e em empregos que não me davam a mobilidade e a interação com o mundo que eu tive e tenho na carreira acadêmica. Era assim que eu me sentia, e é assim pra maioria das pessoas. Dai pensei que preferia salvaguardar ganhar bem dali a Dez anos e continuar a vida inteira ganhando bem pra fazer o que me dava felicidade e era MUITO divertido. Pra mim valeu muito à pena e hoje não tenho do que reclamar em nenhum quesito, nem financeiro ou profissional. E tive uma vida que poucos experimentam.
Cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um.

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Apo
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Apo »

Entendi tudo. É como se algumas coisas valessem muito mais que pagamento em dinheiro.
Mas mesmo assim, algumas outras demandas precisam ser providas. Filhos por exemplo, com suas necessidades todas ( que muitas vezes não serão as mesmas nossas...), precisam de fundos para que se consiga mantê-los dignamente. Se as escolas públicas fossem boas, se a formação da personalidade não passasse por algumas provas de auto-estima ligadas a coisas que a turma tem, se o futuro não fosse uma caixa de surpresas num país onde planos precisam ter larga margem de segurança...Mas acontece que estamos sempre com o traseiro na janela. E as crianças, por mais que se queira desviar da multidão, têm algumas vontades comuns à maioria.

Quando eu disse "amor" era isto mesmo que você descreveu ao que me referia. Mas que dinheiro é bom e razoável como pagamento, é.

Tirando isto, é muito questão de estilo de vida. A vida urbana por si só requer dinheiro. Ou vira tudo um caos sem fim.
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Darkside
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Darkside »

Que bom ler isso Anna, quem se dedica a algo tão importante deveria ganhar bem mesmo. :emoticon1:

Apesar de ter ido pra outra área, que eu curto muito e tem tudo a ver comigo, vou sempre ter interesse pela natureza. Acho que é algo que não se perde. :emoticon13:
"Temos uma coisa muito mais extraordinária: não só se consegue que uma mesa se mova magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde."

Alan Kardec, Obras Póstumas Pág. 237

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Anna
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Anna »

Apo escreveu:Entendi tudo. É como se algumas coisas valessem muito mais que pagamento em dinheiro.


Na verdade não. Porque até o doutorado o cara nada mais é do que estudante, ele não é um profissional prestando um serviço, ele é um aluno. A lógica é que alunos não podem exigir salários que ganham profissionais. O governo paga bolsa módicas para os alunos porque se aumentar esse valor consequentemente terá que aumentar o salário do doutor. Só isso já demonstra que a carreira acadêmica é mesmo uma carreira de elite, não é pra qualquer criatura na terra. Infelizmente, alguns gênios jamais estarão ocupando as cadeiras que deveriam estar, e nas quais eles são necessáros, e alguns menos aptos carregarão esses títulos e as ocuparão, apenas porque eram mais abastados e por isso conseguiram seguir nesse funil.

A pessoa que está com a cabeça voltada para o estômago, o pão na mesa do dia seguinte, ou pagar aluguel e sobreviver na selva de pedra dificilmente vai conseguir desenvolver uma tese de mestrado ou doutorado. Ou conseguir as notas nas muitas disciplinas punks que a maioria dos cursos de excelência no Brasil exigem. Tem que ter dedicação exclusiva, temos aula das 8 até 7 da noite, não há finais de semana, e é normal não comer ou dormir, há muitos períodos de confinamento e reclusão, quem prefere o escritório ou lab frequentemente dorme nesses recintos. Temos em nossos labs (alguns) sofás, camas que podem ser armadas para descanso e pernoite. Moramos nos institutos, temos insights estranhos, o corpo vira de cabeça pra baixo. Somos submetidos a testes de resistência emocional e física, e uma grande concentração mental. O mundo do lado de fora congela e só existe aquelas questões e os problemas cabeludos que aparecem pra serem resolvidos no meio do caminho, e é você quem tem que descobrir a forma de resolvê-los, mais ninguém. Não é uma vida muito nos moldes normais durante 8-10 anos. Dá pra imaginar uma pessoa com dificuldades financeiras atravessando essa via crucis? Difícil né?



Mas mesmo assim, algumas outras demandas precisam ser providas.


Outra grande realidade que afunila o gargalo nessa carreira. Se a pessoa não tiver quem a ajude a prover essas demandas, ela não tem condições de seguir nessa carreira. Os que conseguem são outliers extremados. Eu já sou um tremendo outlier. A maioria de meus colegas receberam, e os que ainda são estudantes recebem, além da bolsa complemento financeiro dos pais.


Filhos por exemplo, com suas necessidades todas ( que muitas vezes não serão as mesmas nossas...), precisam de fundos para que se consiga mantê-los dignamente. Se as escolas públicas fossem boas, se a formação da personalidade não passasse por algumas provas de auto-estima ligadas a coisas que a turma tem, se o futuro não fosse uma caixa de surpresas num país onde planos precisam ter larga margem de segurança...Mas acontece que estamos sempre com o traseiro na janela. E as crianças, por mais que se queira desviar da multidão, têm algumas vontades comuns à maioria.


Bem, filhos, em geral, não fazem parte do nosso universo até que o mestrado e doutorado esteja concluído. A maioria dos nós casa e tem filhos depois de terem terminado os estudos, e já estarem com vidas mais normais e mais estabilizados financeiramente. Até pq já é uma ginástica levar o casamento com um mestrado e doutorado nas costas, que dirá um casamento com filhos. Um mestardo e um doutorado já são casamentos exigentes, que sugam as atenções da criatura. Imagine-se no meio dessa loucura, a qual eu superficialmente descrevi, com uma criança? Acha que o aspirante vai conseguir? Provavelmente não. Uma das duas coisas vai ficar prejudicada nesse meio de campo, ou a tese ou a criança. O pai e a mãe, com toda a certeza do mundo, já estrão lascados pois levar um curso de mestrado ou doutorado com filho, é simplesmente suicídio. tenho duas colegas que o fizeram e uma desistiu da carreira, e não seguiu pro doutorado.

Quando eu disse "amor" era isto mesmo que você descreveu ao que me referia. Mas que dinheiro é bom e razoável como pagamento, é.


Claro! Eu valorizo muito o meu, tanto que recebi 3 convites de trabalho no fim do ano passado e início desse, e me dei ao luxo de negar um pq não julgava um valor adequado para um doutor produtivo. Não que o valor fosse pouco, mas era pouco pro nível da minha titulação. A verdade é que não é qualquer um que é capaz de executar certas funções, e nesse meio não é qualquer um que é doutor, o leque de opções de quem oferece a vaga não é tão farto quanto pra vagas ofertadas para menores titulações. É uma coisa simples, que uma família na qual isso é praxis sabe. O título muda nossas vidas, é fato. O futuro dos seus está grantido se são altamente qualificados, terão vidas mais confortáveis e conseguirão garantir seus bens se forem batalhadores. Mas essa opção é vetada e complexa pra famílias com vida financeira apertada, manter um filho como estudante por mais 10 anos após a faculdade? Quem pode se dar a esse luxo? Pouquíssimos. Quem está preocupado com o rendimento do filho a curto prazo são, em geral, obviamente, famílias com menos recursos.

Tirando isto, é muito questão de estilo de vida. A vida urbana por si só requer dinheiro. Ou vira tudo um caos sem fim.


Sim, por isso uma porção ínfima de pobres são doutores nesse país. Realidade total.
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Anna
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Anna »

Darkside escreveu:Que bom ler isso Anna, quem se dedica a algo tão importante deveria ganhar bem mesmo. :emoticon1:

É o que te disse, pro nível e qualificação do cara, e pro tanto de trabalho mental, não ganha bem não. Ganha pouco! Tinha ganhar muito mais. Mas esquecendo isso, que é um problema geral em nosso país, não apenas da minha classe, comparando o rendimento com os outros gerais ganha suficiente pra uma vida digna e confortável, obviamente se não se encher de filhos. O salário base de um professor doutor de universidade federal do ultimo edital que vi era R$ 6.700,00 (e us quebrados), mas esse é o salário base sem todos os adicionais que entram na folha de pagamento (bolsa de produtividade, insalubridade pra aqueles que trabalham com produtos químicos, anuência, GDE, livre docência, se o cara desejar, etc, etc, etc) o salário sofre aumentos consideráveis. Nos Institutos maiores o teto é maior, um pesquisador titular ganha em torno de R$11.000,00. Já uma vaga para biólogo doutor, no IN-metro, ofereceu em 2008 o salário incicial, sem os adicionais, nesse valor, no decorrer da carreira o salário chegaria a R$ 15.000,00, sem os adicionais. Entonces, há várias opções e salários distintos pros doutores, porém nenhum ganha salário de fome, não é isso. A nossa reclamação é que esses salários são poucos pras demandas que temos, pra dedicação, e não pagam o valor justo de nossos títulos. A coisa pode mudar se o doutor for contratado por uma empresa grande, dai esses valores salariais chegam a duplicar ou triplicar. Mas em geral a gente gosta mesmo é de ficar a academia.

Apesar de ter ido pra outra área, que eu curto muito e tem tudo a ver comigo, vou sempre ter interesse pela natureza. Acho que é algo que não se perde. :emoticon13:

Não, não perde. :emoticon16:
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Darkside
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Darkside »

Me pareceu bastante em comparação com o que eu achava que a área proporcionava de salário. Pra você ver o quanto a propaganda foi violenta pra eu não me tornar um biólogo... :emoticon36:
"Temos uma coisa muito mais extraordinária: não só se consegue que uma mesa se mova magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde."

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Anna
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Re: Para o Encosto Tchutchuco da Silva

Mensagem por Anna »

Darkside escreveu:Me pareceu bastante em comparação com o que eu achava que a área proporcionava de salário. Pra você ver o quanto a propaganda foi violenta pra eu não me tornar um biólogo... :emoticon36:


Ninguém sabe bem, a maioria repete que vc vai passar fome e ser um assalariado porque ouviu em algum canto. Ou toma pela maioria dos biólogos que não foram bem sucedidos e que acabaram trabalhando fora de suas áreas, ou foram forçados (sem vocação) a trabalharem no ensino de primeiro ou segundo grau, onde o imenso desgaste emocional é quase insuportável para os baixos valores salariais.
Cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um.

Trancado