20/05/2009 - 12h46
da Folha Online
Milhares de crianças sofreram abusos sexuais sistemáticos em orfanatos, escolas e reformatórios dirigidos pela Igreja Católica na Irlanda, revela uma investigação de nove anos divulgada nesta quarta-feira em Dublin. A investigação afirma que os abusos sexuais em instituições católicas para crianças irlandesas foram "endêmicos" entre 1930 e 1990.
A Igreja Católica tentou repetidamente impedir a publicação do relatório elaborado por uma comissão independente irlandesa de inquérito sobre abuso infantil. A comissão ouviu os depoimentos de milhares de pessoas, atualmente com idades entre 50 e 70 anos, que estudaram em mais de 250 instituições dirigidas pela igreja.
O relatório final de 2.600 páginas foi divulgado pelo juiz da Alta Corte Sean Ryan. Segundo o texto, mais de 30 mil crianças consideradas criminosas ou vindas de famílias não funcionais --o que inclui mães solteiras-- foram enviadas para a rede de escolas, reformatórios, orfanatos e abrigos da década de 1930 até os anos 1990, quando a última destas instituições foi fechada.
O relatório afirma que as crianças eram molestadas e abusadas de maneira endêmica nas escolas para garotos, dirigidas pela ordem dos Irmãos Cristãos, e que os supervisores aplicavam regras que aumentavam o risco deste tipo de crime. As instituições para garotas, chefiadas pelas Irmãs da Misericórdia, registraram menos casos de abusos sexuais, mas foram frequentes os casos de humilhação para que se sentissem sem valor.
"Em algumas escolas, um ritual de espancamento das garotas era rotineiro. As garotas apanhavam com equipamentos desenhados para maximizar a dor e eram atingidas em todas as partes do corpo", diz o relatório. "Denegrir a pessoa e a família era um hábito amplamente difundido."
Verdade
As vítimas deste sistema pediram por anos que suas experiências fossem reveladas, documentadas para que as crianças irlandesas não sofressem mais com tal tratamento. As autoridades religiosas rejeitaram contudo as alegações como exageros e mentiras e testemunharam à comissão dizendo que a responsabilidade pelos abusos é de pessoas falecidas há anos.
O relatório propõem 21 formas do governo reconhecer os erros do passado, incluindo a construção de um memorial permanente, fornecer aconselhamento e educação às vítimas e melhorar o atual serviço de proteção às crianças da Irlanda.
Mas as descobertas do relatório não serão usadas para processos criminais --em parte porque os Irmãos Cristãos conseguiram processar a comissão em 2004 para que mantivesse a identidade de seus membros em sigilo.
Assim, nenhum nome real, seja de vítimas ou de perpetradores dos abusos, aparece no documento.
O governo irlandês já criou um sistema de compensação no qual pagou a 12 mil vítimas de abuso uma média de US$ 90 mil. Cerca de 2.000 reclamações continuam em aberto.
As vítimas apenas recebem o pagamento se abrirem mão do direito de processar a igreja e o Estado. Centenas rejeitaram esta condição e levaram seus carrascos e os funcionários da igreja à corte.
O relatório divulgado nesta quarta-feira afirma ainda que as crianças que sofriam os abusos não tinham como relatar o fato de maneira segura às autoridades, principalmente os abusos sexuais de funcionários da igreja e outros colegas de instituições para garotos.
"O gerente não ouvia ou acreditava nas crianças quando reclamavam das atividades de alguns dos homens que tinham responsabilidade sobre sua criação", diz o texto da comissão. "Na melhor das hipóteses, os acusados eram trocados, mas nada era feito para compensar o mal às crianças. Na pior, a criança era acusada e vista como corrompida pela atividade sexual --o que garantia punição severa."
fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u568788.shtml