Agora, à luz da verdade histórica, eis aqui um bom artigo jurídico, de Direito Constitucional, que pode servir como um ponto nos "I"s em termos de Racismo Religioso, mas aquele aplicado pelos que se dizem pautar pelos princípios virtuosos de Jesus. Então vejamos:
Racismo ReligiosoA adoção da escravidão negra e a chegada dos jesuítas ao Brasil, não por acaso, são contemporâneas. A Companhia de Jesus adotou a escravidão negra como alternativa à dos índios, cuja escravização inviabilizava a catequese, ao contrário dos negros. Amparados em bula papal que permitia escravizar negros pagãos, em troca da salvação de suas almas (pelo batismo e cristianização) os jesuítas protagonizaram cenas surrealistas de batismos grupais, à revelia dos batizados que, por economia burocrático-religiosa, recebiam, por lotes, o mesmo nome; o do santo do dia ou, por retaliação (picuinha religiosa), o de santos fundadores de ordens religiosas rivais (Benedito, Francisco ou Domingos) que com eles disputavam poder em Roma. Uma vez batizados, o problema seguinte era fazer o escravo deixar a crença negra (inferior) e adotar a crença branca, cristã (superior). Para isso os jesuítas se valeram do sincretismo religioso e da catequese músico-teatral (autos e congo), de forma similar à catequese indígena.
Vivera, na Itália, um pobre homem, filho de pai mouro (africano) com uma jovem italiana, que por ser mulato e provável filho de mãe solteira, cresceu estigmatizado, humilhado e desprezado. Sem maiores perspectivas na vida, o máximo que conseguiu foi entrar para um convento beneditino, de cujo patriarca (então ridicularizado) recebeu o nome. Pela sua condição, nunca passou de um mísero e insignificante irmão leigo, serviçal, subserviente, encarregado das tarefas consideradas aviltantes e inferiores pela bonomia monastérico-esclesiástica da época.
Criado na discriminação, desde a infância, este monge acostumou-se a ver e aceitar tudo com normalidade; sentia-se bem assim; era feliz; tratava com bondade e socorria, com solidariedade, pessoas atingidas por infortúnios menores. Acabou por ser considerado santo (São Benedito). Foi neste modelo de inferioridade subserviente, premiado enfim com o Céu, que os jesuítas buscaram o instrumento de dominação e catequese negra: Benedito, o protótipo do escravo ideal. Bastou maquiá-lo de Preto Velho de Angola.
Séculos depois, quando expulsos, a crença negro-africana (assim como a indígena) estava totalmente erradicada das áreas de influência jesuítica. São Benedito gozava de alto conceito e elevado status religioso; era padroeiro e modelo de salvação para os escravos, com direito (até) de carregar no colo o filho do "Senhor" do Céu, o Menino Jesus. Foi quando vieram para o Brasil, ocupar seu vácuo religioso, monges rivais, beneditinos (da mesma ordem religiosa que, lá na Itália, tanto desprezara e humilhara nosso Benedito). Logo descobriram que, aqui, o nome Benedito chegara primeiro e já tinha outros donos: os escravos.
Constrangidos e inconformados em ver o nome de "Benedictus" de Núrcia (480-547 DC), "santo reformador" de sua ordem, identificado com escravos; confundido e rebaixado como um "santo de senzala",na boca da "gentalha" segregada; constatando (a contragosto) a irreversibilidade do processo cultural arraigado; os beneditinos decidiram reciclar, para São "Bento", o nome de seu patriarca. Como nada se sabia, por estas bandas, da história da Ordem deles (Ordo Sancti Benedicti-OSB); e demais, discriminar fosse regra; o episódio passou despercebido, virou curiosidade histórica, detalhe pitoresco.
O problema ressurgiu, agora, com a eleição do atual Papa, que adotou o título honorífico, em latim, de Benedictus XVI (Benedectus XVI, em italiano).
Aqui no Brasil, porém, a CNBB, baluarte na luta contra a exclusão leiga, traduziu-o para Bento XVI, denominação adotada pela mídia e até mesmo, oficialmente, pelo Governo Brasileiro. Benedictus, etimologicamente, é um substantivo (nome próprio) originário do latim vulgar, formado pela contração do advérbio Bene (bem) com o particípio passado Dictus (=dito, falado). Bentus, também é particípio passado, porém do verbo Benzer (=benzido, abençoado, bento). Confundir "bem dito " bem falado" com "benzido, abençoado, bento", pode parecer algo de somenos importância, questão semântica. Mas à luz da História representa a reafirmação, ratificação, resgate e assunção de um procedimento discriminatório (que hoje se constitui um ato delituoso), a expressão do mais puro racismo religioso:
Afinal, assim como São Bento, Papa não pode ter nome de Preto; ainda mais em se tratando de um papa alemão, ariano, retrógrado; que foi da juventude hitleriana; ex-artilheiro da temível Flak (bateria anti-aerea nazista); ex-chefe do Santo Ofício (antiga Inquisição); que perseguiu, cassou e calou Leonardo Boff; que desfraldou na religião a bandeira nazista da anti-homossexualidade; e que exumou as cruzadas anti-islâmicas.
Por ironia este polêmico e desastrado Papa, ignorando os antecedentes históricos (é obvio), escolheu logo o nome de um "santo preto" para titulo honorífico. Bento XVI, na mais erudita tradução dos Jesuítas do Século XVI, é de fato e direito Benedito XVI, para constrangimento da CNBB. Quem duvidar, consulte a Enciclopédia Britânica. Além da "peça" do destino, do tiro pela culatra, fica ainda uma dúvida: será Deus escrevendo por linhas tortas ou, como reza a lenda, um castigo de São Benedito aos orgulhosos?
A questão que se coloca aqui é o silêncio conivente de entidades jurídicas de direitos humanos, ante uma prática delituosa ratificada diuturnamente em nossa mídia e pelo Governo Brasileiro. Em maio, quem virá ao Brasil: Benedito XVI (como é chamado em todo mundo) ou Bento XVI (seu título discriminatório racial no Brasil)? Nossos valores constitucionais vigirão, ou "dormirão" como numa Esparta derrotada ?
Geraldo Fernandes Pignaton | Médico e Bacharel em Direito / Vila Velha- ES
24/10/2006 17:58
http://forum.jus.uol.com.br/8727/racismo-religioso/