Ayyavazhi escreveu:Fernando e Apo,
Vocês ignoraram meu comentário de que toda minha geração, muitos irmãos e muitos primos, foi criada nesses moldes antigos, em que os pais contavam aos filhos histórias fabulosas de seres e coisas que não existem. E, como narrei, ninguém sofreu nenhum trauma ao descobrir a verdade, não houve nenhuma desilusão massacrante ao passarmos da fantasia à realidade. E, muito menos, vimos nossos pais como desonestos ou coisa parecida.
Pelo jeito você também não leu direitinho tudo o que eu escrevi sobre tipos de fantasias.
Aliás, nunca ouvi falar de um adulto traumatizado com sua infância, pois foi regada à mentiras desnecessárias. Já vi pessoas traumatizadas por abusos infantis, espancamento, fome, ausência de amor e cuidados, etc´
Você não conhece todos os adultos e pelo jeito não entende muito da psiqué humana. Dependendo do senso de cada um, algumas mentiras tidas até como necessárias podem ser questionadas e não engolidas simplesmente.
Quanto aos traumas por abusos, considero a mentira um abuso moral e intelectual.
Acredito que quase 100% das civilizações (pelo menos as atuais) possuem uma complexa estrutura em funcionamento, para criar e manter o universo infantil como ele é, como nós, quero dizer, como EU o vejo. A Disneylândia recebe visitantes de 0 a 170 anos, e claro que as crianças mais velhas sabem que é tudo brincadeira, fantasia. E as mais novas? Será que elas não acreditam que o Mickey realmente existe? Que o Pateta é grandão e engraçado de verdade? Devemos confrontá-las com a realidade, a fim de evitar terríveis traumas futuros?
Já disse: eu fui à Disney com 38 e minha filha tinha 6. Ambas "acreditamos" naquilo tudo da mesma forma. O que isto tem a ver com mentiras? Nada. Fantasia é uma coisa e mentira é outra.
A Sky, por exemplo, possui uns cinco ou seis canais destinados às crianças. E alguma coisa ali é verdade? Devo então proibir minha filha de ter contato com Monstros S/A (que eu já vi umas quinhentas vezes) e a Pequena Sereia, porque monstros e sereias não existem? Ah, sim, vocês estão falando de cegonha.
De novo: não sejamos hipócritas. As pessoas não inventam a cegonha para alimentar a necessária fantasia infantil. Inventam cegonha para fugir da verdade acerca da concepção sexual e todo mundo sabe disto.
A minha pergunta continua: porque uma fantasia é danosa e outra é aceitável? Acho até que, do ponto de vista da criança, é muito mais frustrante descobrir que papai noel não existe do que saber se ela nasceu de um pé de alface, repolho, cegonha ou se foi naquela noite que o pai dela chegou em casa meio animado.
Isto na sua avaliação.
Mas questione o que faz os pais inventarem sobre cegonhas, deuses, demônios e velho do saco e o que faz um pai levar o filho à Disney e veja claramente as intenções.
Papai Noel é um mito que realmente interessa à criança, é um acontecimento que ela aguarda ansiosamente, enquanto que saber sobre seu nascimento é uma curiosidade esporádica. Já que falei em desenhos animados, existem um monte deles que satirizam a figura da cegonha, sei disso porque adoro desenhos animados e os assisto com frequência. A criança entende o que está vendo, porque conhece a brincadeira e, como brincadeira que é, se esvanece naturalmente.
Pais não satirizam o desenho engraçadinho da cegonha quando contam a lorota para os filhos. Eles contam como se fosse verdade ( mas eles sabem que é mentira e talvez a criança também, porém o circo continua armado). Percebe a diferença? E pior: quando entram deuses, medos e pecados no picadeiro, a coisa parece que fica real. E não é. É tudo maluquice desnecessária. Por que precisamos criar civilizações imersas em mentira?
Nunca conheci uma criança de nove ou dez anos que acreditasse em cegonha, o que deixa claro tratar-se de uma fantasia inerente aos primeiros anos de vida.
Não é fantasia da cabeça dela e nem tem relação alguma com brinquedos. É uma mentira para fugir do enfrentamento fisiológico.
Minha filha, aos sete, já sabe que saiu de dentro da barriga da mãe, e olha que eu tento convencê-la de que a comprei em uma loja de bebês. E antes que alguém diga que minha brincadeira poderá causar trazer algum dano a ela, antecipo a resposta: uma criança tão amada quanto minha princesinha jamais terá trauma algum, não por minha causa.
O seu amor é irrefutável e sabemos disto. Mas as suas boas intenções podem não gerar os frutos que você deseja e imagina.Evidentemente que não a prateleira! Mas pais que manipulam as mentes dos filhos com coisas como pecado, deus, seres assustadores, também juram que fazem tudo por amor e que tais apelos só podem fazer bem aos seus principezinhos.
Eu nunca falei a ela sobre cegonha, mas não consigo ver mal algum nisso. Não entendo porque se justifica eleger uma fantasia como danosa, enquanto outras são aceitáveis, se todas fazem parte do mesmo pacote. O mundo da criança é um mundo de brinquedos e cores e eu acho, sinceramente, que vocês estão enxergando chifre em cabeça de cavalo, como diria minha mãe.
Não é o mesmo pacote.
Antigamente tudo o que se referia à crianças era subestimado. Podiam ser manipuladas e enganadas e tudo ficaria bem. Não se baseie nisto.