Bruna Bessi, iG São Paulo | 14/07/2010 05:50
Foto: Getty Images
Entre as bebidas, café só é menos popular que a água no País
Em 1963, a FAO, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para agricultura e alimentação, organizou uma expedição com pesquisadores de diversas partes do mundo à Etiópia que tinha entre seus objetivos a preservação do AC, uma variedade do café arábica naturalmente descafeinada e que corria risco de extinção. Os membros brasileiros da missão trouxeram sementes e mudas da variedade para estudá-la mais de perto, mas o AC apresentou baixíssima produtividade nas terras do País, o que desestimulou novas investigações. Agora, quase 50 anos depois da expedição pioneira, um pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pode enfim fazer com que o País produza café naturalmente descafeinado.
Com o novo grão se faz um café que tem o mesmo sabor e aparência dos tradicionais, mas que atende a consumidores que preferem o sem cafeína. O potencial mercantil da descoberta é pequeno no Brasil, mas grande no exterior - no mercado interno, menos de 1% do volume da bebida consumido é descafeinado. “Mas esse tipo de café corresponde a cerca de 10% do total comercializado no mundo. É um mercado muito interessante e deve ser valorizado”, afirma o pesquisador Paulo Mazzafera, da Unicamp. “Apesar de ainda não estar disponível no comércio, o novo café tem boas perspectivas econômicas”.
Mazzafera tomou contato com exemplares do café etíope recolhidos na década de 60 que estavam armazenados no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) - e, como ocorrido 40 anos antes, Mazzafera também atestou a baixa produtividade do AC. Ainda assim, o pesquisador ficou intrigado com a ideia de produzir um café que seja naturalmente descafeinado e tomou outra linha de investigação.
Para conseguir a nova espécie, Mazzafera usou a técnica de induzir uma modificação no DNA de uma planta já existente. Sementes do cafeeiro comercial Catuaí Vermelho - que, como o AC, é uma variedade do café arábica (com o qual se faz cafés de melhor qualidade; o robusta, por sua vez, outra das espécies do grão com boa aceitação comercial, é bastante usado para a produção de café solúvel) -, tiveram seus códigos genéticos alterados por dois tipos de agentes químicos e foram germinadas para dar origem a nova planta.
No estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi analisada a presença ou não de cafeína em cerca de 28 mil plantas resultantes da germinação desenvolvida. A nova espécie não apresentou o composto e pode ser uma alternativa na produção desse tipo de bebida.
Foto: Agência Estado
Em 2010, consumo de café deve crescer 5% no País, segundo a Abic
Durante os testes realizados, o pesquisador identificou que, ao contrário da planta do café comum, que possui taxa de aproximadamente 95% de autofecundação, a nova espécie possui baixa taxa - fenômeno ocasionado pela abertura precoce das flores da planta. Com isso, existe o risco de a nova espécie ser fecundada por exmplares convencionais da planta, o que, com o tempo, eliminaria o diferencial obtido com a pesquisa. Para evitar que haja a fecundação com plantas que contenham cafeína, é preciso que o novo cafeeiro seja plantado afastado de outras espécies - o que, em última instância, ainda dificulta a produção do novo café em escala comercial.
Também foram analisados os impactos da cafeína no organismo. Quando há consumo moderado, não há impactos negativos, mas existem pessoas mais sensíveis ao efeito estimulante do composto, o que faz do descafeinado a melhor opção. “O grande benefício do novo café é que ele mantém os nutrientes do tradicional e oferece uma opção aos consumidores mais sensíveis, que podem ter problemas com o sono e até taquicardia nos casos mais graves”, diz Mazzafera.
Consumo em alta
O consumo de café descafeinado pode ser pequeno no Brasil, mas a bebida continua bastante popular no País. Segundo pesquisa da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), 97% dos brasileiros com mais de 15 anos são consumidores diários de café comum. Em 2009, segundo a entidade, o consumo no País foi de 18,39 milhões de sacas, e a previsão para este ano é de um crescimento de 5% para todas as variações da bebida.
“O crescimento do consumo está vinculado à melhora da qualidade do café produzido, às pesquisas médicas mostrando os benefícios da bebida e à diferenciação nos produtos 'especiais', como capuccinos e descafeinados”, diz Nathan Herszkowicz, diretor da Abic. “Além disso, a expansão das cafeterias também aumentou a disponibilidade do produto”.