Acauan escreveu:Melchior Valentine escreveu: É curioso notar que muitos dos argumentos conservadores quanto a qualquer assunto polêmico não são embasados na realidade, nos fatos sociais observáveis, mas apenas no que, de acordo com a cabeça dessas pessoas, poderia vir a ser.
Esta afirmação é desmentida pelo próprio significado de Conservadorismo, que remete à preservação ou evolução cautelosa de valores, culturas e práticas que sempre alicerçaram a sociedade e cuja experiência histórica evidencia que evolução destes valores, culturas e práticas no tempo deve ser feita com cautela, com resultados desastrosos quando aventureiros tomam o poder e se metem a brincar de reformadores sociais baseados apenas em suas próprias fantasias ideológicas.
Eu não descaracterizo o conservadorismo com o que eu disse. Conservadorismo é sim preservação de valores. Apenas quis dizer que os argumentos conservadores estão sempre pautados no que, na cabeça deles, poderiam ser conseqüências de medidas sociais que lhes sejam desagradáveis. Estão sempre preocupados com o que pode vir a ser, e não parecem se pautar firmemente em dados objetivos sobre o que são fatos na sociedade. Em vez disso discutem-na por conjecturas. Os exemplos são muitos e fartamente disponíveis em qualquer livro, site ou grupo de discussão conservador.
Acauan escreveu:Melchior Valentine escreveu: No caso da legalização da maconha, o argumento conservador passa por uma suposta abertura para a legalização de drogas ditas "mais pesadas", e ironizam prevendo uma "Marcha do Crack" caso o uso ou porte de marijuana seja posto na legalidade.
Conservadores apresentam evidências históricas irrefutáveis de conseqüências desastrosas em sociedades que liberaram indiscriminadamente o consumo de entorpecentes, seja a China com ópio no século XIX, seja a civilizadíssima Suíça, no século XX.
Os propagandistas da liberalização de drogas não têm um único exemplo afirmativo para mostrar. O mais citado por eles, a Holanda, tem leis extremamente restritivas ao uso da maconha, liberando-a em condições extremamente controladas em termos de lugar e quantidade e mesmo assim existem pressões política fortíssimas no país para acabar até com estas liberalidades controladas.
Esse ponto eu não posso discutir bem por simples ignorância. Não sei em que contexto se deu a liberação de ópio na China. Mas fato é que, se há exemplos desastrosos, há casos em que a legalização ou liberalização (não sei usar os termos técnicos legais com precisão) está dando certo, sem os efeitos que os conservadores prevêem. Não é sensato, coerente ou intelectualmente honesto comparar ocorrências históricas distintas e supor que uma terá as mesmas implicações que a outra teve. É preciso parcimônia e estudo ao fazer tais comparações, pois do contrário toma-se o risco de transformá-la em mero argumento panfletário.
Acauan escreveu:Melchior Valentine escreveu: No caso do desarmamento civil, os conservadores dizem que haverá aumentos significativos dos índices de violência, já que "só os bandidos terão armas".
Falso.
O argumento conservador contra o desarmamento civil é o absurdo de desarmar o cidadão de bem e não o bandido. Não é uma previsão, apenas a constatação de um fato.
Não é falso e a discussão é bem mais profunda que isso. Lembro-me claramente de uma peça publicitária da época do referendo de desarmamento de 2005, em que o locutor dizia "se as armas forem postas fora da lei, apenas os fora-da-lei terão armas".
Enfim, o meu interesse aqui não é discutir questões como desarmamento ou legalização de drogas, mas apenas expor o que eu vejo como um modelo padrão de argumento conservador para assuntos polêmicos.
Acauan escreveu:Melchior Valentine escreveu: No caso do reconhecimento da união estável de homossexuais, o problema é a suposta geração de um precedente ao reconhecimento da poligamia ou outras variantes de comportamento sexual.
Também falso.
O argumento é que qualquer defesa do reconhecimento legal da união estável homossexual pode ser usada para qualquer outra prática sexual não ilegal.
Foi exatamente isso que eu quis dizer. Eu apenas disse com outras palavras o que você já falou aqui.
Acauan escreveu:Sem previsões, apenas a apresentação do fato de que a propaganda viadista adota um discurso oportunista para uma determinada prática sexual, enquanto admite como legítima a restrição a todas as demais.
Toda legalização implica em regulamentação e a poligamia pode ser regulamentada tanto quanto a união civil homossexual precisará ser nos termos de suas especificidades.
Mesmo na união heterossexual são inadmissíveis casamentos entres parentes consanguíneos ou com crianças.
É simplesmente absurdo ou desonesto ignorar estas regulamentações que existem mesmo para união tradicional de modo a projetar que uniões poligâmicas, se legalizadas não sofreriam restrições pautadas, no mínimo, pelo bom senso elementar
Um casal homossexual estável ama, mora junto, divide as contas, tem vida social e paga impostos como qualquer outro. Nada mais justo que permitir a este casal que tenha um plano de saúde como qualquer outro, uma conta corrente conjunta, dar o benefício da pensão ao parceiro em caso de morte, e outros direitos garantidos pela Constituição aos seus cidadãos, o que deve ser feito sem passar por discriminação alguma.
A diferença entre um homossexual e um heterossexual é tão-somente o sexo objeto de amor, que continua sendo humano. Logo, casamentos com repolhos ou pepinos não são possibilidade depois do reconhecimento da união gay, e eu afirmo isso com medo do que a criatividade conservadora possa conceber. Além do mais, fazer analogia entre homossexualidade e poligamia é risível. Não basta que ambas sejam formas de se relacionar para que possam ser equiparadas em termos jurídicos. É preciso que haja fidelidade para que se caracterize a união, o que pode ser alcançado por homossexuais, não por poligâmicos.
Mais informações sobre como a justiça brasileira vê a poligamia você pode obter aqui:
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/25 ... s-estaveisApós ler isso, um conservador poderia dizer que seria possível, no futuro, que também não seja mais necessária a fidelidade neste tipo de julgamento, assim como o STF entendeu que não são necessárias duas pessoas de sexos distintos para que haja união estável. E que isso tudo consiste numa deturpação dos valores nos quais a sociedade se apóia e da qual os conservadores são os defensores perpétuos. Mas continuo afirmando que, se isso fosse dito, não passaria de conjectura e experimentação mental. Isso não é argumento sólido com base em fatos sociais, e portanto não é válido numa discussão sobre sociedade. O argumento da "abertura de precedente" cai por terra. É um argumento fantasma e inválido; fantasma por não se pautar no que é fato social concreto, mas no que poderia vir a ser, e inválido porque a previsão não se concretiza. Mais uma vez: é improdutivo e capcioso discutir sociedade por conjecturas.
Em suma, da heterossexualidade para a homossexualidade o que muda é o gênero do objeto de amor. A natureza da relação, de um para um, não se altera. Da heterossexualidade para a poligamia o que muda é a própria natureza da relação, e o objeto de amor pode permanecer o mesmo. Por isso é falaciosa a comparação que você faz: confunde a estrutura da relação com o objeto de amor, e mistura as duas para argumentar. Se a confusão é acidental ou intencionalmente ludibriadora, só o conservador pode dizer.
Acauan escreveu:Melchior Valentine escreveu: A base dos argumentos conservadores, portanto, é sempre essa: uma possibilidade de futuro tal como prevista por eles em suas mentes, muitas vezes utilizando as lentes do preconceito. Ao contrário dos medos conservadores, nos países em que os direitos civis homossexuais são reconhecidos e/ou o uso da maconha é legalizado, não se observa movimentação civil por reconhecimento legal de panssexuais ou poligâmicos, nem mesmo gritos pela "Marcha da Heroína".
Não se chega a lugar algum discutindo sociedade por conjecturas.
Puro discurso de propaganda de quem não sabe – ou finge não saber – absolutamente nada sobre o pensamento conservador e cai no discurso de propaganda primário, infantil e tosco, segundo o qual os conservadores seriam movidos apenas por preconceitos mesquinhos, enquanto seus opositores defendem os mais nobres valores humanos, sem atentar que o conservadorismo foi durante milênios a âncora que garantiu que as civilizações que tiveram vida longa e progresso não naufragassem nos delírios do primeiro soberano cheio de idéias de conduzi-las a um paraíso criado pela prepotência de que tudo que foi feito antes era errado e todos que vieram antes eram estúpidos.
Responder a esse seu comentário seria apenas entrar numa discussão sobre, argh, qual é a melhor posição política: conservadorismo ou liberalismo. De refutação ao meu argumento citado não houve nada. Os países mais liberais continuam não reconhecendo casamentos poligâmicos e sem ter "Marcha da Heroína". A profecia conservadora não se concretiza.