Acauan escreveu:Como estas doutrinas criam sua própria lógica, precisam referendar suas premissas como verdades auto-evidentes e para isto precisam negar o que é verdadeiramente auto-evidente.
Em outras palavras, se a realidade desmente a doutrina, a realidade é falsa.
É sobre esta base que as lógicas doutrinárias se estabelecem, no que não se diferem muito das ideologias políticas.
Um exemplo religioso claríssimo são certas facções calvinistas radicais que pregam que o homem não tem livre arbítrio, que os não salvos serão lançados no inferno apenas porque Deus quis isto e a vontade destes homens não interfere em nada no processo e mesmo assim Deus é bom e justo e o homem é mau.
Esta doutrina tem por cerne a afirmação que tudo que venha da vontade de Deus é bom por definição, mesmo que da vontade dele venha torturar bebês recém nascidos, uma possibilidade que muitos calvinistas aceitam.
O absurdo intrínseco deste discurso é óbvio, mas estes calvinistas criam uma intrincada retórica circular na qual transformam suas conclusões em premissas e com bases nestas premissas validam a conclusão.
Ou seja, eles querem provar que tudo que Deus faz é bom, partindo da premissa que tudo que Deus faz é bom.
É simplesmente impressionante como são incapazes de enxergar a contradição neste pensamento, sendo que alguns militantes desta vertente acreditam verdadeiramente que defendem o único sistema filosófico absolutamente perfeito.
Perfeitamente. Nada a acrescentar.
Acauan escreveu:Interessante como um pouco de pensar produz convergências.
Você diz a mesma coisa que Olavo de Carvalho no texto abaixo, por sinal bastante elucidativo sobre o tema em discussão:
Olavo de Carvalho escreveu:Direita e esquerda, origem e fim
Por meio dessa distinção é possível captar a unidade entre diferentes tipos históricos de direitismo e esquerdismo cuja variedade, de outra maneira, nos desorientaria. Um adepto do capitalismo liberal clássico, portanto, podia ser um esquerdista no século XVIII, porque apostava numa utopia de liberdade econômica da qual não tinha experiência concreta num universo de mercantilismo e estatismo monárquico. Mas é um conservador no século XXI porque fala em nome da experiência adquirida de dois séculos de capitalismo moderno e já não pretende chegar a um paraíso libertário e sim apenas conservar, prudentemente intactos, os meios de ação comprovadamente capazes de fomentar a prosperidade geral.
Posso concordar com Olavo sobre a arbitrariedade dos conceitos de esquerda e de direita, mas não pretendo substituir a minha já antigacrença numa sociedade comunista sem conflitos por uma sociedade capitalista próspera.
Sou bem cético quanto ao liberalismo, puro e simples, ser capaz de aniquilar a miséria, Gavião. Inclusive tenho seríssimos problemas com essa visão do Olavo de "onde existe subdesenvolvimento, é culpa de uma esquerda marxista que fomenta um inchaço estatal".
Creio que jogar a culpa dos malefícios classistas nas costas da esquerda (mesmo quando esta não existe, como é o caso das teorias conspiratórias que o OC tece constantemente) é cerrar a nossa visão às limitações do próprio sistema.
Nisto eu estou com o Churchill: dentre os possíveis, é o melhor sistema aplicado, mas isto não significa, necessariamente, que seja bom.
Acauan escreveu:A maioria dos críticos de Friedman o lêem como uma oposição à visão marxista, o que é um erro, já que Friedman é negação e não oposição ao socialismo.
Quem comete este erro tende a ver o Liberalismo como uma ideologia oposta do marxismo, enquanto que os verdadeiros liberais sabem que o Liberalismo é apenas a constatação de que a liberdade produz resultados melhores sempre. Como operacionalizar esta liberdade é problema de quem de direito em cada sociedade, conforme seu tempo e lugar.
Ao contrário da pregação de Karl Marx, não há profetas e paraísos nos esperando no fim da sociedade liberal, há apenas nós mesmos e as conseqüências do uso de nossa liberdade.
Prefiro.
O que me fascina e me atrai em Marx não é sua personalidade temperamental, nem sua moral dúbia, muito menos o seu determinismo "científico". Eu tenho muito apreço pelas análises que o mesmo faz sobre o fetichismo social e de mercado. Gosto também do ideário materialista e da sua interpretação das "ideologias".
Um dos grandes pensadores que marcaram minha vida, mas, como todos os outros, nada que eu possa considerar na íntegra.
Abraço.