Sobre Sexualidade e mitos

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seu madruga
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Sobre Sexualidade e mitos

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Grandes são as limitações que impedem o conhecimento, ainda que incompleto, do comportamento sexual dos povos das Américas antes da Conquista. Em primeiro lugar porque ainda está em aberto a discussão quanto a singularidade de cada povo, que comumente é designado como indígena sem se levar em conta suas características de formação como um grupo social diferenciado. Deste modo, são chamados indígenas povos que, embora vizinhos, pertençam a grupos lingüísticos absolutamente distintos, possuam cosmogonias diferentes, uns são caçadores e outros agricultores, e têm a vida regida por normas, rituais e estruturas familiares específicos de cada cultura. Segundo, há que se considera que os primeiros relatos e iconografia acerca dos povos autóctones das Américas foram feitos sob a perspectiva de cronistas, missionários, mercadores, desterrados e soldados de Espanha, Portugal e Inglaterra durante a colonização, e por invasores holandeses e franceses. Os registros da época da Conquista têm a óptica européia do pecado, do pudor, da necessidade de catequização e, em conseqüência, a modificação das culturas, que arrebanharia bons cristãos no Novo Mundo. Terceiro, as incipientes pesquisas antropológicas sobre os povos nativos das Américas só se iniciaram na segunda metade do século XIX, quando nações já haviam sido extintas por guerras, escravidão e doenças, e sua história foi perdida. Além disso, as nações sobreviventes já estavam contaminadas pelos valores dos brancos, em um processo chamado de inculturação. Assim, o homem branco, que quatro séculos antes não era conhecido nas cosmogonias de vários povos nativos americanos, passou a ser referenciado como se fizesse parte da história desses povos desde épocas primitivas. Ressalte-se também que a maioria dos povos nativos não conhecia a escrita e sua identidade cultural era transmitida pela tradição oral, mais susceptível a interferências das transformações sociais. Como afirmou Davi Kopenawa Yanomami, em 1998: “Os brancos desenham suas palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento”.
Tais limitações, portanto, têm permitido apenas indicar algumas especificidades do comportamento social e sexual dos povos nativos das Américas, sem contudo avançar no pleno conhecimento de cada cultura.

Criação do Mundo e Sexualidade

Os mitos dos povos nativos americanos quanto à origem do mundo geralmente compreendem deidades distinguíveis pelo sexo. O mundo dos espíritos e o mundo humano são formados pelo masculino e feminino e, embora conheçam indivíduos hermafroditas e homens e mulheres que assumam papéis sexuais do sexo oposto, os nativos das Américas tendem a identificar suas deidades como machos e fêmeas. As figuras masculinas podem ser mais ativas, subjugadoras de monstros e transformadoras do mundo, enquanto as femininas se empenham em atividades domésticas e cuidados com as crianças, mas ambos os sexos podem ser sexualmente agressivos, vingativos e destrutivos.

Os deuses criadores tendem a ser masculinos, apesar de que em várias culturas americanas há uma divindade diáfana feminina considerada como a "avó" de todos os deuses. Entre os Iroquois (noroeste dos Estados Unidos e oeste do Canadá), por exemplo, é o neto, Taronhaiwagon, e não a avó, quem cria e anima. Taronhaiwagon é o deus celestial que volve olhos de benevolente simpatia sobre os homens e supre de forças geradoras e regeneradoras a Mãe Terra e os seus filhos. Em Yucatán, no México, e nos altiplanos andinos as figuras do criador eram chamadas de “senhor” e “pai”. Alguns deuses criadores, como entre os Zuñis (Novo México e Arizona), aparentavam uma sexualidade ambígua primitiva, pois tudo que é inicialmente criado, masculinidade e feminilidade, é gerado por estes seres eternos. Na América do Sul, exceto nos Andes, os supremos criadores são também masculinos, muitas vezes referidos como "pai" ou "o Velho" (Yahgan, Chile). Seres supremos do sexo feminino são observados em poucas culturas (Kágaba, Colômbia; Yaruro, Venezuela; Chamacoco, Paraguai, por exemplo), associados a padrões de ascendência matrilinear e de residência matrilocal. Em geral, porém, as divindades femininas não têm grande importância entre povos caçadores/coletores e caçadores/agricultores das Américas do Norte e do Sul. A Terra pode estar comumente associada a uma "mãe primordial" e à fertilidade feminina, mas somente entre os adiantados agricultores da América Central a Terra surge como deusa e mãe da fertilidade e assume papel eminente na crença geral e na prática ritual (por exemplo, Tlazoltéotl e Xochiquétzal, deusas astecas do desejo e da sedução, respectivamente).

É comum nos relatos da criação primordial os povos nativos atribuírem a geração de outros deuses, dos animais e do homem a poderes próprios das deidades supremas e não a um processo de geração sexual. Assim, noPopol Vuh, livro sagrado dos Maias (México e América Central), o mito da criação descreve que os deuses tentaram criar o homem a partir do barro e da madeira, mas não ficaram satisfeitos, até que ao fazê-lo com o milho (maíz) obtiveram o resultado esperado: um ser consciente de si mesmo e da existência dos deuses a quem deveria venerar e oferecer sacrifícios. A este respeito, Diego Landa observou em 1566 que sacerdotes Totonác faziam uma perfuração no próprio pênis por onde se passava um cordão que transpassava outros pênis. Os homens assim ligados dirigiam-se às representações dos deuses e as banhavam com o sangue que escorria de seus órgãos genitais.

Já para os Hopis (Arizona), Taiowa, o Sol (o deus supremo) criou Sótuknang, um deus para auxiliá-lo em suas tarefas na Terra. Após criarem os mares, os rios, as montanhas, as árvores, o vento, a chuva e o tempo os deuses perceberam que não havia vida na Terra. Sótuknang foi incumbido de criar uma deusa para auxiliá-lo a dar vida à Terra. E então criou Kókyangwúti, a Mulher Aranha. Esta reuniu punhados de terra negra, amarela, vermelha e branca, misturou-os e umedeceu-os comtúchvala, um líquido de sua boca. Dessa massa moldou quatro figuras e assim criou os quatro primeiros homens. Em seguida, criou quatro companheiras para esses homens.



De acordo com os Arawetés (Médio Xingu), no princípio os deuses e os humanos moravam juntos. O deus Aranãmi, contudo, foi insultado por sua esposa humana e junto com outros deuses abandonou a terra e criou o firmamento onde passou a morar. A partir da separação do céu e da terra, houve intensa destruição e apenas dois homens e uma mulher sobreviveram. Estes se tornaram os ancestrais da humanidade atual.

Estas e outras cosmogonias têm em comum o fato de não aludirem ao ato sexual como necessário à geração e, independentemente da localização nas Américas, diferentes povos relatavam que existiram dois ou mais mundos destruídos por fogo (vulcões), gelo e água, consecutivamente. Os homens teriam sido criados pelos deuses na versão mais recente do mundo.

Mitos de Incesto

Atos de incesto, por parte de espíritos e de pessoas do passado mítico, também contribuíram paraa formação do mundo tal como os povos nativos o conhecem hoje. Os Inuts (do Canadá) explicam a separação do Sol e da Lua como devida à paixão incestuosa de um irmão por uma irmã, quando havia completa escuridão. Desconfiada, a irmã descobre o apaixonado perseguidor marcando-o com as mãos sujas de fuligem e, na angústia da descoberta, cortaos seios e os oferece ao irmão para que os coma. Este ato, porém, apenas inflama a sua paixão e ele continua a persegui-la. Ambos, conduzindo tochas, entram pela escuridão e o irmão tropeça e apaga a sua tocha. A perseguição ainda continua nos céus, a irmã com a tocha acesa é o Sol, o irmão, na escuridão, a Lua.

Os Pomos e Yukis (da Califórnia) contam a história de uma moça que se apaixona por um irmão mais novo, mas este procura esconder-se dela. Porinsistência da irmã, ele aparece e ela lhe pede que a acompanhe. Ele consente em fazê-lo, mas, à noite (suspeitando das intenções da irmã) deixa um pedaço de madeira em seu lugar e foge. Ao amanhecer, ao desejo da irmã se acrescenta agora um grande ódio e ela tenta eliminar toda a família, que escapa subindo ao céu dentro de um cesto. Contudo, contrariando as instruções do jovem, a mãe olha para trás e o cesto cai na terra. O irmão salta para o ar e escapa, voltando mais tarde, com as filhas, para matar a irmã. Só o pode fazer quando descobre o ponto vulnerável dela, a sola do pé, onde ele enfia uma seta (shasta).

Nos povos nativos da América do Norte as histórias de incesto raramente se referem a sogra e nora, sogra e genro ou genitor e prole. É observado um grande tabu nas relações sexuais entre sogra e genro, aos quais geralmente era proibida qualquer interação social. Nas narrativas mitológicas de vários povos, o desejo da sogra pelo genro geralmente culmina com a morte violenta da primeira e, não raro, com o assassinato da filha pela mãe.

Mito da Relação Sexual

Há pouca referência na literatura e na memória oral dos povos nativos a respeito do próprio ato sexual. A história mais conhecida diz respeito ao mito da vagina incrustada de dentes (vagina dentada), pois fornece a mais minuciosa descrição do ato e abertamente usa um tema de castração. A história difundiu-se a partir do norte do México até o Chaco argentino e usualmente retrata um herói que ludibria uma sereia ou uma anciã, substituindo o pênis por madeira ou pedra. As mulheres-monstros habitualmente morrem no processo e os Navajos deixam claro que, com este feito, o Irmão mais Velho impediu o aparecimento subseqüente de mulheres desse tipo entre os seres humanos. No Chaco sul-americano, os Tobas e os Matacos contam como as mulheres desceram do céu, com a ajuda de uma corda. Pretendiam roubar o alimento dos homens, que na ocasião tinham forma animal. Como a corda foi cortada por um pássaro, elas se viram forçadas a permanecer na Terra, mas os homens só puderam ter relações sexuais com elas depois que o herói Carancho quebrou-lhes os dentes vaginais.

Sexo e Ritual

De um ponto de vista cultural amplo, os povos nativos das Américas se preocupavam com a geração e com o desenvolvimento da vida. Tanto nos mitos como nos ritos as forças mal compreendidas, mas vigorosamente desejadas, que fazem germinar e sustentam a vida mereciam tratamento preferencial. Contudo, os povos das Américas não parecem ter se dedicado à representação do ato da procriação, nem dado à imitação da relação sexual um papel expressivo nas cerimônias de fertilidade. As suas divindades geralmente não se representavam com órgãos genitais aumentados, nem ao longo dos caminhos se entronizavam deusas grávidas nem falos ou vulvas monumentais, como havia na Grécia, Roma, Pompéia e Índia.

Uma notável exceção é observada entre os Mochicas (Peru e Equador) cuja cerâmica e peças funerárias são marcadas pelos mais diferentes motivos sexuais: falos, vulvas, posições sexuais, homossexualidade e masturbação.

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Em comparação com as culturas africana e hindu, símbolos claramente sexuais geralmente parecem mal representados no ritual cerimonial e na arte dos povos das Américas. O simbolismo sexual habitualmente era dissimulado, como na ingestão ritual de suco fermentado demagueypara representar a gravidez (entre os Papagos, de Sonora e Arizona) ou nas corridas cerimoniais dos Pueblos (Novo México e Arizona), em que os homens davam pontapés em bastões e as mulheres em arcos de madeira. O cerimonial destas culturas tratava o tema da fertilidade com reserva e discrição. As condições desejáveis para a procriação e o crescimento eram ritualizadas e simbolizadas por nuvens, ventos, chuvas e criaturas associadas à água, como rãs e serpentes. Ocasionalmente, como entre os Hopis, cilindros e pequenos círculos que simbolizavam os poderes reprodutivos masculino e feminino eram levados a uma fonte, por meninas e meninos, e ali cobertos de lama fértil e, de volta, depositados sobre quatro painéis no solo. Mas, para todos os efeitos, a reprodução era um ato místico: a intervenção de uma força sobrenatural ativada pelas palavras e atos sagrados de xamãs purificados, com o acompanhamento da simbolização dos desejos.

Alguns povos preconizavam a continência sexual como parte de uma limpeza ritual para eventos importantes, como cerimonial religioso, preparação para a caça e a guerra. A castidade não era encorajada, sendo encontrada por motivos religiosos nas culturas Maia e Asteca.

Durante os cerimoniais, a menstruação era considerada um período crítico não só para as mulheres, mas para toda a comunidade. As mulheres eram consideradas potencialmente perigosas para os homens que trabalhavam com as forças sobrenaturais que ativavam e sustentavam o mundo e o indivíduo. Em geral, a mulher menstruada era proibida de tomar parte nos cerimoniais públicos, bem como de se aproximar de artefatos ligados à sobrevivência do grupo, como armas e equipamentos de caça.

Iniciação Sexual e Transição para a Vida Adulta

Não se evidencia, nas sociedades nativas das Américas, a instrução formal das práticas sexuais. O conhecimento da relação sexual começava talvez na infância, com a observação dos pais, cuja intimidade, nas pequenas e coletivas habitações, jamais era completa. Informações fornecidas por outros jovens e ocasionalmente por adultos expandiam esse conhecimento, mas usualmente as práticas sexuais eram aprendidas com alguma pessoa idosa. Quando ocorria uma instrução formal sobre o sexo, geralmente estava associada a cerimônias que marcavam a transição da infância à idade adulta. Essas cerimônias eram multifuncionais, destinando-se tanto a estabelecer relações com as forças sobrenaturais que ajudam no crescimento e na saúde e protegem o indivíduo e o grupo, quanto a dar a instrução moral própria de cada cultura. As práticas de iniciação serviam para induzir conformidade e respeito à autoridade dos adultos e para assinalar a ascensão a umstatusque trazia consigo maior responsabilidade social e participação nas atividades dos adultos, de acordo com a tradição (por exemplo, entre os Onas e Yahgans, Chile; Incas; Hopis e Zuñis).

Devido à tendência a enquadrar o sexo numa configuração mágico-religiosa, muito do ensinamento sexual eram tabus rituais sobre alimentos e ocasiões de abstinência sexual, além do comportamento e do trabalho apropriados a cada sexo. Os homens Ingaliks (Alaska) aprendiam a atentar para que nenhuma mulher menstruada passasse por cima dos seus utensílios, ou mesmo sobre os restos de trabalho, como aparas de madeira, a fim de eles não perderem a sua habilidade no manejo dos instrumentos ou na seleção de árvores. Por sua vez, a mulher aprendia que precisava aguardar um pouco antes de seguir o marido até o local onde ele deixara o cesto de pescado, pois, se ela pisasse as pegadas frescas dele, a sorte do marido na caça e na pesca terminaria.

Como tantos outros povos tribais, os nativos americanos utilizavam padrões de comportamento que simbolizavam os vínculos destatusdos indivíduos. Era disseminado nas Américas que irmão e irmã deveriam restringir o contato verbal e físico entre eles, em geral induzido na infância por um sentimento de vergonha e respeito. O comportamento apropriado usualmente ditava a separação física e limitava a comunicação. Ao viajar de canoa os Yahgans instruíam que irmão e irmã não podiam se sentar perto um do outro; e irmãos e irmãs Arapahos (Arkansas) agiam de acordo com a melhor tradição quando não permaneciam juntos no mesmo grupo e se comunicavam por meio de um mensageiro; ao falar ao irmão, esperava-se da jovem Arapaho que mantivesse olhar baixo.

Dachimbo de pedra Cherokee. Fonte: Cherokee First Nation, Georgia. Cerca de 1700.


Em algumas sociedades a união de famílias pelo casamento comumente exigia contenção nas relações entre parentes afins e era freqüente que genros e sogras seguissem um padrão de evitação total, como entre os Totobiegosodes (Paraguai e Bolívia). Nestes casos, as referências sexuais eram proibidas em qualquer relação com pessoas a quem se devia respeito. A presença de comportamentos variados, que não apenas enunciavam diferenças entre os sexos, mas os separavam física e emocionalmente, indica que parte dos povos das Américas condicionava o indivíduo a uma ampla faixa de contenções quanto ao sexo oposto. A interpretação mágico-religiosa da menstruação apenas acrescentava outra dimensão às obrigações de contenção sexual, neste caso baseadas na prevenção de malefícios ao marido ou à comunidade. Já entre os Hopis e os Mochicas, as alusões em tom divertido às relações sexuais (inclusive quanto as habilidades sexuais do potencial marido) e os contatos eróticos eram constantes entre as famílias com filhas prontas para o casamento.

Há registros de muitas sociedades que davam oportunidades práticas para a ampliação da experiência sexual individual antes do casamento. Os jovens Bororós comumente levavam as jovens escolhidas àcasa dos solteirose os Astecas, habitualmente severos, permitiam que os jovens da escolatelpuchcalli,em grande parte dedicada ao treinamento em armas, tivessem amantes. Por outro lado, a graduação por idades e a segregação de meninos e meninas era usada pelos adultos Xerentes e Apinajés (Tocantins) para fortalecer o controle sobre a atividade sexual dos jovens, pois antes de estarem aptos para a vida sexual, deveriam passar pelos ritos de iniciação. Já entre os Matacos e outras tribos do sul do Chaco, os jovens se dedicavam a brincadeiras eróticas após a dança comunal. Em algumas tribos as cerimônias de puberdade davam oportunidade imediata para a relação sexual. Os Zo'es (Guiana e Pará) permitiam que a jovem que menstruasse pela primeira vez, ao terminar o seu confinamento, oferecesse um cesto de alimentos ao homem de quem mais gostasse, com quem então mantinha relação sexual.

O treinamento em questões de pudor parece que se intensificava por volta da puberdade, quando se assumiam vestes ou adornos de adulto e as cerimônias de puberdade ou outras ocasiões de reconhecimento social definiam um novostatuspara o indivíduo. Nas sociedades que se protegiam com peles de animais e tecidos, a vestimenta provavelmente implementou o pudor na maioria das áreas, visto que a exposição dos órgãos genitais em público, porém não na habitação, usualmente evocava certo sentimento de vergonha. Contudo, na América do Sul, exceto entre os Incas, a nudez ou a quase nudez, era a norma. Nas regiões do Amazonas, Orinoco e faixa litorânea do Brasil homens e mulheres adultos usavam apenas vestimentas simbólicas, como um estojo peniano ou um tapa-sexo. Até a adolescência, ambos os sexos comumente andavam nus. Na América do Norte a nudez masculina era freqüente na Califórnia, na Costa Noroeste e nas grandes planícies. A nudez feminina era menos freqüente, embora os seios geralmente ficassem descobertos.

A nudez, a seminudez, as relações sexuais entre pais e parentes que habitavam a mesma morada, sem divisórias, e a observação da cópula dos animais formavam uma compreensão de que o ato sexual não evocava a complexidade e as proibições que posteriormente foram impostas pelos conquistadores aos povos das Américas. A masturbação, por exemplo, fazia parte da experimentação masculina e desde a infância os meninos manipulavam os pênis uns dos outros, como entre os Kwakiutls (do Canadá). Os jovens Crows (de Montana) se dedicavam ao jogo erótico de tocar a vagina de uma mulher adormecida ao que se seguia a masturbação em grupo. As mães Pilagás (do Chaco argentino) consideravam normal que seus filhos pré-púberes roçassem seus corpos contra os delas para se masturbarem. Por sua vez, os Chiricahuas Apaches (do Novo México e de Arizona) e os Tepoztecas (do México) repreendiam severamente os jovens que praticassem a auto-estimulação. A masturbação feminina foi bem pouco documentada e não há ainda pesquisas que esclareçam a sua prática.

Adolescentes de alguns povos nativos exibiam-se em competições que envolviam seus órgãos genitais. Entre os Crows e os Mojaves (da Califórnia), os jovens comparavam os pênis eretos após a masturbação, competiam para ver quem conseguia ejacular à maior distância e amarravam uma pedra no pênis para arrastá-la o mais longe possível. Um pênis comprido era muito apreciado e os pré-adolescentes esticavam os pêlos pubianos para estimular-lhes o crescimento e, por vezes, derramavam sobre o pênis o sumo irritante de uma planta para torná-lo mais grosso. Com a mesma finalidade os Tupinambás (Costa litorânea do Brasil) colocavam sobre o pênis um animal peçonhento, possivelmente a lacraia.

Práticas homossexuais durante a infância e a puberdade dos homens eram relativamente comuns, sobretudo a masturbação mútua. Nos povos que mantinham ascasas de solteiros, onde se recolhiam por um período os jovens em transição para a fase adulta, os jogos eróticos homossexuais eram mais freqüentes (como entre os Bororós). A homossexualidade entre homens adultos, considerada normal por suas respectivas sociedades, registra-se em maior número entre os Mochicas, Chibchas (da Colômbia), Arapahos, Navajos, Klamaths e Achomawis (do Oregon), nos povos que viviam no Caribe e na Costa do Equador e do Peru. É conhecido também por meio dosCódicesque havia homossexualidade entre os Maias, notadamente entre os sacerdotes e a alta classe guerreira, sendo condenada ao povo comum. No Brasil, os Tupinambás e os Guaicurus escandalizaram os primeiros cronistas por suas práticas homoeróticas; os Tupinambás designavam os homossexuais homens detibirae as mulheres deçacoaimbeguirae os Guaicurus designavam a ambos decudina.


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As crianças que demonstravam marcada preferência pelo trabalho, pelos jogos e pelos hábitos do sexo oposto eram observadas de perto no seu desenvolvimento, mas não se faziam esforços para obrigá-las a seguir seu padrão sexual biológico. Isto parece indicar que a transexualidade era conhecida e que era permitido ao indivíduo desenvolver-se livremente. Encontravam-se com freqüência, entre os povos nativos, jovens e adultos que usavam vestimentas ou adornos do outro sexo e se dedicavam a tarefas domésticas e agricultura (homens) e caça e pesca (mulheres). No século XVII quando exploradores franceses entraram em contato com indivíduos nativos transexuais e homossexuais na América do Norte, deram-lhes a denominação deberdaches. Contudo, cada povo já possuía uma definição para tal membro do grupo: por exemplo,kokwimu(Keres),hova(Hopis),lhunide(Tiwas),kwidó(Tewas) elhamana(Zuñis). Osberdachespossuíam importantestatusentre seus povos pela crença de serem propiciadores de sorte e chamarizes de riquezas.

As relações heterossexuais na puberdade comumente eram aceitas e a virgindade não constituía requisito ao casamento. Em alguns povos a virgindade feminina significava que a mulher havia sido rejeitada pelos homens e isto dificultava seu casamento. A continência sexual na juventude deveria ser observada nos períodos dos ritos de passagem para a vida adulta, que poderiam durar de um mês a dois anos.

Casamento

Completado o rito de passagem para a vida adulta os jovens estavam prontos para o casamento. As meninas eram orientadas por mulheres mais velhas sobre as tarefas e comportamentos de uma esposa, enquanto os homens eram iniciados nos mistérios da religião e nas habilidades da caça, da pesca e da guerra.

Ainda que a atitude para com a experimentação sexual, tanto auto-erótica como heterossexual, fosse em geral permissiva e tolerante, não era valorizada a tão propalada “sexualidade desenfreada” conforme relatam os cronistas da Conquista. Para a grande maioria dos povos nativos o estado conjugal era um estado natural e não inspirava admiração uma vida de castidade. A continência e a contenção eram determinadas por exigências cerimoniais ou por necessidades práticas, como garantir o contínuo fluxo de leite e a boa saúde do bebê.

Via de regra os casamentos eram combinados entre as famílias ou determinados pelo chefe do clã. Por isso, há uma ausência geral de padrões de namoro que levassem marido e esposa a uma intimidade parcial antes do casamento. O estado conjugal era mais um arranjo prático e social que devia ser negociado entre as famílias, uma atividade própria aos pais e a outros parentes. Existiram casais que fugiram de suas comunidades porque sua união não era aprovada pelos parentes, mas geralmente a situação se resolvia mediante a permuta tradicional de alimentos e mercadorias entre as famílias. Era mais comum que o amor entre os indivíduos fosse vencido pelas exigências da ordem social ou, provavelmente, não existisse como na forma romântica ocidental. Mães, pais, irmãos mais velhos, tias paternas ou tios maternos, sozinhos ou em ligação com outros, tradicionalmente escolhiam o cônjuge diligente que lhes parecia apropriado, ou, no mínimo, concordavam com a escolha do homem e faziam os arranjos necessários. Em alguns povos as jovens faziam a sua seleção mediante a rejeição de candidatos, mas jamais estavam inteiramente livres das pressões persuasivas dos parentes.

Segundo as concepções dos povos nativos, a experiência dos indivíduos estava acima da atração romântica e sexual. Para a vida cotidiana um homem necessitava de uma mulher que pudesse preparar a comida, fabricar e remendar vestimentas, cuidar dos filhos e manter a ordem da moradia. Por sua vez um bom marido devia garantir o alimento e a segurança da família.

As mães Ingalik escolhiam para os seus filhos cônjuges esmeradas no trabalho doméstico e que tivessem passado pelo rito menstrual, enquanto as mães Iroquois freqüentemente casavam os filhos com uma viúva mais velha e experiente (sendo um povo guerreiro, a mortalidade masculina era alta e as viúvas ainda estavam na idade fértil). Na maioria das sociedades, porém, o marido tendia a ser alguns anos mais velho do que a esposa. Relações amistosas entre famílias e indivíduos às vezes resultavam em noivado na infância, um arranjo aparentemente mais comum, onde a ascendência matrilinear e a residência matrilocal favoreciam a intervenção das parentas na escolha de cônjuges para os seus descendentes.

Raramente eram solicitadas provas de virgindade nos grupos nativos das Américas. Onde, para fins rituais ou socioeconômicos, a virgindade tinha valor, a sua determinação era feita de antemão, mediante perguntas e observação. Em algumas civilizações da Colômbia e do Brasil a mãe desvirginava a filha com os dedos antes do casamento, enquanto os Conibos do leste do Peru faziam uma incisão vaginal na jovem sedada e inconsciente com uma faca de bambu e nela inseriam um pênis de barro, modelado de acordo com o tamanho do pênis do marido. Não havia normas estabelecidas para, no caso de ausência de virgindade, reclamar indenização, embora o homem habitualmente tivesse o direito de anular o casamento quando a castidade era uma das condições do preço da noiva.

Na ausência de casamentos combinados com a conseqüente permuta de mercadorias, as intimidades sexuais de uma ligação afinal resultavam numa união que ganhava estabilidade à medida que nasciam os filhos. Alguns povos do planalto meridional da Colômbia permitiam que o homem oferecesse festas aos pais de jovens prontas para o casamento e tivesse relação sexual com uma jovem diferente a cada dia, até encontrar aquela que o satisfizesse.

Os recém-casados não se afastavam das suas famílias para o que a civilização ocidental chama de lua-de-mel. Vários fatores concorriam para isso, entre os quais a habitação compartilhada, a atitude prática com que se encarava o estado conjugal e as exigências da segurança sob condições de vida tribais.

As proibições de incesto nos povos nativos das Américas cobriam as costumeiras relações intrafamiliares entre pais e filhas e entre irmãos e irmãs. O casamento Inca de irmão com irmã ou meia-irmã era a única exceção à regra e aqui prevaleciam fatores dinásticos e sociais que restringiam a prática às classes superiores e à realeza.

A presença de grupos de parentesco unilinear muitas vezes estava associada à classificação dos primeiros e mais distantes primos numstatusde afinidade (primos paralelos) e de não afinidade (primos cruzados). O costume patrilinear dos Cubeos (da Colômbia) fazia com que os primos cruzados homens (filhos da irmã do pai e filhos do irmão da mãe) permutassem as irmãs como cônjuges, enquanto os matrilineares Haidas (da Colúmbia Britânica) preferiam o casamento com a filha da irmã do pai, exceto quando a herança ditava a união com a filha do irmão da mãe. Outros não apenas incluíam os primos paralelos na definição de incesto por afinidade como proibiam o casamento com um dos primos cruzados, como os Xerentes, que não sancionavam uniões com a filha do irmão da mãe. O casamento com uma enteada era amplamente sancionado no oeste da América do Norte, mas as sociedades que o proibiam eram igualmente numerosas. Se a não ocorrência pode ser aceita como indício de proibição, raramente se favorecia o casamento com uma sobrinha. Em algumas sociedades era vantajoso casar com a filha de uma irmã, pois o homem permanecia no acampamento dos parentes e se eximia de obrigações (entre os Tupinambás e Caribes, da Venezuela; entre os Jívaros da Amazônia peruana e equatoriana). Onde a poliginia era difundida, comumente ocorria que o filho mais velho herdasse as viúvas, mas é de notar que entre estas jamais se encontrava a sua própria mãe, como entre os Makuxis do norte do Amazonas e os Araucanos do Chile e Argentina.

Tipos de Casamento

Como outros povos do mundo, a maioria dos nativos das Américas vivia num estado de monogamia. Contudo, a poliginia era permitida em toda a América, exceto onde a ascendência matrilinear e a residência matrilocal estavam associadas a uma economia de caça e horticultura (Iroquois; Cherokees, Alabama, Califórnia etc.; Hopis; Chorotis, Argentina, Timbiras, Maranhão e Pará). Entre Incas e Astecas a poliginia era reservada às classes superiores. Praticava-se tanto a poliginia sororal como a não sororaI, baseando-se a preferência pela primeira forma nos interesses oriundos da herança e da harmonia. Os poligínicos Tupinambás habitualmente mantinham esposas em diferentes acampamentos, que visitavam num sistema de rodízio.

A poliandria ocorria esporadicamente nas Américas, freqüentemente tomando a forma de uma união temporária antes do casamento (Shoshonis, Utah). A ocorrência de poliandria entre os Yaruros (Venezuela) e os Kawahibs (Amazônia) era uma prática institucionalizada, mas em geral eram raras as famílias poliândricas.

Os homossexuais podiam estabelecer moradia onde eram aceitos (ou seja, exceto entre Maias e Incas). As uniões habitualmente eram informais, embora algumas se fizessem de acordo com as normas tradicionais de casamento.

Adultério e Relações Extraconjugais

O rigoroso exercício de um monopólio sexual não parece ter sido uma atitude habitual dos povos nativos das Américas. Embora existissem relações sexuais consideradas ilícitas, havia outras relações fora do casamento que não eram consideradas adultério.

Dentro das relações de parentesco, por exemplo, alguns povos permitiam o coito da esposa ou do marido com outros indivíduos. A mulheres e homens Haida eram permitidas relações sexuais com outras pessoas pertencentes ao clã do cônjuge, mas fora dessa condição o cônjuge tinha motivos para o divórcio. De modo semelhante, os Sirionos (da Bolívia) estendiam privilégios sexuais a irmãos ou irmãs do cônjuge. O adultério era mais uma questão de negligência do que de violação do contrato matrimonial, pois os Sirionos, como os Kaingangs (Região Sudeste do Brasil) e as tribos do Chaco argentino, tinham liberdade para prestar favores sexuais a terceiros.

Obrigações especiais com hóspedes, amigos e patronos cerimoniais eram cumpridas pela oferta de hospitalidade sexual, geralmente com o assentimento da esposa, como entre os Timbiras, Patangoros (Colômbia) e Tarahumaras (México); também se permitia a relação sexual no caso de se ter feito um favor ao cônjuge, como entre os Crows.

Aos homens, distanciados das esposas em expedições de guerra ou de caça, geralmente não se negavam relações sexuais, a menos que a continência fosse condição de êxito. Os Xerentes, em incursões de guerra, levavam mulheres que não suas esposas; e os Iroquois permitiam que os caçadores tivessem uma companheira temporária, se a esposa não podia acompanhá-los.

A definição de adultério se complica mais ainda por exemplos como o dos Lencas (de Honduras), que puniam a esposa, mas não o amante. Por sua vez, os Maias responsabilizavam em grande parte o homem e permitiam que o marido, depois de verificados os fatos pelos chefes, decidisse se o amante deveria continuar vivo ou ser morto. A esposa infiel, embora não fisicamente punida, era geralmente rejeitada, como divorciada. Os Gabrielinos (da Califórnia) permitiam que o homem entregasse a esposa ao amante e, por sua vez, tomasse para si a esposa deste.

Cabia ao homem, geralmente, tomar a iniciativa de oferecer os favores sexuais de sua esposa e adotar a punição quando ocorria a infidelidade. Em alguns povos, a infidelidade era punida por meio do espancamento da esposa e seu banimento da casa dos pais, nada ocorrendo com o parceiro. Nos povos das Planícies Setentrionais dos Estados Unidos era costume mutilar o nariz da esposa adúltera ou espancá-la. Por vezes, nas Planícies e nas Florestas Orientais, se efetivava a punição por estupro organizado em que o marido entregava a esposa a um grupo de homens, às vezes vinte ou mais. Os Amanis (da Colômbia) não apenas submetiam a esposa adúltera a estupro organizado como a deixavam morrer de fome. Contudo, neste caso, também o parceiro era assassinado e ambos os cadáveres ficavam insepultos, à mercê das aves de rapina.

Já entre os Maias, Incas e Astecas o casamento tinha sanção religiosa e o adultério era tanto um pecado quanto um delito contra a pessoa. Na confissão única da sua vida, os Astecas podiam relatar a prática do adultério e aqui, como entre os Maias e os Incas, o Estado intervinha para punir com severidade os adúlteros conhecidos. A gente do povo, entre os Incas, era torturada, mas, quando se tratava de mulher nobre, era costume a pena de morte.

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seu madruga
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Re: Re.: Sobre Sexualidade e mitos

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Sexualidade e Reprodução

Os povos nativos das Américas consideravam a procriação um requisito necessário ao plenostatuse papel adulto. Os encargos da fertilidade pesavam mais sobre a mulher do que sobre o homem; o marido podia solicitar o divórcio baseado na esterilidade da esposa. Os testes de esterilidade masculina provavelmente eram raros, ainda que os Arapahos permitissem ao avô ter relação sexual com a neta para provar que ela não era estéril.

A concepção, como o nascimento, jamais estava inteiramente livre de práticas mágico-religiosas, embora a maioria dos povos acreditasse que o homem era o responsável pela reprodução e a mulher fosse apenas o receptáculo do sêmen e do feto. Entre os Aimarás (da Bolívia) e os Teneteharas (do Maranhão e do Pará) considerava-se essencial à concepção manter relações sexuais por vários dias consecutivos. Por sua vez outros povos acreditavam que o sêmen ia se acumulando na mulher e junto com o fluxo menstrual formavam o bebê.

Eram comuns os esforços por influenciar ou por prever o sexo da criança, habitualmente com a ajuda de algum instrumento, brinquedo ou outro artigo usado na vida cotidiana de um ou de outro sexo. Não obstante os homens, em geral, fossem mais valorizados socialmente do que as mulheres, não se evidenciava uma decidida preferência por crianças do sexo masculino.

Os tabus da gravidez geralmente associavam alimentos e atos especiais à saúde e ao caráter do bebê e era mais comum que esses tabus se aplicassem à mãe do que ao pai. Algumas sociedades não impunham restrições quanto a relação sexual durante a gravidez e a atividade continuava até quase o momento do parto ou até que o coito se tornasse difícil. Já outras sociedades temiam que o coito pudesse ferir o feto e a mulher se abstinha até o parto ou desmame da criança, enquanto o homem buscava outra companheira para esse período.

Ao nascimento da criança habitualmente se seguiam restrições nos contatos sexuais do marido com a esposa. O momento de retomar as relações sexuais normais variava, às vezes após a recorrência da menstruação e mais freqüentemente após o desmame. O desmame podia ocorrer na dentição, mas a criança muitas vezes já estava com dois ou três anos antes que a mãe lhe negasse completamente o peito. A crença geral relacionava o retorno da relação sexual antes do desmame à deterioração do leite e ao enfraquecimento do bebê. Durante as restrições do pós-parto, os maridos não ficavam sujeitos a rigorosa continência.

Era desconhecida a anticoncepção. As gestações não desejadas se resolviam com aborto, usualmente por pressão mecânica sobre o abdome ou tomada de infusões, ou em infanticídio. A maioria dos povos das Américas encarava o aborto e o infanticídio como uma responsabilidade individual, uma maneira tolerável pela qual uma mãe solteira se tornava disponível para o casamento e uma esposa prevenia o abandono por parte do marido. Contudo, havia grande variação na aceitação social da prática. O aborto era inteiramente aceito e freqüentemente praticado na maior parte da América do Sul, exceto nos Andes. As mulheres Guaicurus abortavam até os 25 ou 30 anos e abortar o primogênito era uma prática padronizada no Chaco e no leste do Brasil, visando a garantir nascimentos futuros e mais fáceis. A condenação mais firme e severa do aborto e do infanticídio, como do adultério, ocorria entre as sociedades organizadas dos Maias, Astecas e Incas.


Observações dos Primeiros Cronistas a Respeito
da Vida Sexual dos Povos Nativos das Américas

“Há entre eles outro costume, excessivamente monstruoso e aberrante da mais requintada crueldade humana. E vem a ser que, de libidinosas, fazem as mulheres intumescer o membro genital dos maridos, de maneira tão desmesurada que vem a parecer hediondo e repelente: e conseguem elas isto com algum ardil de sua parte e com mordedura de animais venenosos... Casam-se quantas vezes querem: e copula o filho com a mãe, o irmão com a irmã, o primo com a prima, e qualquer com a primeira mulher que encontre. E também quantas vezes o desejam desfazem os casamentos, nos quais nenhuma formalidade observam.”

Américo Vespúcio.Carta a Lorenzo de Medici,1502.

“Os homens desta terra firme [os Caribes] de Índias comem carne humana e são sodomitas mais que nenhuma outra geração. Nenhuma justiça há entre eles, andam nus, não têm amor nem vergonha, são como asnos, abobados, insensatos; não lhes importa matar-se ou matar. Quanto mais crescem mais piores ficam; até os dez ou doze anos se parecem com qualquer criança; mas daí em diante eles se tornam animais brutos; enfim, digo que Deus jamais criou gente tão cheia de vícios e bestialidades, sem qualquer bondade ou cortesia.”

Frei Tomás Ortiz.Carta al Consejo de Índias, 1525.

“É perguntado ao pai ou mãe da noiva, ou àquele que a oferece, se é virgem; e se dizem que sim e o marido descobre que não é a devolve, e o marido fica livre e ela fica mal-afamada; mas se não é virgem e eles se contentam com isso, ocorre o casamento, quando antes de consumar a cópula avisam que não era vigem, porque há muitos que preferem mais as corrompidas do que as virgens...”

Gonzalo Fernandez Oviedo.História General y Natural de las Índias, 1535.

“A verdade é que entre os serranos e os Yungas [Peru] o demônio introduziu este vício sob uma espécie de santidade, e é que cada templo ou oratório principal tem um homem ou mais, os quais andam vestidos como mulheres desde o tempo em que eram crianças, e falavam como tais, e em seus modos, roupas e em tudo o mais imitavam as mulheres. Estes homens, quase como por via de santidade ou religião, têm suas festas e dias principais para sua conjunção carnal e torpe... Isto eu sei porque castiguei dois deles...”

Pedro Cieza de León.La Crónica del Perú, 1553.

“Índias há que não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios, como se não fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos e vão à guerra com seus arcos e flechas e à caça perseverando sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada e assim se comunicam e conversam como marido e mulher...”

Pero de Magalhães Gândavo.Tratado da Terra do Brasil, 1501 .

“São os Tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam; os quais sendo de muito pouca idade têm conta com mulheres; porque as velhas, já desestimadas dos que são homens, granjeiam estes meninos, fazendo-lhes mimos e regalos, e ensinam-lhes a fazer o que eles não sabem, e não os deixam de dia nem de noite. É este gentio tão luxurioso que poucas vezes tem respeito às irmãs e às tias, e porque este pecado é contra seus costumes, dormem com elas pelos matos e alguns com suas próprias filhas; e não se contentam com uma mulher, mas têm muitas... E em conversação não sabem falar senão destas sujidades que cometem a cada hora...”

Gabriel Soares de Sousa.Tratado Descritivo do Brasil,1587.

“Não obstante morarem muitas mulheres sob o mesmo teto, com um só marido, uma é sempre mais querida, por isso, governa as outras como uma senhora às suas servas. E o que é mais admirável: vivem todas em boa paz, sem ciúmes nem brigas, obedientes todas ao marido, preocupadas em servi-lo dedicadamente nos trabalhos do lar, sem disputas nem dissensões de qualquer espécie.”

Claude d'Abeville.História da Missão dos Padres Capuchinhos da Ilha do Maranhão, 1612.

“Entre os Laches [Colômbia]... tinham por lei que a mulher que paria cinco varões em seguida, a um dos filhos, às doze luas de idade, o criaria com costumes de mulher; e como o criavam daquela maneira saíam tão perfeitas fêmeas nos modos e contornos do corpo, que qualquer um que os visse não os diferenciariam de outras mulheres, e a estes lhes chamamCusmos, e exercitavam os ofícios de mulheres com a robustez de um homem; quando chegavam à idade os casavam como às mulheres, e os Laches os preferem às verdadeiras, do que se seguia que a abominação da sodomia foi permitida nesta nação do Reino...”

Lucas Fernández de Piedrahita.Noticia Historial de las Conquistas del Nuevo Reino de Granada, 1668.


Fontes que utilizei:

Beozzo, J. O. – A Mulher Indígena e a Igreja na Situação Escravista do Brasil Colonial. In: CEHILA.A Mulher Pobre na História da Igreja na América Latina. São Paulo: Paulinas; 1984.

Native American Nations.Disponível em: http://www.nativeculturelinks.com/nations.html.

Oviedo, G. F. – Historia General y Natural de las Indias. In: Desola, D. L. –Antropología Centroamericana: antología.San José: EDUCA; 1982.

Parker, R. G. –Corpos, Prazeres e Paixões.São Paulo: Best Seller; 1991.

Roediger, V. M. –Ceremonial Costumes of the Pueblo Indians.Disponível em: http://texts.cdlib.org/

Soares de Sousa, G. –Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional e EDUSP; 1971.

Spring, J. –The Cultural Transformation of a Native American Family and its Tribe,1763-1995.Mahwah , N.J. ; Lawrence Erlbaum; 1996.

Tabori, P. –A Pictorial History of Love.London: Spring Books; 1968.

Voget, F. W. – Vida Sexual dos Índios das Américas. In: Ellis, A.; Abarbanel, A. –Enciclopédia do Comportamento Sexual.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1968.

Trancado