O Globo, domingo, 26 de março de 2006
*** ‘Guerra santa’ entre tucanos e petistas divide igreja ***
Gerson Camarotti
Brasília — A “guerra santa” chegou à disputa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). O embate entre tucanos e petistas divide a Igreja Católica e, pela primeira vez desde a redemocratização, esse racha está mais explícito. De um lado,
bispos e padres das alas mais conservadoras e até mesmo de segmentos moderados trabalham pela candidatura de Alckmin nos bastidores. Do outro, o Palácio do Planalto iniciou uma ofensiva, por meio de ministros ligados à Igreja, e tem conseguido manter o apoio da ala mais progressista.
No núcleo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a percepção é de que Lula perdeu um espaço, pequeno mas importante, que tinha entre os moderados. E perde também nos setores progressista. Isso ficou claro recentemente nas críticas à condução das políticas econômica e social do governo Lula feitas por dirigentes da entidade como o cardeal arcebispo de
Salvador, dom Geraldo Majella, presidente da CNBB, e o secretário-geral da Conferência, dom Odilo Scherer, bispo-auxiliar de São Paulo.
“A Igreja não pode assumir uma posição partidária”
Mas dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, apontando no PT como um aliado, atenuou as críticas da Igreja:
— É preciso considerar que a problemática social é tão complexa que não se resolve num único mandato. Por isso mesmo, não é possível desprezar a eleição. A Igreja não pode assumir uma posição partidária nem influenciar a população brasileira. Mas pode propor critérios.
O racha na CNBB ficou mais evidente na semana passada, durante o debate do texto feito pela entidade para orientar os católicos sobre as eleições deste ano. O impasse foi tal que a divulgação da cartilha, marcada para a última sexta-feira, foi adiada para 3 de abril.
A primeira versão do texto, proposta pelo arcebispo de João Pessoa, dom Aldo Pagotto, mais próximo dos tucanos, trazia um tom contundente contra o governo, com duras críticas à política social e uma referência explícita à corrupção recente no país. Depois de quatro dias de debates, foi aprovada
opção por uma linguagem moderada.
Para evitar uma debandada da Igreja para a candidatura Alckmin, Lula acionou os ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Luiz Dulci (Secretaria Geral) e o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, para iniciar
uma reaproximação com a CNBB. No Planalto já há um reconhecimento de que Alckmin, católico praticante, avançou bastante e que, se o candidato tucano fosse o prefeito José Serra, a perda de apoio a Lula teria sido menor.
O namoro de Lula com os evangélicos, principalmente com a Igreja Universal, também contribuiu para afastar moderados e conservadores da Igreja Católica do Planalto. Com isso, Alckmin conquistou o apoio de redes católicas de comunicação e de movimentos como a Renovação Carismática.
Católico fervoroso e simpático à Opus Dei, grupo conservador com grande prestígio no Vaticano mas de pouca visibilidade no Brasil, Alckmin ganhou a simpatia de prelados influentes como o bispo dom Fernando Antônio Figueiredo (Santo Amaro), principal liderança carismática no Brasil e mentor
intelectual do padre Marcelo Rossi.
Outro simpatizante de Alckmin é o bispo emérito de Jundiaí, dom Amaury Castanho.
Para barrar a ofensiva tucana na Igreja, o Planalto tem investido em conversas com vários setores do episcopado. Dos 420 bispos católicos no país, o ministro Dulci já esteve com cerca de cem. No ano passado, foi a Roma prestigiar uma homenagem dos sindicatos italianos ao cardeal arcebispo
de São Paulo, dom Cláudio Hummes.
Na semana passada, Dulci esteve com influentes arcebispos como dom Luciano, dom Orani João Tempesta, de Belém, e dom Walmor Oliveira de Azevedo, de Belo Horizonte. O Planalto também iniciou uma reaproximação com antigos aliados
como os bispos dom Mauro Morelli, dom Pedro Casaldáliga e até mesmo o radical dom Tomás Balduíno.
O sinal amarelo acendeu no núcleo do governo em abril do ano passado, quando o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eusébio Scheid, chamou Lula de caótico. Na seqüência, o governo teve que administrar a delicada greve de fome de dom Luiz Cáppio contra a transposição do Rio São Francisco. Por
último, foram as críticas da CNBB ao governo Lula. Patrus Ananias foi recentemente à CNBB para fechar um entendimento com dom Odilo.
Agora, Lula e Alckmin também estão em busca do campo mais moderado da Igreja. Nos últimos meses cresceu o assédio ao cardeal dom Cláudio Hummes e aos arcebispos responsáveis pelas duas maiores romarias do Brasil, dom Raymundo Damasceno (Aparecida) e dom Orani (Belém). Tanto que, no Congresso, um prelado com trânsito livre com esses dois arcebispos passou a ser procurado por petistas e tucanos.
— A Igreja está dividida. O episcopado brasileiro vai rachado para esta eleição — constata o deputado padre José Linhares (PP-CE).
Guerra Santa
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