Pergunta para os budistas...
Pergunta para os budistas...
Há algum atrás li um livro sobre o budismo no qual a autora dava a entender que o seguidores da religião acreditavam num sitema kármico similar ao do espiritismo e , pontanto, me surpreendi quando conheci budistas(desse e de outros fóruns) que diziam não acreditar em reencarnação.
Agora eu pergunto, existem divergências entre as diversas correntes budistas quanto ao assunto?
Agora eu pergunto, existem divergências entre as diversas correntes budistas quanto ao assunto?
- Flavio Costa
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Re: Pergunta para os budistas...
Kramer, karma é uma palavra que vem do sânscrito e significa "ação". Esse termo era originalmente utilizado no contexto do "Hinduísmo" ortodoxo e foi absorvido pelo Budismo, embora com algumas modificações conceituais. Não vou adentrar no conceito hindu de karma, pois não o conheço suficientemente para isso.
Nos escritos de Kardec, a palavra karma não aparece, mas é introduzido o conceito de Lei de Ação e Reação. Vejamos a definição espírita dessa suposta lei:
A inspiração desse princípio do Espiritismo vem da Terceira Lei de Newton ("Toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em sentido contrário") combinada com uma interpretação da moral dos evangelhos.
O fundamento do karma na visão budista vem do princípio da condicionalidade (idappaccayata):
Isso quer dizer que as coisas ocorrem de maneira interdependente. Por exemplo, para eu estar aqui escrevendo para você são necessárias muitas condições (eu estar vivo, ter tempo, ter a motivação, ter um computador, ter acesso à Internet, etc.). É o que diz a parte A da citação acima. E a parte B diz que se alguma dessas condições não for satisfeita, eu não poderia estar aqui.
O entendimento do karma, nessa perspectiva, quer dizer que sofremos as consequências das nossas ações. Só que as reações não vêm de maneira direta, mas interagem numa complexa rede de condições que fazem com que as coisas se manifestem de uma maneira ou de outra. Isso nos permite entender, por exemplo, porque está cheio de bandidos soltos por aí enquanto há ladrões de galinha presos, embora as ações sejam moralmente distintas, há todo um conjunto de condições que permitem que as coisas aconteçam ou não.
Existe uma semelhança? Sim, existe, mas é demasiadamente superficial para que se chame os dois sistemas similares, como feito pela autora desse seu livro. Há um texto clássico que ilustra bem uma importante diferença:
Veja que karma aparece na lista de fatores, como um deles e não como explicação geral para todos os males que podemos sofrer! Os espiritas, entretanto, postulam que não há mal que aconteça sem um motivo moral diretamente correspondente, pois partem da idéia de que essa é a maneira que Deus encontrou para tornar o universo justo - uma noção completamente estranha à visão budista.
Para resumir, enquanto karma (ou melhor, Lei de Ação e Reação) para os espíritas é um "mecanismo moral de perfeita justiça", para os budistas é um "fator moral de causalidade", sem nenhuma pretensão a ser "justo" ou "perfeito", mas a ser observado para que tenhamos atenção à qualidade das nossas ações e possamos evitar prejudicar a nós mesmos e aos outros com atitudes irrefletidas.
Nos escritos de Kardec, a palavra karma não aparece, mas é introduzido o conceito de Lei de Ação e Reação. Vejamos a definição espírita dessa suposta lei:
www.espirito.org.br escreveu:Não há uma única imperfeição da alma que não importe funestas e inevitáveis conseqüências, como não há uma só qualidade que não seja fonte de um gozo.
A lei de ação e reação, ou o a cada um segundo suas próprias obras, baseia-se num perfeito mecanismo de justiça e igualdade absoluta para todos.
O mal sempre gerará consequencias desagradáveis.
A inspiração desse princípio do Espiritismo vem da Terceira Lei de Newton ("Toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em sentido contrário") combinada com uma interpretação da moral dos evangelhos.
O fundamento do karma na visão budista vem do princípio da condicionalidade (idappaccayata):
SN.II.28,65 escreveu:A. Imasmim sati idam hoti: Quando existe isso, aquilo existe.
Imasuppada idam upajjati: Com o surgimento disso, aquilo surge.
B. Imasmim asati idam na hoti: Quando não existe isso, aquilo também não existe.
Imassa nirodha idam nirujjhati: Com a cessação disto, aquilo cessa.
Isso quer dizer que as coisas ocorrem de maneira interdependente. Por exemplo, para eu estar aqui escrevendo para você são necessárias muitas condições (eu estar vivo, ter tempo, ter a motivação, ter um computador, ter acesso à Internet, etc.). É o que diz a parte A da citação acima. E a parte B diz que se alguma dessas condições não for satisfeita, eu não poderia estar aqui.
O entendimento do karma, nessa perspectiva, quer dizer que sofremos as consequências das nossas ações. Só que as reações não vêm de maneira direta, mas interagem numa complexa rede de condições que fazem com que as coisas se manifestem de uma maneira ou de outra. Isso nos permite entender, por exemplo, porque está cheio de bandidos soltos por aí enquanto há ladrões de galinha presos, embora as ações sejam moralmente distintas, há todo um conjunto de condições que permitem que as coisas aconteçam ou não.
Existe uma semelhança? Sim, existe, mas é demasiadamente superficial para que se chame os dois sistemas similares, como feito pela autora desse seu livro. Há um texto clássico que ilustra bem uma importante diferença:
Muitos são os sofrimentos, muitas são as desvantagens desde corpo que dá origem a muitas doenças, como: problemas de visão, audição, olfato, paladar, pele, dor de cabeça, cachumba, problemas na boca, dor de dente, tosse, asma, ... diabetes, hemorróidas, cancer, fistulas, e doenças da bile, fleuma, vento, do conflito dos humores, de mudanças climáticas, de condições adversas, de dispositivos (por exemplo, quando o Lula perdeu o dedo), de kamma-vipaka (resultados do karma); e frio, calor, fome, sede, excrementos e urina.
Veja que karma aparece na lista de fatores, como um deles e não como explicação geral para todos os males que podemos sofrer! Os espiritas, entretanto, postulam que não há mal que aconteça sem um motivo moral diretamente correspondente, pois partem da idéia de que essa é a maneira que Deus encontrou para tornar o universo justo - uma noção completamente estranha à visão budista.
Para resumir, enquanto karma (ou melhor, Lei de Ação e Reação) para os espíritas é um "mecanismo moral de perfeita justiça", para os budistas é um "fator moral de causalidade", sem nenhuma pretensão a ser "justo" ou "perfeito", mas a ser observado para que tenhamos atenção à qualidade das nossas ações e possamos evitar prejudicar a nós mesmos e aos outros com atitudes irrefletidas.
The world's mine oyster, which I with sword will open.
- William Shakespeare
Grande parte das pessoas pensam que elas estão pensando quando estão meramente reorganizando seus preconceitos.
- William James
Agora já aprendemos, estamos mais calejados...
os companheiros petistas certamente não vão fazer as burrices que fizeram neste primeiro mandato.
- Luis Inácio, 20/10/2006
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- Luis Inácio, 20/10/2006
Re.: Pergunta para os budistas...
Obrigado pela explicação, Flávio, mas acho que não me fiz entender.
Minha dúvida era relacionada à reencarnação.
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- Flavio Costa
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Re: Re.: Pergunta para os budistas...
Kramer escreveu:Obrigado pela explicação, Flávio, mas acho que não me fiz entender.
Minha dúvida era relacionada à reencarnação.
São dois assuntos bastante relacionados. Leia este tópico, desde a mensagem referenciada pelo link em diante. As respostas que você quer estão lá.
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- Luis Inácio, 20/10/2006
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Re.: Pergunta para os budistas...
Obrigado novamente. O que continuaria então não seria o indivíduo, mas as ações realizadas por ele, estou certo?
- Luis Dantas
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Re: Pergunta para os budistas...
Kramer escreveu:Há algum atrás li um livro sobre o budismo no qual a autora dava a entender que o seguidores da religião acreditavam num sistema kármico similar ao do espiritismo e , pontanto, me surpreendi quando conheci budistas(desse e de outros fóruns) que diziam não acreditar em reencarnação.
Agora eu pergunto, existem divergências entre as diversas correntes budistas quanto ao assunto?
Entre as correntes, basicamente não. Entre os graus de informação e compreensão da doutrina, sim, definitivamente.
Não há muito a acrescentar sobre o assunto depois da intervenção do Flávio, mas ainda assim, Kramer, quero te pedir que confira estes meus surrados textos:
http://www.dantas.com/budismo/reencarnacao.htm
http://dantas.editme.com/files/textos/t ... oral.2.htm
De um ponto de vista da doutrina em si, o que tenho visto é um consenso, ou algo bem próximo de um consenso, no sentido de que não existe tal conceito de reencarnação no Budismo. O que não impede que você encontre afirmações contrárias por aí. Tempos atrás tivemos uma monja comentando um incêndio aqui no Brasil e declarando crer em reencarnação, por exemplo.
Pode parecer contradição, mas é preciso ter em mente que a assimilação que pessoas específicas tem de suas próprias doutrinas religiosas não é um ato racional, ou pelo menos não é puramente racional. A idéia de que cada pessoa tenha uma alma específica, duradoura ou mesmo imortal é um conceito bastante arraigado, e por esse motivo é muito frequente em certos meios e comunidades partir desse princípio para então construir toda uma reinterpretação das doutrinas religiosas que se pretende seguir.
A vontade de certos divulgadores dos séculos dezenove e vinte (inclusive HPB, Allan Kardec e Carl Jung) em acreditar que haviam assimilado e conciliado a base da maioria das crenças tradicionais não ajudou. Outros autores tentam esclarecer os equívocos desses três. Desses eu destaco René Guénon e Ken Wilber, mas a verdade é que mais importante do que o autor específico ou mesmo a doutrina em si é a qualidade do relacionamento de aprendizado; é conveniente e talvez necessário que haja certo cuidado de motivação e habilidade de compreensão ampla da situação de cada um. Não conheço qualquer doutrina que faça verdadeiro sentido "no vácuo", sem estar conectada com uma pessoa real (e portanto, também com uma época e cultura reais). E qualquer doutrina é potencialmente destrutiva se incorretamente usada.
Pessoalmente eu acredito que Jung, pelo menos, era sincero, mas não compreendeu bem as diferenças doutrinárias entre Cristianismo, Hinduísmo e Budismo. Por motivos vários, muita gente acabou bebendo dessas fontes e reproduzindo as falhas de compreensão e de descrição que encontramos nelas. Infelizmente não é raro que se repita conceitos e descrições sem ter realmente chegado a uma compreensão funcional dos mesmos.
Uma prática religiosa realmente balanceada se preocupa menos em escrever manuais de conceitos e argumentações e mais em cultivar uma compreensão pessoal e social dos próprios. Não é raro que essa compreensão mude ao longo do tempo, como afinal de contas acontece em todos os campos do conhecimento. Por esse motivo as escrituras e doutrinas religiosas não apenas podem como devem ser questionadas e revisadas continuamente. Afinal, de que vale uma doutrina que não é compreendida com um mínimo de acurácia e "vida própria"?
Editado pela última vez por Luis Dantas em 16 Abr 2006, 17:42, em um total de 2 vezes.
"Faça da tua vida um reflexo da sociedade que desejas." - Mahatma Ghandi
"First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win." - describing the stages of establishment resistance to a winning strategy of nonviolent activism
http://dantas.editme.com/textos http://luisdantas.zip.net http://www.dantas.com
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Re: Re.: Pergunta para os budistas...
Kramer escreveu:Obrigado pela explicação, Flávio, mas acho que não me fiz entender.
Minha dúvida era relacionada à reencarnação.
Buda era contra a metafisica. No entanto o Budismo nao proibe crenças como a reencarnaçao... ou a crença em Deus. Desde que nao seja fonte de perturbaçao...
- Flavio Costa
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Re.: Pergunta para os budistas...
"O que continua" é a pergunta que sempre vem em seguida.
Leia este tópico do fórum antigo (use Internet Explorer para ser formatado corretamente) e esse do fórum novo.
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- Luis Inácio, 20/10/2006
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- Luis Inácio, 20/10/2006