Vamos filosofar...
A origem de deus está diretamente ligada ao medo da morte e da aniquilação. Quando o principio da consciência indiviual experimenta o terror da aniquilação, passa a lutar por escapar dela, buscando uma fé de alta ou de baixa índole. Desta luta nasce sempre a religião e a filosofia, cuja as fases se acomodam passo a passo na etapa e grau de evolução individual. Quando o terror anula o gozo das coisas transitórias, percebendo a realidade fantasmagórica de um mundo fugaz, passa então a ansiar e suspirar pelo eterno, pelo descanso, pela ultérrima explicação da utilidade, do propósito, da origem e do fim deste vasto matadouro.
Assim o principio da consciência indiviual pergunta e interroga pela imortalidade. A primeira resposta que dá a si mesmo é uma "teoria do princípio", de uma origem para a criação do mundo por um agente externo ao interrogador. Assim, instintiva e inteligentemente, percebe que não há efeito sem causa, e o que não se produz por si mesmo deve ser produzido por outro agente. Por fim infere e concebe que seu bem estar dependem da sua causa, de seu "criador". Destas operações mentais surgem as múltiplas formas de fé, que começam pela adoração da pedra, da arvore, do animal e terminam pela crença e adoração de uma causa primeira e indívisível. Esta primeira resposta pode agrupar-se desde o culto fetichista ao ao deísto e teismo superiores.
A forma geral de adoração é sempre a petição oral de algum benefício ou graça. A condição também é sempre a mesma: mostrar-se humilde, prestando obediência e sacrificando o mais querido, ás vezes com crueldade e outras com abnegação, demonstrando antes de tudo que ama e reverencia o objeto adorado.
Esta primeira resposta, a religião e a filosofia, não acalma os anseios do principio da consciência indiviual, e os ídolos materiais vão caindo, seguidos pelos ídolos mentais. A incopatibilidade do mal e do sofrimento com um ser omnisciente, onipotente e infinitamente bom, e a necessidade de uma explicação de como um ser criou um mundo mas não coexiste com ele, sendo em certo sentido independente dele, tornam-se dúvidas não resolvidas pela "teoria do princípio".
Passa então para a segunda etapa, o proximo porto de descanso, a teoria da mudança, da transformação, da evolução e dissolução pela integração de dois fatores permanentes e omnipresentes, generalizando então os fenomenos do universo. Neste ponto surge o agnosticismo que concebe apenas a matéria e energia. Caso haja fundamentação religiosa, esta é dualista, admitindo dois fatores de "bem" e "mal", "espírito" e "matéria", designando para o "bem" a vitória final, considerando de um modo vago e indefinido Deus vencedor de Santan. Entretanto a evolução do raciocínio o leva a perceber que isto debilita ambos os fatores, pois um neutraliza o outro. E se um for superior ao outro deixa de haver equilibrio. Neste caso não há necessidade de adoração pois falta uma entidade a qual adorar. Sobra então uma filosofia vacilante e insatisfatória, pois não é possivel explicar a existência de dois princípios coeternos e infinitos, ilimitados, um sem intervir na ilimitação do outro, existindo independentemente. Por muito lógica que pareça esta dualidade, os efeitos permanecem inexplicáveis, irreconciliáveis e de compreensão impossível.
Frustrado nos seus esforços para compreender completamente o processo da existência e incapaz de encontrar uma religião filosófica perfeita, o principio da consciência indiviual prossegue em sua busca cheio de duvidas e incertezas, procurando a resposta a sua pergunta original: "como assegurarei a eternidade?" e "como me livrarei da morte?". Por muito tempo, percorreu caminhos que o alucinaram com promessas e o fizeram esquecer a meta original da sua investigação, apesar de muitos destes caminhos o terem conduzido a uma paz efêmera, ou uma confiança no agnostcismo pela declaração da impossibilidade de obter o conhecimento definitivo. Percebe então que o labirinto o trouxe ao ponto de partida, incapaz de encontrar o fio que conduz à saida.
Que não se desanime! A intensidade de sua revolta não tardará em romper a camada do egoismo que limita a consciência em sua personalidade, transmutando-a na consciência superior, quando se revele o mistério do universo agora encoberto da sua vista. Passa então a questionar aquilo que está mais proximo dele mesmo: "o Eu". Chega então à fronteira da filosofia, os dois elementos irredutíveis da prória consciência: o "Eu" e o "não-Eu". A existência de si mesmo e a não existência, eis o limiar, a fronteira e a única diferença.
Paremos então para considerar, até perceber claramente, que a consciência é o unico substrato, a unica testemunha, a unica prova e o exclusivo fundamento de tudo aquilo que consideramos "real" de todo o nosso mundo. Isto tudo significa que tudo o existente está dentro do conhecimento do "Eu", presente na consciência individual; e nada podemos dizer daquilo que ignoramos na consciência individual, da mesma forma que para ir ao polo norte é necessário saber primeiro que ele existe.
É importante que nos preocupe a afirmação de que "o pensamento ou consciência do Eu é uma secreção do cérebro, tal qual a bilis é uma secreção do fígado". Se alguem se sente perturbado por esta afirmação, que se pergunte e busque as afirmações da lógica indutiva ou dedutiva que refutam esta afirmação. Qual é a similariedade entre a bilis e o pensamento que justifique a iliação de similariedade entre as respectivas causas? Porque vemos e sentimos? Mas como temos certeza que vemos e sentimos? Por acaso não conhecemos nossos sentidos para ver e tocar, e reconhecemos nossa existência porque somos conscientes disto tudo?
É possivel dar muitas voltas neste tema, mas vamos sempre retornar ao ponto de partida, de que nossa consciência é verdadeiramente tudo no todo, o princípio e o ultimo refúgio. Devido a nossa prolongada fixação ao concreto, acreditamos que o "Eu" é uma série de experiências separadas e atos de consciência separados. Entretanto todos estas experiências e atos só são inteligíveis supondo uma continuidade da consciência, um Eu. Mas o que seria este Eu, que não é "isto" nem "aquilo"? Não é possivel defini-lo através de um "isto" ou "aquilo" particular, porque a verdadeira existência do "Eu" é a negação de tudo que é "não-Eu", ou seja, todos os objetos cognosciveis. E estranhamente o "Eu" não é "algo", mas também não é "nada".
Eis que aí residem os deuses, nesta ilusão do "Eu", a propria consciência individual temerosa da aniquilação e sequiosa pela eternidade...
E qual é a necessidade de um deus para quem não teme a morte? Conforme as palavreas Epícuro:
Não temas os deuses; nem a morte; bens são faceis de obter;males são fáceis de suportar.
A morte não é nada para nós, porque o corpo que é dispersado nos elementos não experimenta sensações, e a ausencia de sensações não é nada para nós.
http://www.epicurus.info/etexts/PD.html