Jornal do Commercio
Reino de Deus estaria nos EUA
JURACY ANDRADE
Apesar de atento a enganos e até vigarices praticados à sombra de religiões, fiquei impressionado com o livro publicado por Kevin Phillips, American Theocracy, que denuncia a transformação gradual do modelo de democracia dos Estados Unidos em um regime refém de uma aliança entre as grandes corporações que dominam o país (indústrias de armamentos e de petróleo à frente) e uma direita dita cristã. O autor não é nenhum comunista. Em 1969, escreveu The emerging Republican majority, sobre a consolidação de uma maioria conservadora dominando a política estadunidense, uma predição que se realizou. Ele trabalhava com John Mitchell, secretário de Justiça de Richard Nixon, depois envolvido no famoso caso Watergate (lembram?).
Um discurso de retidão moral, diz ele, desembocou em fundamentalismo religioso, extremismo ideológico, culto à ganância desenfreada passando por cima da lei. Phillips é também autor de Dinastia americana, traduzido no Brasil, uma história da família Bush. Depois de os EUA darem ao mundo lições de democracia e pluralismo, só empanados pela direitona racista, chega agora a uma religião de Estado ao estilo medieval, com intromissão no governo do fundamentalismo cristão que marca a era Bush 2º.
Algo semelhante pode acontecer no Brasil, se não se conseguir neutralizar a politização da religião e a aplicação de uma conotação religiosa à política, como a que está em marcha através de certas igrejas autodenominadas evangélicas, que pouco têm a ver com o protestantismo tradicional dos séculos 15, 16 e também mais recente, ou com o cristianismo primitivo evangélico e apostólico.
Lá nos EUA, Bush 2º e seus sequazes acreditam estar destinados a transformar seu país no reino de Deus na Terra e obrigar o resto do mundo a aderir a sua política-religião. E, mesmo assim, criticam o fundamentalismo de muçulmanos e outros grupos religiosos. O governo federal gasta bilhões de dólares em programas sociais de entidades religiosas. Um senador de Oklahoma defende a pena de morte para médicos que fizerem abortos. E outro político, do Alabama, defende uma emenda dita de restauração da Constituição, que dá aos juízes a opção de aplicar sentenças com base na Bíblia e não em leis civis (?). Mais um, da Louisiana, acha que a destruição de Nova Orleans, pelo furacão Katrina, resolveu um problema social, acabando com as habitações populares na cidade. O bom religioso inglês Malthus também via a peste, a fome e a guerra como meios eficazes de controle demográfico.
É interessante notar como, no Brasil, a briga de religiosos que se atribuem o monopólio evangélico não é somente contra a ainda influente e predominante Igreja Católica Romana. Alguns de seus bispos e pastores também ficam incomodados contra os cultos afro-brasileiros e os espíritas, devido a sua penetração popular. Riqueza, status social e prosperidade econômica seriam sinais de bênção divina. Nada de pobreza, de rituais populares. E eles têm uma recaída na venda da salvação eterna, praticada por Roma na Idade Média, que abriu caminho para a Reforma de Martinho Lutero.
Reino de Deus estaria nos EUA
Reino de Deus estaria nos EUA
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).