user f.k.a. Cabeção escreveu:
A primeira coisa a esclarecer e que eu obviamente nao sou contra uma simplificacao do sistema tributario. Esse projeto de imposto unico era inclusive o que defendia Roberto Campos, acreditando que a CPMF poderia ser transformada gradualmente num imposto majoritario que diminuiria a complexidade da coleta de impostos.
O que nao elimina as falacias economicas cometidas por Marcos Cintra no texto.
Primeiramente, o argumento de que as transacoes em especie nao aumentariam e completamente falso. Ainda que existam desvantagens obvias na manipulacao e transportes de grandes somas, o fato de que operacoes financeiras sao sobre-taxadas criara um incentivo para que MAIS operacoes em cash sejam realizadas. Isso e obvio, e um simples calculo de contabilidade. Quanto maior forem os custos das movimentacoes financeiras, menos paracerao desvantajosos os riscos e inconvenientes de manter grandes estoques de dinheiro. E SIMPLESMENTE FALSO dizer que o fato dos volumes de cash terem seus inconvenientes impedira as pessoas de usarem mais papel moeda. Esses inconvenientes nao impedem os contraventores e criminosos hoje de fazerem seus negocios sempre em dinheiro vivo, e nao impedira "sonegadores" no futuro, se isso parecer mais barato do que os impostos.
Mais servicos do tipo carro forte e de cofres privados poderiam se desenvolver, explorando esse custo artificial das movimentacoes financeiras e oferecendo saidas mais baratas para quem quiser evita-las.
Acreditar que as pessoas nao desenvolveriam esse tipo de solucao, caso fossem viaveis, e simplesmente depositar uma fe muito arrogante nas proprias ideias. Eu nao sou contra um mecanismo de impostos que minimize os custos e a complexidade de coleta, o que reduziria o desperdicio e facilitaria a vida das pessoas um pouco. O que nao da e para sustentar isso com sofismas ridiculos. O texto comete varios outros, como quando fala de inflacao, mas nao pretendo entrar nessa discussao agora.
Você malandramente citou apenas o mais fraco dos argumentos apresentados no link. Claro que este aí era apenas um argumento complementar do Marcos Cintra. Os outros eram bem mais importantes. E aqui, na minha mente, tem outros dois.
Sem sonegação = sem free-rider.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Eu ja afirmei antes que essa e uma falsa dicotomia. As pessoas apreciam o beneficio que elas tiram de um determinado produto ou servico, nao importa se ele e administrado privada ou publicamente.
[...]
As valoracoes sao sempre realizadas por individuos, nao existe valoracao coletiva.
Se eu tinha alguma dúvida que você não sabe a diferença entre bens públicos e bens privados, ela acabou quando li esta resposta. Não é adequado falar em eficiência de mercados de bens públicos em termos de valoração individual da utilização adicional, porque estes bens são consumidos conjuntamente. A alegação da suposta necessidade do pagamento do “quanto cada um recebe de benefícios do governo” mostra claramente que você não sabe o que é a propriedade de não-rivalidade. Pior, no penúltimo post direcionado a mim, você dá sinais que acredita que o abuso do guloso caronista do exemplo do “racha no restaurante” aconteceria em bem público. Ora, a propriedade de não-rivalidade significa que o uso do bem por uma pessoa não diminui o bem-estar de outra em usar aquele bem. Como você vai ter incentivo para “consumir” mais defesa nacional apenas porque o custo é repartido entre todos? Como você vai “consumir” mais sirene de tornado apenas porque o custo é repartido entre todos? Como você vai “consumir” mais asfalto de estrada não-congestionada porque o custo é repartido entre todos? Aliás, se você vai à casa de praia quatro vezes em vez de duas só porque a estrada é pública, então não sabe que a tinta do asfalto que você consome na “atravessada free-rider” na estrada custa mais que a gasolina consumida neste percurso.
Quando você diz que não se deve pensar em termos de eficiência coletiva do mercado de bem público só porque “o único agente que calcula utilidade é o indivíduo” está se aproveitando de uma falácia nominalista, usando vacuamente o termo “indivíduo” tão somente para servir como tábua de inspiração e apelação para justificar um sistema ideológico específico. De forma análoga, o único agente que possui demanda é o indivíduo, mas nada impede que um mercado tenha curva de demanda agregada. E Marshall, Walras e Pareto entendiam a utilidade como portadora de uma característica subjetiva, mas que nem por isso deixa de poder ser traduzida matematicamente, já que utilidade acaba por ser refletida no preço.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Voce coloca a frase de uma maneira bastante conveniente, mas isso e simplesmente retorica barata.
A pessoa realmente nao quer estimular o seu analfabetismo ou doenca, mas quando voce remove os incentivos e a responsabilidade que ela teria de cuidar da sua propria educacao e da sua propria saude, ela se engajara em um comportamento do tipo free-rider descrito. E se ela considerar que os beneficios se manter nessas condicoes (ou de nao realizar um esforco individual para delas se livrar) sao melhores, ela seguira agindo assim.
Voce e que esta acreditando cegamente que a pessoa socialista e coletivamente responsavel e digna e jamais se sujeitaria as condicoes necessarias para aproveitar as esmolas gratuitas, mas que a pessoa privada e individualmente responsavel e indigna o suficiente para isso, para sustentar um argumento sem pe nem cabeca.
Não há contradição no que eu digo. A pessoa que tem comportamento free-rider em mercado privado de bem público está adotando uma estratégia dominante do “Jogo de Bem Público”. As coisas são bem diferentes em serviços sociais providos diretamente. Eles lidam com a eliminação de privações de capacitações que limitam as escolhas e as oportunidades de as pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agentes na sociedade. Ser conivente com tais privações é algo que contradiz a racionalidade auto-interessada. Imagine só um monte de gente pensando coisas como: “não vou me preocupar tanto se essa gripe virar uma pneumonia, afinal existe o sistema público de saúde”, “não vou me preocupar por onde ando, afinal tenho o 190 para me atender em caso de emergência”, “vou me manter analfabeto funcional para ver se no futuro eu consigo uma vaga no curso supletivo estatal”.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
A sua comparacao e bastante conveniente na escolha de indicadores. Como se o gasto global com a saude tivesse de ser proporcional a expectativa de vida, o que entao levaria a conclusao que os americanos teriam que viver 10 vezes mais que os cubanos, se o capitalismo fosse tao bom quanto o socialismo.
O sofisma desse tipo de raciocinio e tao absurdamente claro que da ate desanimo de refutar.
A expectativa de vida e indice de mortalidade dos EUA nao sao apenas proximos dos de Cuba, sao praticamente os mesmos de todos os paises desenvolvidos e proximos de varios paises em desenvolvimento, e em cada um desses paises as condicoes particulares e os gastos globais com saudes sao bastante variados. A sua comparacao com Cuba nao passa de uma velha estrategia de socialistas decrepitos de anunciar as "conquistas sociais" do socialismo em mega-fone e se fingir de surdos a realidade geral que e muito mais negativa do que a propaganda sugere.
Simplesmente gastar muito mais com saude nao produz um resultado muito significativo nessas taxas, que se devem a outros fatores. Alem disso, os salarios praticados na America por um servico analogo ao recebido em territorio cubano sao muito distintos, pelo simples fato de que os salarios sao pagos pela produtividade marginal, e nao "global". Os barbeiros americanos nao produzem tambem muito mais do que os cubanos, mas a america gasta bem mais com barba do que Cuba, pelo simples fato de que se tem de pagar alguem para ser barbeiro na america o suficiente para que ele nao queira ser operario de fabrica ou trabalhar numa construtora. Alguem acostumado a olhar apenas a parte e nao o todo pensaria entao que instaurar o "socialismo da barba" talvez fosse uma excelente ideia, de forma analoga a que voce defende o socialismo da saude.
Os indicadores de expectativa de vida americana dao uma medida da "produtividade global" da medicina americana, mas ja aprendemos que nao e isso que ela custa de verdade. O fato do trabalho de uma maneira geral ser caro na america e que determina o alto custo da medicina por la (alem de todos os problemas corporativos que nao convem aqui explicar). Os salarios medios na America sao mais que de 10 vezes os dos cubanos. Isso inclui os dos medicos, enfermeiros e farmaceuticos.
Nao faz nenhum sentido isolar a medicina do resto da economia quando se trata de avaliar esses fatores de custo e dizer que o regime cubano de medicina socialista e mais eficiente que o americano. Esse criterio esta cientificamente errado e so serve para ilustrar discursos ideologicos bastante pueris.
Mas a pior coisa mesmo e a ideia de que qualquer esforco coletivo para reduzir a mortalidade infantil ou aumentar a expectativa de vida sao justificaveis do ponto de vista moral, mesmo indo contra o interesse individual de cada um. Isso eu acho que ja deixei claro antes e voce nao apresentou nada que questionasse seriamente essa critica.
Eu nunca disse que o americano nao gostaria de ter uma saude melhor, o que eu disse e que ele calcula o seu consumo de maneira a maximizar sua satisfacao, e aparentemente eles nao estao gastando todo o salario em medicina por nao acharem que isso seria melhor para eles, mesmo que melhorasse um pouco seus niveis de saude.
E completamente diferente do africano que simplesmente nao tem o que gastar para obter comida por ser miseravel. Ele nao tem opcoes de bem estar para sacrificar, mas o americano medio tem varias, e mesmo assim nao o faz. Pense um pouco nisso.
Só o gasto privado per capita com saúde nos EUA é semelhante ao PIB per capita cubano. Se os recursos são MUITO MAIORES nos EUA, porque seus indicadores de saúde não são SEQUER melhores que os cubanos? Custos burocráticos? Improvável, Cuba é um país socialista. Salários baixos de funcionários cubanos rebaixam os custos? Se por um lado o governo cubano paga valores mais baixos aos funcionários de saúde, por outro, a medicina cubana é muito menos capital–intensiva que a americana, o que significa que o mesmo estoque de capital emprega um número muito maior de trabalhadores em Cuba do que nos EUA. A influência do custo salarial sobre os preços de mensalidades é limitada pelo mecanismo neoclássico de substituição entre capital e trabalho nos EUA (“efeito substituição” do trabalho pelo capital). A diferença de valoração subjetiva da saúde limita os resultados da produtividade global da saúde americana? Ora, é claro que você pode imaginar que, em média, aqui se pague por um quadro de Van Gogh um milhão de vezes menos do que na Holanda. A diferença de valores dos preços mostram que o conteúdo subjetivo da consideração de bem-estar em ter aquele quadro varia muito de lugar para lugar. Mas por mais díspares que sejam os comportamentos, pensamentos e hábitos de duas pessoas, nada muda o fato de que ambas tem necessidades muito simples e semelhantes: ambas precisam respirar, evitar a morbidez e a subnutrição. É claro que se você diz que a função utilidade do consumidor americano médio é o fator essencial que justifica os indicadores inferiores de saúde dos EUA em relação aos de Cuba, você vai chegar à conclusão de que os americanos pobres são vagabundos irresponsáveis que não reservam recursos suficientes para tratar de sua própria saúde e a de seus filhos.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
O empresario nao precisa querer vender a estrada para ter interesse em faze-la. Se a estrada servir ao interesse da sua compania, e o uso que alguns free-riders eventuais fizerem nao o atrapalhar significativamente, ele nao tera a menor razao para instalar um pedagio nela.
Se eu construo um shopping center para vender as lojas e alguns moleques que nao querem comprar nada nessas lojas resolverem entrar para usufruir das instalacoes de conforto que eu criei para os verdadeiros clientes das lojas, eu tenho duas opcoes: eu posso coibir os "free-riders" instalando catracas no shopping ou eu posso tolera-los ja que os custos desses sistemas e os transtornos que os clientes das lojas sofreriam seriam proibitivos.
Esses moleques nao parecem ter impedido a construcao dos shoppings, e eu nao sei se voce teria o descalabro de dizer que os empreendedores que fizeram esses shoppins sao "empreotarios" por isso.
Eu poderia ficar aqui dando uma caralhada de exemplos de situacoes onde pode ser razoavel tolerar algum tipo de comportamento "free-rider" residual, ja que o interesse principal nao era aquele e os custos do combate a esse tipo de comportamento sao altos. Mas acho que ja me fiz entender.
A minha hipotese era bem simples: uma empresa constroi uma estrada porque caminhoes precisam chegar numa determinada fabrica afastada, e eventualmente algumas familias e comerciantes se instalam na beira dessa estrada e transitam por ela a pe e com seus veiculos. Essa situacao e bastante real, nao exige um exercicio de imaginacao para ser concebida, basta observar exemplos reais de como as primeiras estradas de muitas regioes apareceram, sem terem sido planejadas por nenhum burocrata.
Os donos de shoppings centers não são empreotários porque eles recebem as receitas dos aluguéis dos terrenos e do serviço de estacionamento. E a razoabilidade da existência de um ou outro empreotário não evidencia nada.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Acho que as pessoas que pagam o pedagio da linha amarela em horarios diversos no Rio de Janeiro discordariam de voce.
As estradas comerciais seriam produzidas de maneira a satisfazer a demanda por elas. Estradas nao congestionadas sao um servico para quem quer trafegar mais rapido. As empresas teriam que se encarregar de mante-las descongestionadas para seus clientes, da mesma forma que empresas de telecomunicacao em banda larga fazem com suas vias de trafego de informacao.
O seu argumento aqui e extremamente amador, aceitavel apenas quando vem de alguem curioso mas destreinado, como o Aranha.
Eu chamo de “estrada não-congestionada” aquela via em que o fluxo diário de veículos é NATURALMENTE baixo suficiente para classificá-la assim. Tem uma estrada não-congestionada que serve atalho e que passa por uma região desabitada de dunas, mas liga o conjunto habitacional onde moro a um bairro nobre da cidade. Foi construída apenas em 1996. Tem um bairro na minha cidade que, até pouco tempo atrás, suas ruas não tinham qualquer asfalto, mas agora têm. E não foi nenhum empreotário que construiu ambas.
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Pois e, acontece que a funcao de utilidade coletiva nao existe, e uma aberracao conceitual, uma completa quimera.
Não há necessidade de qualquer função utilidade coletiva. Basta uma função utilidade individual para demonstrar o que eu disse. Num problema muito básico, xi representa a quantidade de mercadoria i e f(x1,..., xn), mede o nível de utilidade com o consumo de x1 unidades do bem 1, x2 unidades do bem 2, e assim por diante. Denotemos o preço das mercadorias por p1x1,..., pnxn. Para maximizar U (x1,..., xn) sujeita à p1x1 + p2x2 + ...+pnxn, obviamente vai existir um número ótimo de bens públicos que o consumidor deseja. Se o bem público for muito caro, indivisível e beneficiar um número gigantesco de pessoas, então é mais provável não haverá comprador deste bem público devido à existência do efeito carona, uma vez que a soma do valor das taxas privadas pagas diminuem com o aumento gradativo do número de caronistas, à medida que as pessoas se dêem conta que carona é a estratégia dominante no “Jogo do Bem Público”. Mas isto não quer dizer que as pessoas não se disporiam a pagar tais taxas que garantiriam a aquisição do bem público se soubessem previamente que todos pagariam (inexistência de “carona”). Devido a isso, é mais provável que um indivíduo diga que maximiza seu bem-estar passando de um “equilíbrio de Nash perverso” para adoção de uma estratégia mais coletivista do que o contrário.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes