Fonte
Mente é a fonte do prazer
Publicado em 04.03.2007
Grupo de sexólogos americanos lança livro no qual apontam que o prazer feminino começa na cabeça e, por isso, é possível experimentar o clímax só em pensar em situações sensuais e eróticas
CINTHYA LEITE
Embora se tenha a certeza de que ele aumenta a sensação de bem-estar, alivia as tensões do dia-a-dia e aumenta a autoconfiança das mulheres, o orgasmo ainda é um tabu. Aproximadamente 25% da população feminina brasileira não atingem o apogeu sexual, apesar de terem capacidade de se excitar – e isso pode gerar obstáculos na vida a dois. A proporção é dez vezes maior que a dos homens, segundo levantamento do Projeto Sexualidade da Universidade de São Paulo.
As barreiras podem ser derrubadas com a confirmação de que alcançar o mais alto grau de excitação, durante o sexo, pode ser mais fácil do que se imagina. Quem dá essa certeza é a sexóloga americana Beverly Whipple, uma das autoras do livro The science of orgasm (em português, a ciência do orgasmo), recém-lançado nos Estados Unidos e ainda sem previsão de chegar ao Brasil. Em entrevista por e-mail à Revista JC, ela garante que a fonte do prazer está na cabeça e, por isso, é possível experimentar o clímax só por pensar em situações que incitem sensualidade e erotismo.
“Sozinhas, as mulheres podem sentir orgasmos com intensidades diferentes até sem se tocar, desde que saibam identificar o que lhes causa deleite. Essa sensação só é possível porque o corpo humano é mais farto em mecanismos de prazer do que se pensava”, assegura Beverly. De acordo com ela, não apenas estímulos no clitóris podem gerar o ápice da satisfação sexual. O colo do útero e os lábios da vulva também são capazes de levar ao apogeu.
Segundo um relatório da médica Winnifred Cutler, citado no livro, o resultado de uma pesquisa com 128 mulheres revela que 94% têm orgasmo a partir da estimulação do clitóris, 63% afirmaram que a vagina também era responsável pelo prazer e 35% apontaram o colo do útero como caminho para o clímax. A explicação é que a enervação não é a mesma para todo o órgão sexual. “O clitóris está ligado a apenas um dos quatro conjuntos de nervos envolvidos: o pudendo. Já o colo do útero tem três nervos a seu favor: pélvico, hipogástrico e vago”, afirma Beverly.
A mais importante de todas essas justificativas é que o orgasmo não está diretamente atrelado a órgãos genitais. “Não importa o lugar em que o pênis é introduzido. Nem mesmo se ele está rígido ou flácido. Fundamental é o contato sexual ser afrodisíaco”, salienta a ginecologista Jaqueline Brendler, diretora da Associação Mundial de Saúde Sexual e presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana.
Para a nutricionista Jô Valéria, 29, mesmo quando o sexo acontece de maneira voluptuosa, existe a possibilidade de a mulher não alcançar o clímax porque não se conhece o suficiente para ter prazer. “Quando se reconhece os pontos de prazer, fica-se mais sensível ao orgasmo. Uma vez experimentado o alto grau de excitação, é comum fazer questão de atingi-lo sempre”, afirma Jô, que sempre fica muito mais relaxada e calma depois de sentir o ponto culminante do sexo.
“O bom é que, nem sempre, uma relação sexual a dois é necessária para isso. Quando se tem autoconhecimento e confiança, por exemplo, a masturbação é um caminho para o prazer”, completa Jô. Verdade seja evidenciada, o cérebro é o órgão que mais se empenha para ser experimentada a sensação de prazer. Pesquisas têm mostrado que o estímulo erótico genital ativa áreas cerebrais que estimulam músculos que levam ao orgasmo. Esse processo, no entanto, só funciona se o cérebro não for bloqueado.
“Não adiantam as carícias nem os pensamentos eróticos se a mulher não se dá liberdade para ter prazer. A idéia que se tem sobre o sexo é o que mais influencia a freqüência e a intensidade dos orgasmos”, argumenta Jaqueline. De fato, os principais fatores que dificultam o clímax feminino são culturais e educacionais. “O caminho para a liberdade sexual passa pelo conhecimento dos próprios desejos e vontade de exercê-los, apesar das pressões sociais e da repressão familiar”, revela a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de Infiel: notas de uma antropóloga (Ed. Record) e especialista em sexualidade.
Segundo explica, por mais que as mulheres sejam socializadas com o prazer sexual, ainda ficam com um pé atrás para viver livremente a sexualidade e criar mecanismos que possibilitem uma descoberta do próprio desejo. “Apesar dos inegáveis avanços, existe controle e repressão em relação ao comportamento feminino. Fiz uma pesquisa que reflete essa opressão: em uma resposta sobre o que mais invejam nos homens, as mulheres mencionam liberdade”, revela Mirian.
A socióloga Alzira Medeiros, 52, está de acordo com o fato de que a repressão impede a chegada ao ponto culminante do sexo. “Experimentar o orgasmo é uma resposta saudável do organismo. Traz bem-estar e muito prazer, mas infelizmente a nossa sociedade é muito patriarcal e, por isso, não vê o orgasmo feminino com bons olhos”, diz Alzira. “É preciso uma abertura maior em relação à satisfação sexual, que pode desabrochar não apenas com auxílio do parceiro, mas com fetiches e fantasias que todo ser humano tem.”
Hoje, pós-revolução sexual, enfrenta-se um retrocesso. Para Mirian, o universo feminino da atualidade não consegue ser tão livre como aquele revolucionário da década de 70, porque o peso do estigma sobre a mulher livre é muito grande. “Ou se é santa ou se é libertina, ou é para casar ou é para exclusivamente ter e proporcionar prazer. Daí a dificuldade em ter orgasmo.”
Para a ciência, esse obstáculo recebe o nome de anorgasmia – a incapacidade de se chegar ao ápice sexual, a segunda queixa mais comum nos consultórios, segundo Jaqueline Brendler. “Perde apenas para a diminuição do desejo de fazer sexo”, diz a ginecologista.
Um estudo do Projeto Sexualidade indicou que o cansaço, a ansiedade e a falta de tempo são os fatores que mais comprometem o apetite sexual das mulheres. Os resultados ainda mostram que 50% da ala feminina estudada têm algum tipo de problema sexual, além da anorgasmia: não ficam excitadas e sentem dor durante a penetração.
Mente é a fonte do prazer
Mente é a fonte do prazer
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).